A deflação de 0,63% nos preços no atacado em maio abriu espaço para estimativas de uma trajetória mais benigna da inflação nos próximos meses, reforçando as projeções que acreditam em uma taxa anual ao consumidor mais próxima de 6%. Dados divulgados ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV) apontaram uma retração de 3,19% no Índice de Preços ao Produtos Amplo (IPA) agrícola e uma desaceleração na alta do IPA industrial, que fechou o mês de maio em 0,32%. Na média, o IPA variou menos 0,62% e ajudou a puxar o Índice Geral de Preços Disponibilidade Interna (IGP-DI) para pífio 0,01%.
Os dados do IGP-DI são mais relevantes para o futuro da inflação do que o próprio Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), também divulgado ontem, defende o economista Fábio Ramos, da Quest Investimentos. O IPCA, calculado pelo IBGE, ficou em 0,47% em maio, com recuo de 0,3 ponto percentual frente a abril, dentro das expectativas dos analistas.
Ramos destaca que, além da expressiva deflação nos produtos agropecuários, o que traz uma boa perspectiva para os próximos IPCs - inclusive o IPCA - é a desaceleração nos produtos industriais que compõem o IPA. A alta de 0,32% na leitura de maio veio após um avanço de 0,58% em abril, e foi puxado por uma deflação de 0,49% nos bens intermediários.
"Esse item envolve produtos têxteis, petroquímicos, aço... E isso é IPCA futuro, porque não pega nem a parte de alimentos nem combustíveis, mas sim roupas, carros, e parte de artigos de limpeza etc.", diz Ramos, para quem o IPCA de hoje já mostra intensificação da queda de bens duráveis - que teve deflação de 1,5% no acumulado de 12 meses - e redução da pressão em itens não duráveis. "Se antes parecia que tudo ia dar errado, agora começam a surgir sinais de que vários itens estão ajudando."
Ramos continua com sua previsão de 0,05% para o IPCA fechado de junho, mas não descarta deflação. "Continuamos com esse número, porque a desaceleração [de maio] já estava na conta. Os preços voláteis, como álcool e alimentos in natura, estão conspirando a favor da inflação e podem cair muito mais, isso é quase imprevisível no mês a mês", pondera.
Fábio Romão, da LCA Consultores, projeta uma deflação de 0,04% no IPCA de junho. Um melhor comportamento dos grupos transportes, vestuário, despesas pessoais e alimentação e bebidas trará o índice para baixo, diz o economista. "A gasolina terá talvez a sua maior queda em junho e o álcool continua caindo na nossa projeção", afirma Romão, para quem o item transportes terá a maior contribuição para a provável deflação do IPCA fechado deste mês. Em maio, o item transportes teve queda de 0,24%, contra aceleração de 1,57% em abril.
Os reflexos benignos da deflação nos produtos agropecuários e da menor alta nos produtos industriais terão reflexos benignos nos IPCA entre junho e agosto, mas a partir daí o indicador voltará a mostrar aceleração mensal para fechar o ano em 6%, segundo Romão e Ramos, ou 6,6%, na projeção mais pessimista de Thiago Curado, da Tendências Consultoria.
"A melhora no curto prazo é pontual, o cenário inflacionário está aí, não mudou. Continuamos com um cenário ruim", diz Curado. Romão, da LCA, assim como Ramos, da Quest, são um pouco mais otimistas. "No fim do ano, sempre há alta de preços. No ano passado, essas altas foram acima do esperado. Para o fim de 2011, não esperamos altas tão significativas", diz Romão.
O IPCA acumulado em 12 meses, hoje em 6,55%, vai continuar se acelerando até agosto, diz Ramos, quando atingirá alta de 7%, para, a partir daí, iniciar trajetória de recuo, fechando o ano em 6%. O economista, contudo, faz uma ressalva. "Continuamos com um quadro de atividade muito apertado. O estoque na agropecuária é muito pequeno. Qualquer coisa que aconteça já dispara o preço desses itens. Hoje, há uma conjunção de fatores que favorecem a desaceleração da inflação, mas qualquer coisa que mude nesse equilíbrio pode fazê-la voltar a se acelerar".
As projeções de uma inflação ao consumidor mais próxima a 6% - dentro da margem superior da meta estabelecida pelo sistema de metas -, contudo, não mudam as perspectivas dos analistas para o comportamento dos juros ao longo do ano.
Entre as surpresas negativas do IGP-DI de maio, Romão destaca o item mão de obra, que compõe o Índice Nacional de Construção Civil (INCC). As despesas com pessoal tiveram elevação de 5,48% em maio, contra taxa de 1,74% apurada em abril, e puxaram o avanço de 2,94% no INCC. Na leitura anterior, ele havia ficado em 1,06%. "Há uma sazonalidade dessa categoria. Boa parte dos dissídios acontece em maio, só que essa alta foi além do que se esperava." Para junho, o analista acredita que o item mão de obra terá aceleração próxima a 2%. "Essa alta não se sustenta", diz.
Para Curado, da Tendências, a persistência da alta dos preços relacionados a serviços não tem perspectiva de melhora ao longo do ano. Além disso, sustenta, o item alimentação, que poderá inclusive registrar deflação nas próximas leituras por conta da devolução de choques de oferta, voltará a pressionar a inflação no último trimestre.
Veículo: Valor Econômico