Acordo comercial

Leia em 7min 20s

O Bloco do eu sozinho

Vem aí o maior acordo comercial do mundo: um superbloco formado por Estados Unidos e União Europeia. Solução para fortalecer a economia dos países ricos, o acordo deixa em evidência a falta de estratégia do Brasil para o comércio exterior.

Por Carla JIMENEZ e Denize BACOCCINA

Enquanto os brasileiros aproveitavam o samba no último dia de Carnaval, na terça-feira 12, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se apresentava ao mundo num ritmo bem diferente. Otimista com os sinais de retomada da economia americana, Obama usou o tradicional discurso sobre o estado da União, feito no Congresso, em Washington, para dar uma prévia do que pode ser um golpe de mestre para o comércio mundial e uma saída para a crise dos países ricos. “Esta noite anuncio que iniciaremos discussões sobre uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento com a União Europeia”, disse Obama. “Porque comércio livre e justo através do Atlântico daria sustentação a milhões de empregos americanos.”
 
No dia seguinte, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, mostrou empolgação com a nova estratégia da Casa Branca. “O acordo será um verdadeiro motor para nossas economias”, afirmou. O Brasil precisa abrir o olho a essa notícia. As duas potências, que somam 800 milhões de habitantes e um PIB de US$ 31,8 trilhões, vão sentar-se para negociar uma ideia aventada há mais de meio século, na criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – uma resposta dos Estados Unidos, Canadá e europeus ao bloco comunista, durante a Guerra Fria. Naquela época, vislumbrava-se que o passo seguinte ao acordo militar seria a ampliação do comércio.
 
As culturas econômicas diferentes e a prevalência dos interesses nacionais e regionais, porém, esfriaram as intenções com o passar dos anos. Agora, os aliados têm novamente um inimigo em comum: a recessão da União Europeia, cuja economia teve uma contração de 0,5% no ano passado, e a necessidade premente de recuperar o antigo vigor da economia americana, que já está em crescimento (leia reportagem aqui). Obama e os líderes europeus pretendem se acertar até o fim de 2014. Se tiverem sucesso, em 2015 eles poderão ampliar em € 150 bilhões o fluxo comercial, hoje de quase meio trilhão de euros. A novidade deixa em evidência a falta de estratégia do Brasil no mercado externo.
 
O País se fechou numa política equivocada, privilegiando a parceria com a problemática Argentina, por exemplo. As barreiras erguidas pela presidenta Cristina Kirchner derrubaram o saldo comercial de US$ 5,8 bilhões a favor do Brasil, em 2011, para menos de US$ 2 bilhões no ano passado. As perspectivas para este ano são ainda piores. Atrelado ao Mercosul, o País tem demonstrado uma ambição limitada de ampliar os horizontes do comércio exterior, algo que não condiz com o status de sétima economia do planeta. A única “ousadia” brasileira em sua política externa nos últimos anos foi liderar a pressão para que a também problemática Venezuela fosse aceita no bloco sul-americano, no ano passado.
 
Afora os acordos bilaterais com economias pequenas, como Israel, Palestina e Egito, de 2008, o Brasil está paralisado há quatro anos nessa área. “O anúncio do tratado transatlântico nos coloca em situação delicada”, alerta o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Podere­mos perder vantagens tarifárias com a UE e até aumentar nosso isolamento diante de novos blocos.” As exportações brasileiras, que hoje padecem a falta de uma política de competitividade, podem perder ainda mais espaço. “Por que negociar com a Argentina, em vez de buscar aproximação com a União Europeia e os Estados Unidos?”, indaga Barbosa.
 
A ambição de integrar zonas de livre comércio está longe de ser privilégio das nações mais ricas. No último dia 27, Colômbia, México, Chile e Peru firmaram a aliança do Pacífico, que prevê tarifa zero para 90% dos produtos comercializados entre eles, a partir de março. Chile e Peru, inclusive, também negociam com os Estados Unidos a adesão ao Acordo Comercial Transpacífico, que reúne nove países dos dois lados do oceano e promete dinamizar o comércio com a Ásia. Os dois países latinos também já fecharam acordos com a China, buscando rotas de saída para um mundo cada vez mais protecionista. O Brasil, porém, está ausente de negociações do gênero, fechado apenas dentro do Mercosul, para onde suas exportações caíram no ano passado.
 
“Estamos sem iniciativas de peso em comércio exterior há uma década, e os poucos acordos que fizemos têm alcance mínimo”, afirma o embaixador Sérgio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento. A falta de sintonia brasileira com o resto do mundo tem deixado as indústrias do País de fora das cadeias produtivas globais. “Hoje o Brasil atrai investimentos para atender ao mercado interno, principalmente na área de serviços”, diz Barbosa. “Mas para integrar cadeias produtivas precisamos negociar com outros blocos regras que hoje o Brasil não quer aceitar.” Sem uma política de longo prazo para tratar do comércio exterior, o País tende a recuar ao velho status de nação essencialmente agrícola, desperdiçando o potencial de uma indústria diversificada pela falta de visão estratégica.
 
