O comércio exerce o papel de intermediário na cadeia produtiva, elo entre a indústria e os consumidores. Todo o seu ciclo de negócios envolve as expectativas dos empresários e dos consumidores em relação ao futuro da economia. Essas, por sua vez, flutuam de acordo com as mudanças do cenário econômico, o que acentua o nível de vulnerabilidade da atividade.
A estabilidade monetária gerou um varejo mais maduro e preparado para agregar valor ao serviço prestado através de diferenciais competitivos, para otimizar seus processos operacionais e financeiros, para valorizar o mercado-alvo e não se acomodar no espectro da fidelização. Tal atitude decorre da expansão econômica dos últimos anos, fortalecida por um sentimento de confiança dos consumidores no futuro. O país passou a crescer sustentado por uma demanda aquecida pelo aumento da renda real, pelo emprego formal, pelo crédito facilitado em termos de acesso e prazos, pelos efeitos das políticas sociais. Tudo isso em um clima de novos entrantes no mercado de consumo, a chamada "nova classe média", 94,9 milhões de brasileiros.
Essa conquista é de todos, mas precisa ser sustentável. Os riscos presentes estão na pressão inflacionária oriunda do descompasso entre a demanda confiante e ativa e a indústria nacional sem capacidade em atendê-la. Essa, por sua vez, enfrenta os gargalos estruturais da economia brasileira que geram custos não gerenciáveis, tais como deficiência de infraestrutura logística, falta de trabalho qualificado, sistema creditício e tributário desalinhados aos padrões internacionais em termos de taxas e regulação. A combinação disso é a potencialização de desvantagens competitivas frente aos níveis de preços praticados pelo mercado global, o que provoca uma concorrência desleal formalizada dentro do mercado interno. Números que mostram que os gargalos existem e precisam ser vencidos. Porém, no curto prazo, o governo impõe ao comércio uma mudança de cenário em 2011. O ritmo deverá ser mais lento que o experimentado no ano eleitoral de 2010, fruto dos futuros efeitos da combinação das medidas macroprudenciais, que atingiram diretamente a liquidez dos bancos e as operações de financiamento dos veículos, sucessivos aumentos da taxa básica de juros Selic e do IOF nas operações de crédito a pessoa física.
O cenário econômico está mudando desde dezembro/10, passando para uma política monetária e fiscal mais restritivas, anti-inflacionária, que segundo o governo poderá se prolongar até a acomodação das metas fiscais e inflacionária. O comércio terá que se adaptar e reagir a essa realidade de juros e impostos mais elevados, nocivos para o dinamismo de seus negócios, dependentes dos financiamentos que chegam a responder por 60% das vendas realizadas. Todo o processo de negociação fica mais caro na formação de estoques, no capital de giro e na ponta final do cliente. Além disso, os riscos de futuros aumentos da inadimplência deverão ocorrer. O aumento do risco deverá contaminar os juros cobrados no cartão de crédito, hoje na faixa de 353% ao ano.
A conjuntura prospectiva é de futuros efeitos desse aperto monetário, que poderá ser ampliado em novos aumentos de juros e novas medidas prudenciais, sobre a liquidez do sistema financeiro direcionadas ao crédito, com impacto no acesso e no prazo. A agenda agora é como o consumidor irá assimilar essa mudança que sinaliza o menor ritmo do crescimento do emprego? Quais os reflexos em sua saúde financeira, cuja renda já está comprometida com financiamentos de prazos longos contraídos para adquirir automóveis, imóvel, eletroeletrônicos, viagens, dentre outros? A percepção de piora do quadro econômico ensejará mudança de comportamento do consumidor, que deverá adotar uma atitude mais conservadora em relação ao crédito, hoje, alavanca motivadora do consumo. Caberá aos empresários do varejo acompanhar, monitorar o futuro comportamento da demanda com vistas a gerenciar seus estoques a realidade de negócios menos dinâmicos. Contudo, hoje, diferente do passado, o ambiente varejista está exponencialmente mais competitivo e desafiante, incorporando a velocidade natural do comércio eletrônico e das redes sociais, da conveniência proporcionada pelo cartão de crédito, o novo consumidor consciente de seu papel e de seus direitos, cujo parcelamento das compras faz parte do rol de atributos de satisfação.
As pressões inflacionárias decorrem das deficiências estruturais da economia, como a falta de pessoas qualificadas para atender a demanda por investimentos, de produtos essenciais como gasolina, energia, transporte e alimentos. A inflação é nociva, corrói o poder e a qualidade das compras, deteriora as expectativas dos consumidores e dos empresários. E, mais uma vez, está sendo combatida com juros elevados, que penalizam a economia real, que passará a transferir renda para os bancos e financiar déficit público. Espera-se que o governo cumpra a sua parte, buscando a eficiência na gestão e promovendo um ambiente de negócios de redução do custo Brasil que permeia as cadeias de negócios e penaliza a eficiência do sistema como um todo, comprometendo a competitividade de nossas empresas e encarecendo a vida das pessoas.
Os efeitos quantitativos serão sentidos nos resultados de vendas, que deverão ser menos robustos que os alcançados em 2010. Não podemos abrir mão dos avanços qualitativos obtidos nos últimos anos, em especial da inclusão da nova classe média, e exigir, cada vez mais, que o comércio cresça em sintonia com a indústria, dentro dos parâmetros do mercado internacional. Se isso não ocorrer, ficaremos sempre buscando metas inflacionárias, e atuando como exportadores de consumidores que encontram no resto do mundo o mercado ideal, principalmente por causa dos preços relativos. urgente a mudança desse modelo, temos cultura de consumo, população, qualidade de prestação de serviços e produtos, portanto, temos que aproveitar o potencial de nosso mercado interno.
Veículo: Diário do Comércio - MG