A inflação fez o seu trabalho de sempre, corroendo o poder aquisitivo dos assalariados, e sua colaboração está discretamente registrada na queda da produção industrial de abril, de 2,1%, a maior desde dezembro de 2008. Alguns setores de consumo de massa domésticos estão desacelerando sob o peso da redução da demanda motivada pelos aumentos de preços - a concorrência dos importados, o aperto seletivo de crédito e o aumento de juros fazem o resto do serviço.
A disparada dos alimentos até abril deixou para trás mesmo os percentuais mais generosos dos reajustes salariais concedidos em 2010. O aumento da cesta básica em 16 capitais foi, na média, de 9,82% no ano - foi pior, de 12,5% em março. As maiores altas estiveram disseminadas também por capitais do Nordeste, região onde o desempenho de vendas e produção avançava com folga acima da média desses indicadores no resto do país. Em Fortaleza, a alta em quatro meses foi de 19,3% e de 19,8% em Goiânia.
O peso dos alimentos no orçamento doméstico atinge com mais força quem ganha menos, as classes C e D, exatamente as que impulsionaram a economia para sua mais alta taxa de crescimento em 25 anos, de 7,5% em 2010. Cerca de 60% das pessoas ocupadas no país ganham até dois salários mínimos.
A resposta para a questão de que até que ponto a alta refreou o consumo no varejo é imprecisa, pois os indicadores têm defasagens. Até março (último dado disponível) o comércio varejista tinha reduzido pela metade sua velocidade de crescimento, muito elevada em 2010, especialmente nos setores de hipermercados e supermercados.
Essa corrosão do poder de compra pela inflação teve impacto no índice de produção industrial de abril e não só no setor de alimentação. Segundo o IBGE, entre as maiores influências para o recuo da taxa global da produção, na comparação com abril de 2010, estão alimentos (-8,2%) e têxteis (-15,2%). Em bens intermediários para a produção de alimentos, a queda foi ainda mais intensa, de 19,4%. No acumulado do ano, a produção de "bens de salário" começa a ser contida. Na indústria de alimentos, até abril, o recuo é de 1,4%, na de bebidas, 3%, e na de calçados, têxteis ou vestuário, há estagnação ou pequena queda. As fartas importações têm um papel nessa história.
A manutenção do dinamismo industrial, em uma situação de corrosão do poder de compra, dependerá de se os reajustes salariais e do salário mínimo reporão a perda do poder de compra. O salário mínimo em 2011 perdeu por pouco da inflação e há dúvidas sobre se os dissídios este ano ultrapassarão por margens confortáveis a evolução dos índices de preços (como em 2010), em especial diante de uma desaceleração da economia. Em 12 meses até março (último dado), o salário real na indústria de transformação teve queda de 0,9%, ainda discreta, mas significativa diante da longa série de aumentos no passado recente.
O total dos rendimentos das pessoas ocupadas na economia caiu 1,28% em março, último dado divulgado. A massa salarial real na indústria de transformação ainda cresce pelo aumento do emprego, que já se tornou residual na indústria e tende a apresentar números negativos em um futuro próximo.
Os efeitos da política monetária sobre a situação do mercado de trabalho determinarão, em boa parte, o comportamento da economia e o grau de acerto ou erro do gradualismo do Banco Central, que obteve alguns sucessos até agora.
É impossível determinar a priori qual a dose de juros e de aperto monetário que levará a economia a uma expansão moderada, com alguma folga na oferta de mão de obra e modestos reajustes salariais. Se a redução do nível de atividade for irrelevante ou pequena, haverá uma pressão adicional por indexação começando dos salários, a inflação continuará acima da meta e a dose de juros terá de ser maior.
Veículo: Valor Econômico