Varejo tem semestre de alta forte, com mercado de trabalho aquecido

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O bom desempenho do comércio varejista no primeiro semestre mostrou que a demanda interna continua forte neste ano, impulsionado especialmente pelo mercado de trabalho aquecido e pela elevada confiança do consumidor. As vendas no varejo ampliado, que incluem veículos e autopeças e material de construção, cresceram 9,2% em relação ao mesmo período de 2010, a despeito do ciclo de alta de juros e das medidas de restrição ao crédito. Em junho, essa vendas subiram 0,5% sobre maio, feito o ajuste sazonal, um ritmo inferior ao de março a maio nessa base de comparação, o que indica uma desaceleração no ritmo de crescimento nos últimos meses.

 

As condições de empréstimos e financiamentos pioraram nos últimos meses, com aumento dos juros e o fim do alongamento dos prazos, mas não a ponto de prejudicar as vendas dos bens mais dependentes do crédito. Luiz Goes, sócio sênior da consultoria especializada em varejo GS&MD - Gouvêa de Souza, nota que os setores ligados ao crédito tiveram as taxas mais fortes de expansão. No primeiro semestre, as vendas de móveis e eletrodomésticos aumentaram 17,7%, e as de veículos e motos, partes e peças, 12,1%. "É possível que, sem as medidas de restrição ao crédito, o crescimento das vendas desses bens fosse maior, mas mesmo assim houve uma alta expressiva", afirma Goes.

 

O economista Alexandre Andrade, da Tendências Consultoria, diz que o desempenho do varejo no semestre reflete principalmente o bom momento de importantes condicionantes da demanda, em especial o emprego e a renda e a elevada confiança do consumidor. Na série com ajuste sazonal, a taxa de desemprego está na casa de 6%, em níveis próximos das mínimas históricas. Já o índice de confiança do consumidor da Fundação Getulio Vargas (FGV) avançou 2,3% em junho e 5,4% em julho, atingindo o nível mais alto da série iniciada em 2005.

 

"A queda dos preços e a estabilidade do emprego têm sido um contraponto às medidas macroprudenciais do governo", complementa Reinaldo Pereira, gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE. Ele acrescenta que, além do câmbio, incentivos governamentais têm explicado reduções de preços em produtos de informática, o que limita os efeitos das restrições ao crédito.

 

Andrade chama a atenção para descompasso entre o comportamento das vendas no varejo e da produção industrial. No primeiro semestre, a indústria cresceu apenas 1,7% sobre igual período de 2010, muito abaixo dos mais de 9% de aumento do comércio ampliado. A forte concorrência do produto importado, favorecida pelo real forte, dificulta a vida da indústria, que ainda tem dificuldades de exportar, tanto pelo câmbio valorizado como pela fraca demanda em países desenvolvidos.

 

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, diz que o dólar barato produz dois efeitos: contribui para um enfraquecimento da produção e facilita o aumento do consumo, ao baratear os bens comercializáveis internacionalmente (os tradables, em economês). O resultado é o aumento da distância entre as curvas de crescimento do comércio e da indústria. Nesse quadro, boa parte da alta do consumo é abastecida pelos importados, diz Montero.

 

Os analistas ressaltam, porém, que os números do varejo mostram alguma perda de fôlego nos últimos meses. Andrade observa que as vendas no varejo ampliado, que em março haviam aumentado 1,9% sobre fevereiro, feito o ajuste sazonal, subiram 0,5% em junho, nessa base de comparação.

 

Arício Oliveira, professor da FGV e consultor da Pezco, aponta a desaceleração do comércio na taxa de crescimento em 12 meses. As vendas do varejo ampliados, que subiram 12,2% em 2010, acumulam alta de 10,9% nos 12 meses até junho. "Não é algo rápido, mas a taxa de expansão nessa base de comparação é declinante."

 

Para Andrade, a piora das condições de crédito e a elevação da inadimplência devem contribuir para a desaceleração adicional das vendas no segundo semestre. O eventual agravamento das turbulências no mercado internacional também pode colaborar para um desempenho pior do comércio daqui para frente, principalmente se abalar a confiança do consumidor, acredita ele. Ao mesmo tempo, joga contra a perda de fôlego das vendas a perspectiva de que categorias importantes de trabalhadores, como bancários e petroleiros, tenham reajustes salariais elevados no terceiro trimestre.

 

Em relatório, o Credit Suisse diz que a desaceleração do varejo na segunda metade do ano será liderada pelo setor de bens duráveis (como automóveis e eletrodomésticos). "Os impactos da política monetária mais restritiva implementada nos últimos meses e da imposição de restrições ao crédito livre para pessoa física serão mais expressivos sobre as vendas desse setor no segundo semestre", avalia o banco.

 


Veículo: Valor Econômico


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