Para quase metade das famílias brasileiras, a inflação já ultrapassou o teto da meta perseguida pelo governo para este ano. No acumulado em 12 meses, até outubro, o Índice de Preços ao Consumidor - Classe 1 (IPC-C1), termômetro dos preços para famílias que ganham até 2,5 salários mínimos por mês no Rio, São Paulo, Recife e Salvador, registra alta de 7,22%. Até novembro, no dado divulgado hoje, a alta dos preços acumulada é de 7,16%.
No mesmo período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador oficial que monitora a inflação para famílias com rendimento até 40 salários mínimos, acumula 5,45%, acima do centro da meta de 4,5% perseguida pelo Banco Central para 2012, mas dentro do limite superior (até 6,5% ao ano).
A maior sensibilidade aos preços observada nessa faixa de renda - domicílios com renda mensal de até 2,5 salários mínimos por mês representam 44,3% das famílias brasileiras, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - se dá, principalmente devido ao grande espaço que os alimentos ocupam no orçamento.
Segundo o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os gastos com alimentação e habitação concentram 60% dos rendimentos da baixa renda. "Quando os alimentos mais básicos ficam mais caros, como o arroz e feijão, essas famílias sentem o impacto direto quando vão ao supermercado", diz Braz. Os preços do arroz e do feijão acumulam alta de mais de 30% em 12 meses. A FGV é a responsável pela elaboração e divulgação do IPC do baixa renda.
Fabio Romão, economista da LCA Consultores, diz que o choque de oferta de alimentos causado este ano por forte seca nos EUA foi mais sentido pelas famílias mais pobres, mais vulneráveis à variação de preços dos itens básicos. "A projeção de alta em alimentos em 2012 era de 5,5%, pelo IPCA. Agora está em 9%, depois da disparada dos grãos", afirma Romão.
A sensação de que os preços estão subindo com mais intensidade, ressalta Renato Meirelles, sócio-diretor do instituto de pesquisas Data Popular, é mais acentuada na baixa renda porque essa faixa da população está frequentemente em contato com os supermercados. "Como os alimentos são os produtos que mais estão aumentando, tem-se a percepção de que a inflação está avançando rápido. "
Atenta à variação dos preços, a atendente de call center Sheila Santos, casada e com um filho de um ano, adotou novo hábito para continuar comprando a mesma quantidade de produtos básicos para a família: trocou, em julho, as compras do varejo pelo atacado.
"Ainda vou ao supermercado fazer aquela compra semanal do que está faltando, mas a compra mensal eu só faço no atacado. Comprando o básico, gastava de R$ 350 a R$ 400. Hoje, não gasto mais que R$ 250", diz Sheila.
Para garantir a alimentação diária de uma família de 11 pessoas, a auxiliar de serviços gerais Sandra de Jesus Souza alterna a compra de alguns itens, para reduzir a quantidade diária de carne na marmita do marido e dos filhos. "Antigamente gastava R$ 400 com carne. Hoje, R$ 400 não dá nem para metade do mês. Agora compro hambúrguer. Não deixei de comprar carne, mas quando meu dinheiro está fraco, eu troco", diz Sandra, mostrando as caixas de hambúrguer de frango que carregava no carrinho. "Dou meu jeitinho."
As decisões de compra de Sandra e Sheila refletem o comportamento típico das classes de renda mais baixa diante da inflação, segundo o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri. Como não dá para deixar de comprar comida, a alternativa é substituir produtos mais caros por outros compatíveis, além de intensificar a pesquisa antes da compra. "O que pode acontecer é um efeito de substituição por outros alimentos da cesta", diz Neri.
Embora os preços mais salgados já sejam notados pelas famílias, o crescimento da renda das faixas mais pobres da população observado nos últimos anos tem amenizado os efeitos dessa inflação mais alta. "Se estivéssemos em um mercado de trabalho desaquecido seria diferente, uma situação de 'não consigo encontrar emprego e o alimento não para de subir´", diz Braz, da FGV.
A renda dos 10% mais pobres cresceu 91% entre 2001 e 2011, descontados a inflação pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) e o crescimento populacional. No mesmo período, o ganho dos 10% mais ricos aumentou 16%. Além disso, a proporção das pessoas que diziam não ganhar o suficiente para se alimentar caiu de 15% para 9,8%, de 2003 a 2009.
"No curto prazo, houve perda inflacionária, mas nos últimos anos houve um ganho de segurança alimentar", diz Neri, que destaca ainda o efeito benéfico sobre a renda dos programas sociais do governo, como o Brasil Carinhoso, ampliado em novembro para atender beneficiários do Bolsa Família que tenham pelo menos um filho de até 15 anos.
"As pessoas dizem que o salário não aumentou tanto quanto a inflação, porque a data-base da baixa renda é no começo do ano, quando há o reajuste do salário mínimo. Quando chega o fim do ano, tem-se a sensação de estagnação na renda, ao mesmo tempo em que a inflação sobe", observa Meirelles, do Data Popular.
Na opinião de Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA), da USP, a desigualdade na distribuição de renda entre os brasileiros demandaria uma atenção especial do governo para atenuar a vulnerabilidade dos mais pobres à oscilação dos preços.
"Nessa história de inflação, como o país é muito desigual, teríamos que ter outro interlocutor, não só o BC e a parte fiscal", diz Carmo, citando como exemplo de política a atuação mais forte do Ministério da Agricultura para garantir o abastecimento de determinados produtos em tempos de choque de preços.
Veículo: Valor Econômico