Michel Temer em missão política e comercial

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Temer, o pacificador

 

Em missão política e comercial, o vice-presidente Michel Temer ganha a confiança da chanceler alemã Angela Merkel, acerta acordo bilateral e abre espaço para empresários brasileiros ampliarem negócios com os alemães.

Considerada a mulher mais poderosa do mundo, a chanceler Angela Merkel não escondeu sua satisfação quando, na manhã da quinta-feira 15, recebeu pessoalmente das mãos do vice-presidente Michel Temer uma carta de Dilma convidando os alemães a investir na infraestrutura brasileira. Era uma tentativa clara de maior aproximação, um convite a parcerias, que começava com um sem cerimônia “Prezada Angela” no topo da missiva. Na avaliação de Temer, a chanceler teria gostado bastante. Grandes são as contradições do capitalismo e, em meio a elas, as novas damas de ferro, Angela e Dilma, travam uma sutil disputa para fazer valer suas teorias econômicas.

Enquanto a primeira prega a austeridade sem limite como receita de salvação da Europa combalida, a governanta brasileira cobra um plano de investimentos, critica o arrocho fiscal, as reduções de salário e o desemprego. Com visões tão antagônicas sobre as saídas, não era para menos que a visita de Temer à Alemanha estivesse cercada de cuidados e expectativa. Imbuído do papel de pacificador, ele não poupou gestos diplomáticos, no que foi correspondido. A chanceler o recebeu generosamente, por mais de uma hora, algo raro em se tratando de audiências do tipo. Acertaram uma espécie de acordo preferencial, através do qual Brasil e Alemanha criam uma comissão de consulta permanente (um canal paralelo de entendimentos), nos moldes das existentes entre Brasil e Rússia e Brasil e China, sem ferir os tratados dos respectivos blocos.

Na cruzada do vice-presidente, fato raro foi a audiência concedida por Merkel logo a seguir a uma delegação formada por empresários brasileiros, membros do Lide, que representa 47% do PIB nacional. Por gestão direta de Temer, o grupo – integrado pela BR Foods, Embraer, Audi, Itautec, Braskem e Qualicorp e liderado por João Doria Jr. – foi recebido e ouviu de Merkel um pedido inusitado: “Ficaria muito feliz se vocês investissem na Espanha e em Portugal”, disse sem cerimônias a chanceler, evitando fazer campanha para o próprio país. Merkel parece, cada vez mais, movida pela missão de grande redentora do continente. E nesse sentido não se incomoda, e até gosta, de ser comparada à lendária primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, precursora do neoliberalismo europeu nos anos 1980, quando a região passava por outro período de recessão.

Muitos dos empresários brasileiros que participavam da delegação do Lide em Berlim, por ocasião do 3º Audi Business Trip, já estão atendendo prontamente ao pedido de Merkel. A Amil, de Edson Godoy Bueno, por exemplo, acaba de comprar o grupo hospitalar português HPP por 85,6 milhões de euros. Decerto, a Eurozona não tem do que se queixar em se tratando de investimentos brasileiros. Passaram-se praticamente quatro anos de sucessivas crises agudas na região e nesse período companhias verde-amarelas não deixaram de desembarcar naquele mercado. A fabricante de aviões Embraer está presente na própria Alemanha. A Braskem mantém duas plantas petroquímicas no país.

A JBS Friboi, de José Batista Júnior, converteu-se na maior exportadora de carnes para o mercado comum, e a fabricante de helicópteros Helibras, dirigida por Eduardo Marson, também possui unidade lá. Temer, como condutor dos entendimentos e da caravana de negócios, tratou de passar essa mensagem a cada um dos interlocutores com quem esteve durante os encontros na Alemanha, inclusive ao presidente da República Federativa Alemã, Joachim Gauck, a quem falou sobre os desafios do crescimento em meio a um ambiente de crise e apertos financeiros. Gauck se mostrou especialmente interessado no relato que Temer fez sobre o modelo brasileiro de estabilidade e ampliação do mercado interno.

No mais difícil e constrangedor momento de sua agenda de compromissos, o vice-presidente teve de ouvir de um grupo de empresários alemães várias queixas sobre as dificuldades para seus negócios no Brasil. Durante um almoço na sede da Confederação da Indústria Alemã (BDI), o equivalente à Fiesp paulista, as reclamações foram de toda ordem: tributária, de transparência nas regras, de lentidão nos projetos públicos como o do trem-bala de alta velocidade, da falta de infraestrutura, da burocracia excessiva. Temer saiu-se bem na resposta a cada cobrança.

