A persistência da inflação dos alimentos colocou o Banco Central em alerta. O cenário de pressão de demanda, estoques mundiais reduzidos e incertezas no mercado internacional levaram a instituição a criar um grupo especial para monitorar de perto a variação dos preços das commodities e dos alimentos básicos.
O presidente do BC, Alexandre Tombini, mobilizou, na quinta-feira passada, um grupo de especialistas do governo para aprofundar o debate e avaliar as tendências da inflação dos alimentos, apurou o Valor. Na sede do BC, ele recebeu o ministro Wagner Rossi e sua equipe para discutir os fundamentos desse fenômeno. E vem mantendo conversas com técnicos dos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento Agrário, responsável pela agricultura familiar.
Na reunião, que durou uma hora e meia, avaliou-se que há uma "forte pressão de demanda" sem a devida resposta imediata da elevação da oferta de alimentos. Os preços devem ceder em maio, segundo o consenso dos participantes do encontro no BC. Mas tendem a voltar com força no segundo semestre do ano, a partir de agosto ou setembro.
O que mais assustou o BC - responsável pelo cumprimento da meta de inflação - foi a constatação de que há alta disseminada dos preços dos alimentos. Vários produtos agropecuários subiram ao mesmo tempo, com impacto substancial no índice de inflação, já que 22% do IPCA é composto por esse grupo. Estão no radar do BC o monitoramento de commodities, como soja, milho, café e algodão, além de produtos básicos, como arroz, feijão e hortigranjeiros.
No encontro, primeiro de uma série programada, o grupo avaliou que a demanda segue em alta, a oferta bateu no "teto" e um equilíbrio entre ambos deve demorar. Além disso, os estoques são reduzidos em todo o mundo. Por isso, o recuo dos preços no médio prazo não será substancial. As cotações devem ceder, mas voltarão a subir em seguida. O "sinal vermelho" acendeu, segundo as avaliações, porque os preços estão em alta desde 2010 e a esperança de que recuariam em fevereiro não se materializou.
Produtos como milho, café, soja e algodão estão com preços acima da média histórica. O trigo subiu menos, mas ainda assim encareceu bastante, e a produção interna será insuficiente neste inverno. No caso do arroz, mesmo com as cotações em baixa, há tendência de carestia no segundo semestre. O feijão continua muito instável, volátil, dependendo do impacto das chuvas nas lavouras. Em 2010, ficou caro, porque as chuvas atrapalharam o fluxo das três safras.
Os hortigranjeiros também sofreram com as chuvas. As principais regiões produtoras tiveram perdas sensíveis. Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte, região serrana do Rio e Santa Catarina tiveram precipitações bem acima da média, o que reduziu a oferta e encareceu a produção.
No etanol, cuja cotação disparou nas usinas e ao consumidor, há uma tendência de recuo imediato. Mas o problema voltará a aparecer quando vier a entressafra, em novembro ou dezembro.
Os preços internacionais estão em picos históricos, embalados pela demanda, enquanto a oferta não acompanhou. A situação é considerada delicada em razão de várias incertezas no mercado externo, como, por exemplo, o tamanho e a destinação da safra de milho nos EUA. Os americanos devem despejar a safra na produção de etanol. Além disso, a China passou a ser grande importador de milho e o Brasil é dos poucos que podem atender à demanda. A pressão sobre as cotações do grão impacta os preços das carnes, sobretudo de frango e suínos, alimentados com a ração de milho.
Outra incerteza é a alteração no fluxo de investimentos dos "hedge funds", que têm aumentado as aplicações em commodities. Há uma "irrigação especulativa" que aumenta preços. A guerra na Líbia pressiona as cotações do petróleo. Não menos importante é o desastre nuclear no Japão, que contaminou águas e lavouras. Isso pode elevar a demanda externa por arroz, ameaçando a importação da Argentino ou do Uruguai a preços baixos.
O mundo está consumindo cada vez mais alimentos e, por isso, os preços das commodities mudaram de padrão, concluiu-se na reunião do BC, e não devem mais voltar aos níveis anteriores. Assim como a produção brasileira de grãos, fibras e cereais deve permanecer acima das 150 milhões de toneladas. Uma solução seria um "choque de crédito" para incentivar mais a produção interna.
A venda dos estoques públicos e desonerações da importação de milho e trigo também seriam alternativas. Além disso, pode-se formar estoques públicos em regiões mais consumidoras, como o Nordeste, e baratear capital de giro para estocagem privada e industrialização da produção via cooperativas da agricultura familiar.
Veículo: Valor Econômico