Ritmo de encomendas cai e estoques crescem no segundo trimestre

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Indústria já sente os efeitos das medidas de contenção do crédito adotadas pelo governo

 

A indústria já sentiu os efeitos das medidas de contenção do crédito adotadas pela área econômica do governo. O ritmo forte de crescimento da atividade nos três primeiros do ano não se repetiu no segundo trimestre, que começou com acúmulo de estoques em alguns setores, movimento que começou no primeiro trimestre do ano, como indicam os dados do Produto Interno Bruto (PIB) divulgados na sexta-feira.

 

Relatos de líderes empresariais de setores como a distribuição de aço, indústria elétrica e eletrônica e do Polo Industrial de Manaus (PIM, em que há peso importante da produção de eletroeletrônicos e motocicletas) corroboram a perda de fôlego da economia a partir de abril apontada por indicadores como a produção industrial, o Índice de Gerentes de Compras do HSBC e os índices de confiança do consumidor e da indústria da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A força do mercado de trabalho, contudo, pode garantir um nível de consumo ainda elevado, ponderam alguns analistas.

 

O quadro desenhado pelos industriais contrasta com o resultado do PIB do primeiro trimestre, que acelerou e cresceu 1,3% em relação ao final do ano passado, na série com ajuste sazonal.

 

O presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores do Aço (Inda), Carlos Loureiro, diz que, após um abril fraco, os negócios continuaram pouco animadores em maio. "As vendas devem ter ficado no mesmo nível ou cerca de 2% abaixo do registrado em abril [quando totalizaram 347,5 mil toneladas]. Como maio teve 22 dias úteis, três a mais do que o mês anterior, é um resultado fraco", afirma Loureiro. Em abril, a distribuição tinha sido 9,2% menor que a de março, e 1,4% maior que a de abril de 2010. No primeiro trimestre, o setor registrou um bom desempenho, em parte por uma antecipação de compras estimulado pela perspectiva de aumento dos preços, que entrou em vigor no começo de abril. Loureiro diz que as encomendas dos setores automobilístico, de autopeças e da construção civil registram um desempenho decepcionante. Só o segmento de máquinas agrícolas segue mais firme nas encomendas.

 

De janeiro a abril, as vendas de aços planos cresceram 9,5% sobre igual período de 2010. Para o acumulado do ano, esse ritmo não deve se manter, acredita Loureiro, que hoje estima um avanço de 5% a 6%, bem abaixo da expectativa de crescimento de 15% do começo do ano, diz Loureiro, para quem a alta da Selic e as medidas macroprudenciais começaram a fazer efeito.

 

No Polo Industrial de Manaus (PIM), que teve um primeiro trimestre bastante robusto, as coisas mudaram de figura a partir do segundo trimestre. Em abril, o faturamento do PIM caiu 9% em relação a março, subindo 4,2% sobre abril de 2010. É um aumento bem menos expressivo que os 13% acumulados de janeiro a abril na comparação com o mesmo período de 2010. "Não temos os números de maio, mas acreditamos na tendência de baixa", diz Gilmar Freitas, assessor econômico da presidência da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam).

 

Como Loureiro, ele acredita que o movimento reflete as medidas para conter o avanço da demanda. O resultado é um cenário ruim para as encomendas do varejo. "As informações que nos chegam dão conta de uma pequena retração no mês de abril e um pouco maior em maio", afirma Freitas, que ainda vê bons sinais no setor de motocicletas. Para 2011, Freitas estima que o faturamento deve aumentar 10%, menos que os 13% acumulados nos quatro primeiros meses.

 

O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, diz que uma série de indicadores divulgados recentemente confirmam a expectativa de desaceleração mais forte da atividade no segundo trimestre, relatada pelos líderes empresariais. Para ele, a indústria, pelo lado da oferta, e a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos) se beneficiaram do primeiro trimestre do movimento de antecipação de inversões das empresas, com o objetivo de aproveitar as condições mais favoráveis do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES. A partir de abril, esse movimento perdeu força, afirma Borges, lembrando que a produção industrial recuou 2,1% em relação a março, feito o ajuste sazonal, com um recuo de 2,9% no setor de bens de capital.

 

A estimativa preliminar de Borges é de que o PIB, que cresceu 1,3% no primeiro trimestre, deve se desacelerar e registrar uma alta de 0,5% a 0,8% no segundo, na série com ajuste sazonal. "A recuperação do primeiro trimestre parece ter sido um 'voo de galinha'", afirma ele, que não vê espaço para um avanço muito forte do consumo, dadas as medidas de restrição ao crédito, que elevaram juros e reduziram prazos de empréstimos e financiamentos, do avanço mais fraco do rendimento real (descontada a inflação) e da queda da confiança do consumidor.

 

O rendimento médio real nas seis principais regiões metropolitanas, que em outubro de 2010 aumentou 6,5% sobre igual mês de 2009, subiu 1,9% em abril deste ano, na mesma base de comparação. Além da renda, a taxa de juros das operações de empréstimos para a pessoa física subiu de 39,1% ao ano em novembro de 2010 para 46,8% em abril deste ano.

 

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Humberto Barbato, também acredita que o seu setor já começa a ser afetado pelas medidas destinadas a restringir o crédito e moderar a demanda. A sondagem de abril da Abinee reforçou os sinais de arrefecimento sugeridos por enquetes anteriores, segundo Barbato. Nada menos que 59% das empresas relataram que suas vendas ou encomendas no mercado interno ficaram abaixo das expectativas, o maior nível desde agosto de 2010. Outro número pouco favorável é o aumento da parcela de empresas que relatam estoques acima do normal. No caso de inventários de insumos, a fatia subiu de 19% em março para 30% em abril; no de produtos acabados, de 24% para 30%. Por tudo isso, Barbato acredita que o faturamento do setor deve crescer entre 8% e 8,5% este ano - antes, ele apostava em alta de 11%.

 

A economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara, vê um cenário mais difícil para a indústria a partir do segundo trimestre. Para ela, a alta do primeiro trimestre, após nove meses de estagnação, ocorreu num quadro de recomposição de estoques, que deu um gás extra para o segmento. A partir do segundo trimestre, porém, ela acredita que a indústria voltou a crescer pouco, como já indicado pela produção industrial de abril. A concorrência do importado atrapalha alguns setores e, em outros, a capacidade instalada elevada impede um aumento de produção, diz Thaís.

 

Ela é mais otimista com as perspectivas para o consumo. O mercado de trabalho segue aquecido, o que pode abrir espaço para reajustes salariais expressivos, num momento em que há dificuldade para as empresas encontrarem trabalhadores qualificados. Thaís diz que os licenciamentos de veículos (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus) em maio foram bastante fortes, subindo 10% em relação a abril e 27% sobre maio de 2010, sinal de espaço para avanço do consumo, mesmo com as medidas de restrição ao crédito.

 


Veículo: Valor Econômico


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