Consumo dos países do Bric não deverá salvar o mundo

Leia em 5min 10s

Desconsidere o que você possa ter ouvido falar sobre como os consumidores que habitam os quatro grandes países emergentes - Brasil, Rússia, Índia e China - vão salvar da recessão os países desenvolvidos do mundo. Isso não vai acontecer. E, o pior, seus programas para estimular o consumo interno são inúteis e podem ter efeitos adversos para eles mesmos.

 

O grupo de quatro países, conhecido como Bric, por suas iniciais, fez grandes avanços ao longo da última década. Mesmo assim, ao contrário do que seus dirigentes e alguns de seus economistas dizem, o poder de compra dos consumidores desses países continua sendo limitado demais para fazer frente à atual desaceleração da economia mundial.

 

Jim O''Neill, economista-chefe do Goldman Sachs Group Inc, lotado em Londres, que cunhou a sigla Bric, disse recentemente: "O consumidor dos países do Bric vai salvar o mundo." O comentário me lembrou de outros especialistas que previram que as economias emergentes se "descolariam" das problemáticas economias dos países desenvolvidos e manteriam seu crescimento acelerado.

 

Enquanto Estados Unidos, União Européia (UE), e Japão são responsáveis por 66% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, Brasil, Rússia, Índia e China respondem por apenas 12%, segundo dados de 2007 da ONU.

 

Em outras palavras, se as três economias mais avançadas do mundo sofrerem uma contração de, digamos, 2% no ano que vem e todos os outros países não-pertencentes ao grupo dos Bric tiverem crescimento zero, os quatro países do Bric terão de crescer ao ritmo pouco realista de 11% em 2009 para evitar uma recessão mundial.

 

A idéia de que os consumidores do Bric salvarão o mundo parece ainda mais distante da realidade em vista do fato de o consumo das famílias dos países do Bric representar apenas 10% do consumo mundial, enquanto que nos EUA, UE e Japão ele responde por 68% da demanda mundial.

 

Em novembro o Fundo Monetário Internacional (FMI) baixou suas projeções para o crescimento mundial de 2009 para 2,2%. As economias avançadas sofrerão uma contração de 0,3%, o primeiro declínio anual do pós-guerra, segundo a organização.

 

A expansão das economias emergentes deverá cair para 5,1% em 2009, em relação aos quase 7% de 2008, disse o FMI. Em janeiro a instituição vai divulgar seu Panorama Econômico Mundial trimestral e é provável que faça outra correção, para baixo, das projeções de crescimento mundial.

 

Dominique Strauss-Kahn, diretor do FMI, disse recentemente que "a China deverá crescer em 5 ou 6 por cento", taxa inferior à prevista oficialmente pela organização, de 8,5%.

 

Se os consumidores do Bric não conseguem salvar o mundo de uma recessão e se suas economias não conseguem se descolar de uma recessão mundial, será que faz sentido para esses países aumentar os gastos governamentais agora para enfrentar maiores restrições fiscais mais tarde?

 

Depois do colapso do Lehman Brothers, em setembro, e da queda vertical dos mercados financeiros mundiais, os dirigentes do mundo emergente criticaram os das economias mais avançadas por passar a última década intrometendo-se na vida dos outros países, em vez de regulamentar seus próprios mercados para evitar um estouro tão caótico quanto foi o da bolha do mercado imobiliário.

 

Agora, três meses depois, as quatro maiores economias emergentes estão, novamente, seguindo entusiasticamente as orientações de alguns dirigentes e organizações que tinham criticado.

 

Atraídos pela idéia de que seus consumidores podem salvar o mundo - e insensíveis à eventualidade de que as pessoas que a defendem podem estar equivocadas -, os dirigentes dos países do Bric decidiram aumentar os gastos governamentais para desencadear um crescimento mais acelerado. Mas nem todos eles podem se dar ao luxo de adotar essa medida.

 

O aumento dos gastos públicos não é uma receita econômica tão boa para as economias emergentes quanto para as economias avançadas, por dois motivos.

 

Em primeiro lugar, os investidores criam maior aversão ao risco durante as crises econômicas, preferindo os bônus dos governos dos mercados mais desenvolvidos aos papéis semelhantes emitidos pelos países emergentes. Essa fuga em busca da qualidade leva os países do Bric a pagar juros mais elevados sobre seus papéis já em circulação, bem como sobre os títulos futuros, que terão de lançar para financiar o aumento de seus gastos.

 

Em segundo lugar, as economias emergentes precisam do dinheiro externo para financiar seu crescimento. Quando os investidores estão nervosos, querem dólares, euros e ienes, e não reais ou iuanes. Toda vez que isso acontece, as moedas dos países emergentes tendem a perder valor, o que alimenta a inflação e aumenta o volume da dívida externa a ser honrada pelo mundo emergente.

 

Moral da história: embora a atual crise, a pior desde 1929, tenha nascido nos Estados Unidos, os investidores continuam a preferir bônus do Tesouro dos EUA e dólares, o que torna mais fácil para os EUA, e não para qualquer país do Bric, financiar os gastos do governo a fim de estimular a expansão. Indiferentes a isso, os países do Bric continuam a seguir zelosamente o conselho do FMI: "A necessidade mais urgente é acelerar com pé de chumbo os gastos públicos."

 

No mês passado a China divulgou um enorme plano de 4 trilhões de iuanes (US$ 586 bilhões) destinado a estimular o consumo interno. A Rússia seguiu seu exemplo com um pacote de estímulo econômico de US$ 20 bilhões. A Índia prometeu gastar 200 bilhões de rúpias (US$ 4 bilhões) para sustentar a economia. O Brasil aderiu ao movimento do estímulo fiscal na semana passada, com 8,4 bilhões de reais (US$ 3,6 bilhões) em renúncia fiscal.

 

Desta vez, quando os dirigentes dos países do Bric perceberem que o aumento de seus gastos não evitará a instauração de uma recessão mundial, mas, ao contrário, apenas dificultará o pagamento de sua dívida, eles não terão a quem responsabilizar, a não ser a si mesmos.

 

Veículo: Gazeta Mercantil


Veja também

Cartões devem desacelerar crescimento em 2009

A desaceleração da economia doméstica impactará no desempenho do setor de cartões, qu...

Veja mais
Arrecadação de impostos deve ter alta pequena em 2009, dizem analistas

A queda das receitas em novembro deixou claro que a crise atingiu a arrecadação federal, indicando que os ...

Veja mais
O que está tirando o sono dos presidentes

Existem três temas principais que estão tirando o sono dos presidentes de empresas brasileiras neste fim de...

Veja mais
Faturamento do varejo tem queda de 6,8% em outubro

O comércio varejista da região metropolitana de São Paulo apresentou em outubro queda no faturament...

Veja mais
Mercosul não chega a consenso sobre o fim da dupla tributação

Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai não conseguiram concluir as negociações para eliminar a dupla...

Veja mais
Inflação deve resistir ao câmbio mesmo com fim dos estoques

A forte desvalorização do câmbio desponta como a única ameaça de pressão inflac...

Veja mais
Serra lança pacote de estímulo à economia

O governo de São Paulo lançou, na última sexta-feira, um pacote de medidas tributárias volta...

Veja mais
Para Receita, PIS e Cofins serão vitais em 2009

As contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Soc...

Veja mais
Custo do trabalho já supera produtividade

A queda na produção industrial em outubro foi superior à desaceleração dos custos com...

Veja mais