A vinda do cadastro positivo pode permitir a redução de até 30% dos juros cobrados no varejo.
Poucas pessoas perceberam, mas, no dia 20 de dezembro do ano passado, teve início uma revolução silenciosa na maneira de emprestar dinheiro no Brasil. Após dois anos de tramitações, o Conselho Monetário Nacional (CMN) regulamentou a aplicação do cadastro positivo, um serviço que promete valorizar os bons pagadores e, por tabela, reduzir os juros cobrados em empréstimos. Imediatamente após a decisão do CMN, a empresa paulista de avaliação de risco de crédito Boa Vista Serviços fechou acordos com as redes de varejo Riachuelo e Casas Bahia. Vai, assim, colocar em prática os sistemas de identificação dos consumidores que pagam suas faturas em dia.
“Essas redes vão facilitar a adesão de clientes”, diz Dorival Dourado, presidente da Boa Vista. Pelos acordos firmados, os clientes serão incentivados a aderir ao novo cadastro, que é voluntário, o que permitirá à Boa Vista consultar seus dados financeiros e avaliar seu risco de crédito. A decisão fez o Brasil deixar de ser o único país da América Latina sem o cadastro positivo. Até o fim do ano passado, a única ferramenta do varejo era o cadastro negativo, que identificava quando um cliente não pagava ou atrasava as parcelas de seu financiamento. Os executivos do varejo avaliam que o impacto dessa mudança será profundo.
A Midway Financeira, ligada à rede de lojas Riachuelo, é uma das maiores emissoras de cartões de crédito com marca própria. Segundo José Antonio Rodrigues, diretor de crédito, a Midway empresta regularmente R$ 1 bilhão a seus 23 milhões de clientes. A taxa de inadimplência, calculada após 180 dias de atraso, é de 7,5% desse total, uma perda elevada e de difícil recuperação. “Nossa prestação média é baixa, cerca de R$ 30”, diz Rodrigues. “Cobrar um cliente em atraso não compensa, pois só o envio de uma carta de cobrança pelo correio custa R$ 1.” Para contrabalançar essas perdas, a financeira cobra taxas de juros salgadas, de 6,9% ao mês.
A adoção do cadastro positivo poderá reduzir esse percentual em até 30%, baixando a taxa para 4,8% ao mês. Está longe de ser um percentual baixo, mas, em termos anuais, representa baixar os juros de 122,7% ao ano para 75,5% ao ano. Apesar de a Midway ser uma empresa verticalizada, que usa sistemas, atendentes, processadora de cartões e capital próprios, o executivo garante que a redução nos juros será bem-vinda. “O que me interessa como varejista é lucrar vendendo mercadoria, e não ganhar cobrando juros”, diz ele. Ao reduzir as taxas, avalia, o cliente de baixa renda terá mais dinheiro no bolso para comprar.
Rodrigues não comenta sobre as margens de lucro nas vendas, mas quem conhece o varejo, especialmente lojas concentradas no vestuário, como a Riachuelo, calcula que elas chegam facilmente a 150% sobre o custo dos produtos vendidos. Na ponta do lápis, vender produtos é mais rentável do que cobrar dívidas atrasadas. Esses sistemas ainda vão levar de dois a três anos para estar operando a plena carga. Para evitar o uso indevido dos dados, a adesão será voluntária: indivíduos e empresas terão de autorizar formalmente as empresas de análise de dados a vasculharem seus nomes.
Também há algumas proteções. O cadastro vai considerar atrasos em prestações de lojas, em financiamentos bancários e nas contas de luz, água, gás e telefonia fixa, mas não na telefonia celular, fonte de diversas reclamações. “O cadastro positivo não vai derrubar significativamente algumas taxas, como a do cheque especial e a do empréstimo rotativo no cartão de crédito”, diz Dourado. “No entanto, ele vai permitir que os bancos e o varejo concedam empréstimos mais baratos e de maior valor para os novos clientes que surgiram recentemente, com a ascensão da classe média.”
Veículo: Revista Isto É Dinheiro