Inflação em 12 meses rompe o teto da meta ao atingir 6,59%, e Planalto vê necessidade de BC reforçar sua credibilidade
Governo observa pontos positivos no IPCA de março, mas resultado não é visto como 'alívio', principalmente pelo BC
O Planalto já trabalha com a possibilidade de o Banco Central elevar os juros na próxima semana, apesar de fazer uma avaliação positiva da inflação oficial de março.
No mês passado, o IPCA avançou 0,47%, ante 0,60% em fevereiro.
Mesmo com o rompimento do teto da meta --o IPCA em 12 meses atingiu 6,59%--, assessores presidenciais ponderam que o BC poderia esperar mais para decidir se sobe o juro diante de sinais de que a inflação deve seguir em queda.
Dois motivos, porém, indicam que a alta da Selic pode acontecer já na reunião do Copom da semana que vem.
Em primeiro lugar, o BC precisa reforçar a credibilidade de seu discurso, que passou a sinalizar preocupação com a inflação desde janeiro.
A diretoria do BC também tem que mostrar que não é mais possível conviver com uma inflação rondando o teto da meta, de 6,5%, sob risco de estimular uma onda forte de indexação da economia.
Na avaliação de auxiliares de Dilma, o BC pode decidir agir imediatamente mais para, no curto prazo, influenciar na formação das expectativas sobre a inflação. O efeito de médio prazo seria garantir que o IPCA se distancie dos 6%, iniciando trajetória mais consistente na direção do centro da meta, de 4,5%.
PONTOS POSITIVOS
Na visão da equipe econômica, além da alta mais moderada do que em fevereiro, os preços dos serviços recuaram em março e o índice de difusão (o percentual de itens que encareceram) caiu de 72,3% para 69,04%.
Ainda assim, o resultado não foi visto como "alívio", principalmente por parte do BC. A queda está num ritmo menor que o desejado e isso motivou a mudança de discurso do banco, sinalizando maior preocupação com a inflação e possível alta no juro.
A previsão inicial, contudo, era que o banco iria analisar uma alta nos juros em maio, e não neste mês.
As apostas no governo mudaram de rumo depois das declarações de Dilma na África do Sul, quando ela disse ser contra medidas de combate à inflação que afetem o crescimento da economia.
O episódio prejudicou o trabalho de recuperação de credibilidade do BC, o que pode levar, segundo esses assessores, a um aumento imediato dos juros.
A expectativa é que a taxa, em 7,25% ao ano, sofra ajustes moderados e possa ter quatro aumentos de 0,25 ponto percentual até dezembro.
Dilma determinou que só o BC fala sobre os juros. Ontem, Guido Mantega (Fazenda) já foi nessa linha. "Juros são responsabilidade do BC."
O ministro disse que o governo "não poupará medidas para conter a inflação e impedir que ela se propague".
Sem governo, meta teria sido furada em julho, diz analista
Estimativas mostram que, sem redução de preço por desoneração tributária, índice estaria mais elevado
Índice oficial teria chegado a 8,49% em março, diz MCM; resultado indica inflação real alta
MARIANA CARNEIRO ÉRICA FRAGA DE SÃO PAULO ÉRICA FRAGA DE SÃO PAULO
Não fossem as desonerações de impostos, promovidas pelo governo em setores e produtos selecionados, a inflação já estaria acima do limite estipulado pelo governo (6,5%) desde julho de 2012.
A estimativa, feita pelo economista Fernando Genta, da consultoria econômica MCM, sugere que a recente aceleração da inflação poderia ser mais forte do que mostra o indicador oficial.
Nesse cálculo, o economista expurgou preços de produtos que recuaram graças à ação do governo, com efeitos considerados temporários sobre a inflação, como veículos, móveis e eletrodomésticos (que tiveram IPI reduzido), além da gasolina e do álcool, cuja Cide (Contribuição sobre Intervenção do Domínio Econômico) está zerada, porém não foi abolida pelo governo.
Em 2013, também foi excluída a energia elétrica, que registrou deflação graças à revisão de contratos promovida pelo governo.
"Como esses choques têm efeito temporário sobre a inflação, a tentativa de filtrar a tendência inflacionária é útil para termos uma real dimensão do comportamento de preços", diz Genta.
Sem essas medidas, o IPCA teria atingido 8,49% nos 12 meses encerrados em março, afirma Genta.
Conta do economista José Márcio Camargo indica a mesma tendência de estouro da meta, embora tenha chegado a número menor: IPCA de 7,38% em fevereiro.
A diferença pode ser em parte explicada porque Camargo considerou em seu cálculo tanto o efeito de tributos que foram cortados e puxaram o IPCA para baixo como o impacto dos que tiveram alta (caso dos tributos sobre cigarros e bebidas).
INFLAÇÃO ELEVADA
Independentemente da diferença nos cálculos, a conclusão é parecida: os resultados indicam que a inflação está muito elevada.
