Entre todos os setores da economia ameaçados pelas freqüentes quedas do dólar, o varejo é um dos poucos para os quais a desvalorização da moeda norte-americana traz benefícios. A entrada cada vez maior de produtos importados, aliada ao aumento da renda da população, tem estimulado a ampliação da oferta de itens e a expansão do consumo no mercado interno.
Apesar da perda de competitividade causada à indústria nacional, a depreciação do dólar também contribuiu para o controle da inflação, de acordo com o professor de economia dos MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FVG/IBS) Robson Ribeiro Gonçalves.
"O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) chegou a bater o teto da meta, de 6,5%, há alguns meses. Neste contexto, o dólar em patamares mais baixos ajuda a controlar a inflação, uma vez que os preços das mercadorias importadas caem. Foi por isso que no primeiro semestre não foi tomada nenhuma medida para evitar a redução ainda maior da cotação", explica.
Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço de bens duráveis diminuiu 1,07% nos últimos 12 meses. Já as vendas no varejo registraram elevação de 9,19% no mesmo período. A comercialização de móveis e eletrodomésticos subiu 17,16% e no caso de automóveis e motocicletas o avanço atingiu 12,14%.
Contudo, o especialista acredita que no segundo semestre o Executivo federal deverá tomar medidas mais incisivas para evitar a depreciação ainda maior da moeda norte-americana. "Como a inflação já deu sinais de arrefecimento, o governo não deve manter uma política que continue favorecendo a desvalorização, que traz mais prejuízos que benefícios à economia do país. As recentes ações anunciadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, já apontam para este caminho", argumenta.
Medidas - Na semana passada, foi divulgada uma medida provisória que permite a taxação em até 25% da alíquota de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre transações chamadas de derivativos, usadas por empresas e bancos no mercado futuro. Por ora, Mantega determinou a cobrança de 1% sobre a posição vendida dos bancos que excederem a variação de US$ 10 milhões. No entanto, o ministro já afirmou que não descarta uma nova elevação.
Para o professor do Laboratório de Finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), do Programa de Administração do Varejo (Provar), José Roberto Savóia, empresários do setor varejista devem ficar tão atentos quanto os executivos do segmento industrial às próximas medidas a serem tomadas pelo governo federal.
"Não é de se esperar que, para o varejo, ocorram alterações de imediato. No entanto, é preciso tempo e atenção para identificar o comportamento do mercado frente esta primeira etapa de ajuste na cotação do dólar. A conjuntura internacional e a atual situação dos Estados Unidos tornam crítico o atual momento econômico, que merece precaução até mesmo por parte de quem importa, já que existe a possibilidade de que o governo reveja a tributação sobre a importação de determinados itens", alerta Savóia.
Na avaliação do economista e professor da PUC Minas Ário de Andrade, mesmo com as medidas implementadas pelo Executivo federal, o dólar deve permanecer em baixos patamares por um período significativo, o que deve continuar estimulando o varejo a importar cada vez mais itens.
Diante deste cenário, a perda de competitividade em diversos setores da indústria nacional é inevitável, segundo o especialista. "Nenhum país possui uma indústria competitiva em todos os segmentos, isso não existe. O que vai acontecer é que alguns setores que já não eram competitivos em razão dos impostos e dos juros vão ser ainda mais prejudicados. Não há como o governo favorecer a todos os segmentos. Alguns serão estimulados e outros tenderão a encolher", argumenta.
As ações governamentais que podem minimizar os impactos negativos no curto prazo já estão sendo realizadas, segundo Andrade. Apesar disso, ele ressalta que a maneira mais eficiente e sustentável de reduzir os danos causados à economia brasileira passa, necessariamente, pela redução dos gastos públicos.
"Até agora o governo não pôde fazer a reforma tributária porque, com menos arrecadação, não teria como quitar suas dívidas. Diminuindo os gastos públicos e alongando o prazo para o pagamento dos débitos, a inflação voltaria a ficar sob controle, o que viabilizaria uma queda nos juros e a realização das reformas tributária e trabalhista", avalia o economista.
Veículo: Diário do Comércio - MG