O novo tratado euroamericano, porém, poderá ser o choque de realidade que o País precisa para tomar posições mais firmes. “Isso pode fazer o Brasil acordar para o mundo”, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O governo Dilma, no entanto, não dá sinais de que irá mudar o rumo equivocado trilhado pelo governo Lula, que privilegiou as relações Sul-Sul em detrimento dos ricos parceiros do Hemisfério Norte. Na semana passada, o ministro do Desenvolvi­mento, Fernando Pimentel, manteve silêncio sobre o novo superbloco. E o Itamaraty, responsável pela negociação de acordos de comércio exterior, diz apenas que está avaliando a situação.
 
“Temos de esperar os termos do acordo para mapear os possíveis impactos”, diz o ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota. “Precisamos saber se o setor de serviços estará incluído no acordo.” Nesse caso, haveria riscos para empresas brasileiras do setor bancário, de engenharia, publicidade e arquitetura. “Com um acordo do gênero, o campo poderia se fechar para as empresas brasileiras”, diz Patriota. Mais do que isso, se as negociações anunciadas por Obama forem bem-sucedidas, os Estados Unidos podem vir a ganhar preferência como exportador de commodities agrícolas para o mercado europeu, o que atingiria diretamente o Brasil.
 
“A União Europeia é um grande mercado para as commodities brasileiras”, afirma o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). No ano passado, o País exportou US$ 48,8 bilhões para a Europa, dos quais US$ 24,3 bilhões em produtos básicos, principalmente bens agrícolas. Ao todo, o mercado europeu foi destino de 20% das exportações brasileiras – nos anos 1990, esse total era superior a 30%. Ricupero pondera que o anúncio oficial do acordo está longe de ser uma garantia de que europeus e americanos serão capazes de superar suas diferenças. “A Europa vive um problema de competitividade, principalmente dos países ao sul, como Grécia e Itália”, diz.
 
Há sérias diferenças na área ambiental, nas regras financeiras e até mesmo nas políticas cambiais. Obama precisará do apoio do Congresso para levar o projeto adiante. Ricupero avalia que não se pode subestimar essas barreiras, nem assumir que o novo acordo é uma panaceia para a crise global. “É mais uma sinalização de que a liberalização do comércio é uma alternativa neste momento de crise em que o mundo ficou mais protecionista.” Na semana passada, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o primeiro-ministro britânico, David Cameron, manifestaram apoio à criação do superbloco. O especialista em relações internacionais Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas, de Washington, entende que a ênfase dada pelos líderes ao anúncio do namoro marca uma mudança de postura fundamental.
 
“Essa negociação levará alguns anos para ganhar a forma final. Os efeitos, porém, podem ser vertiginosos para os dois lados”, afirma. Outros países deverão se beneficiar, incluindo o Brasil, se buscarem um caminho para negociar com as novas potências, afirma. O problema é que o País já perdeu diversas oportunidades de pensar grande nesse assunto. Segundo uma autoridade próxima ao Planalto, o anúncio de Obama foi visto como uma reação do mundo desenvolvido ao crescimento acelerado dos países emergentes – principalmente a China. “É legítimo que economias maduras queiram se proteger”, afirma. Na verdade, é o Brasil que precisa se proteger de si mesmo, e de suas velhas receitas que têm trazido pouco ou nenhum benefício para o setor produtivo.
 

Veículo: Revista Isto É Dinheiro


Veja também

Indicadores devem registrar menores preços em fevereiro

Os preços de fevereiro devem ficar mais baixos que os registrados em janeiro. Segundo especialistas consultados p...

Veja mais
BC insiste que juro não sobe, mas mercado mantém aposta na alta

Presidente do Banco Central nega riscos de descontrole inflacionário e diz que estratégia de manter a Seli...

Veja mais
A inflação em crescimento deve afetar o comércio

Entre 2011 e 2012, as vendas do varejo cresceram 8,4%, excluídos veículos, peças e materiais de con...

Veja mais
Governo vai complementar renda de quem vive em extrema pobreza

Medida vai tirar da miséria 2,5 milhões de brasileiros A presidente Dilma Rousseff anuncia nesta ter&...

Veja mais
Feriados nacionais e estaduais podem gerar prejuízos de R$ 42,2 bilhões à indústria

Apenas seis estados, entre eles Pernambuco, não terão feriado estadual em dia de semana. Nestes, perdas po...

Veja mais
IPC semanal reforça sinais de recuo da inflação

As expectativas do mercado para a inflação de fevereiro pioraram, apesar do recuo observado nos índ...

Veja mais
Analistas projetam alta de 0,8% nas vendas do varejo

Mesmo com a expectativa de desempenho mais modesto do setor de supermercados, analistas projetam aceleraçã...

Veja mais
Planalto lidera mudanças em estratégias de abastecimento

Com um orçamento de R$ 5,5 bilhões disponível para 2013, o governo decidiu ampliar o combate &agrav...

Veja mais
Estados reivindicam ICMS diferenciado

As bancadas dos estados das regiões menos desenvolvidas -norte, nordeste e centro-oeste do País- vã...

Veja mais