"As medidas reduziram o índice que mede a inflação, mas não mexeram em nada na inflação em si, que é uma tendência de alta generalizada de preços", diz Camargo, professor da PUC-Rio e sócio da Opus Investimentos.
"Esse efeito tende a se esgotar se as causas de pressão sobre a inflação não forem controladas", diz Alexandre Schwartsman, sócio da Schwartsman & Associados.
Para Camargo, existe o risco de que as medidas tenham, no médio prazo, o efeito inverso, provocando pressões inflacionárias.
Ele exemplifica: os recursos que consumidores passam a poupar, por exemplo, com a redução da energia podem ser usados para o consumo de outros bens e serviços, pressionando os preços.
Alimentação deverá trazer alívio nos próximos meses
Em junho de 2012, a variação acumulada em 12 meses do IPCA foi de 4,9% --o valor mais baixo desde meados de 2010. Não obstante, nos 12 meses findos em março de 2013, essa alta já chegou a 6,6%, superando ligeiramente o teto da meta (de 6,5%).
Chama a atenção a influência do grupo alimentação e bebidas: a alta acumulada em 12 meses passou de 7,3% em junho de 2012 para 13,5% em março --ritmo mais intenso desde meados de 2008. Excluindo tal grupo, o IPCA teria passado de alta de 4,2% em junho para 4,5% agora.
Por trás desse repique estão os reflexos combinados de dois fatores:
1) o choque de oferta adverso observado em 2012 em grandes produtores e exportadores de soja e milho: o PIB agropecuário dos EUA recuou cerca de 2%, o do Brasil, 2,3%, e o da Argentina, mais de 11%.
No Brasil, as adversidades climáticas afetaram as safras de produtos com peso no consumo doméstico: houve recuos de 16% do arroz, 18% do feijão e 4% da mandioca.
2) a depreciação cambial de quase 17% observada em 2012, boa parte dela no segundo semestre, que acentuou a alta dos preços internacionais das commodities agrícolas. Se o R$/US$ seguisse seus fundamentos, teria fechado 2012 na faixa de 1,80 a 1,90 (e não quase em 2,10).
Mas o cenário para os próximos meses deverá ser de descompressão relevante. A perspectiva é de safra recorde no mundo e no Brasil --o PIB agropecuário deverá ter expansão de 6,5% em 2013.
Tal perspectiva, combinada à valorização do R$/US$ para algo entre 1,95 e 2,00, já gerou uma forte queda dos preços agrícolas no atacado, alívio que deverá começar a ser repassado para o varejo neste segundo trimestre.
Nesse quadro, o IPCA deverá fechar 2013 com alta na faixa de 5% a 5,5%.
Mas o BC terá que elevar os juros moderadamente para mitigar o repasse dessas pressões em alimentos para os demais preços e assegurar um IPCA nesse intervalo também em 2014.
Índice em 12 meses é o mais alto desde novembro de 2011
O governo abriu de mão de receita com desoneração da cesta básica, prorrogação do IPI reduzido para veículos e corte das tarifas de energia, mas isso não impediu alta de 6,59% do IPCA no índice acumulado em 12 meses, maior taxa desde novembro de 2011.
Em março, o índice desacelerou para 0,47% --abaixo do 0,60% de fevereiro. Fechou o trimestre, porém, em 1,94%, maior patamar desde igual período de 2011.
A estratégia --que incluiu ainda segurar reajustes da gasolina (com ônus para a Petrobras) e adiar aumentos de ônibus-- atenuou a inflação, mas não afasta por completo o risco de estouro da meta, dizem especialistas.
Sozinha, a redução de 18% da tarifa de energia, por exemplo, excluiu mais de um terço da inflação registrada no primeiro trimestre.
Analistas estimam que, articulados, Fazenda e BC lancem mão de novas medidas para conter os preços --o que se tornou mais importante do que estimular a economia.
Em parte, a culpa do repique é de quebras de safra aqui e no exterior, que turbinaram os preços dos alimentos no primeiro trimestre --alta de 4,64%. Mas analistas dizem que, se o consumo e o mercado de trabalho não estivessem aquecidos, esses e outros reajustes (como os de serviços) não chegariam tão fortes ao consumidor.
A desaceleração da inflação em março dividiu o mercado. Parte acha isso pode levar o BC a não elevar juros agora. Outra fatia espera aumento da Selic já em abril.
No segundo trimestre, os alimentos devem ceder com o clima mais favorável. Para abril, a desoneração da cesta básica deve chegar de modo mais claro ao consumidor, ajudando a conter a inflação.
Em março, alguns produtos, como arroz, açúcar e carnes, já tiveram queda.
Sem novos sobressaltos ou agravamento da crise externa, analistas estimam um IPCA de 5,7% ao final do ano, graças à política de administração dos preços.
Veículo: Folha de S.Paulo