Acompanhado pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Antonio Carlos Raupp, e pelo embaixador Everton Vargas, além da delegação de 20 empresários do Lide, ele, na sua mensagem, relacionou soluções como o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), o resgate de 40 milhões de brasileiros para o consumo e o incentivo a programas como o Brasil Sem Fronteiras, que já colocou 20 mil estudantes em universidades internacionais para cursos de extensão e formação e planeja atingir uma cota de 100 mil beneficiados. Temer enfatizou também que o Brasil mudou política e economicamente, passou por uma bem-sucedida revolução e se converteu na terra das oportunidades.

O presidente da BDI, Markus Kerber, animado com as palavras de Temer, foi taxativo: “Se tivéssemos na Espanha e Portugal a experiência brasileira recente, não estaríamos vivendo a crise do euro.” Kerber, que lembrou a presença de mais de 1,2 mil empresas alemães no Brasil – “algumas com 75 anos de atividade lá” – comandou a delegação de seis associados da BDI, que parece ter feito o dever de casa e preparado uma articulada lista de reclamações. Karl Huesgen, da ThyssenKrup, por exemplo, mostrou-se preocupado com o apoio do governo brasileiro aos projetos da indústria pesada. A Thyssen mantém co­operação com empresas brasileiras do setor naval, conta com um grande estaleiro no Rio Grande do Sul e quer construir outro ao lado da Engemix.

Está conversando também com a Embraer para desenvolvimento conjunto na área de equipamento eletrônico. A Siemens, antecipando que vai investir cerca de US$ 1 bilhão no mercado brasileiro nos próximos três anos, tratou da falta de garantias oficiais contra os riscos dos grandes projetos. O executivo Udo Niehage disse que a Siemens disputará o trem-bala e está interessada também em ser fornecedora oficial da Copa do Mundo 2014. Marie-Therese Huppertz, da SAP, cobrou boa vontade com o setor de tecnologia da informação, e apontou que vai dobrar o número de empregados no País. Há dentro da BDI um braço exclusivamente voltado para companhias com alguma participação ou interesse no mercado brasileiro (o BDI Brazil Board), e o chairman dessa divisão é Stephan Borchert, que inquiriu abertamente Temer sobre as razões para uma carga de impostos tão pesada.

Borchert, num misto de ousadia e desconhecimento sobre a aprovação de leis internas, chegou a estabelecer que o governo Dilma praticasse taxas da ordem de 4% no máximo. Coube ao ex-ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, e a responsável pela caravana, João Doria Jr., retrucar apontando que a democracia brasileira conta com um Congresso independente responsável pela deliberação sobre esses assuntos. “Acho que com essa ladainha eles perderam uma excelente oportunidade”, comentou Furlan. Mas não apenas queixas marcaram o convescote com Temer. Markus Bangen, da Duisport Group, que administra o maior porto da Alemanha, apresentou soluções de logística e disse ter um estudo para triplicar a estrutura de transporte na região do Porto de Santos.

O CEO da Business Association for Latin America (LAV), Christoph Schmitt, ressaltou o poder das associações e falou em possibilidades de joint-ventures de pequenas e médias empresas para a atuação em diversas áreas nos dois países. “A indústria alemã é caracterizada pelo termo associação e devemos buscá-las”, afirmou Schmitt. O Brasil já é o principal parceiro alemão na América Latina. Nos últimos anos, segundo relatório do Ministério do Desenvolvimento, o país europeu foi o quinto maior importador de produtos brasileiros e o quarto maior exportador para cá. Os negócios estão em franca expansão nesse corredor. Há pouco tempo a companhia aérea Lufthansa comprou as primeiras aeronaves da Embraer.

No fluxo contrário, minério de ferro, café, soja e grãos em geral converteram-se nos mais rentáveis itens da pauta de mercadorias vendidas ali. A balança comercial entre os dois países superou a casa dos US$ 24,3 bilhões anuais, mas ainda está aquém do potencial. O Brasil nem sequer figura na lista dos dez maiores parceiros da Alemanha, algo que pode ser revertido com o interesse de Merkel em se aproximar dos emergentes para vencer seu maior desafio, que é salvar a Europa. Com as comemorações do Ano Brasil-Alemanha em 2013 há grandes chances de essa aliança no campo comercial, tecnológico e político se estreitar e Temer se engajar pessoalmente no assunto. O pacificador, que mostrou talento como caixeiro-viajante dos interesses brasileiros, pode assim elevar as relações bilaterais a um novo patamar.

 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


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