Comércio de comida e bebidas registra primeira queda desde março de 2009
Outros ramos que recuaram foram móveis, veículos e eletrodomésticos, além de combustíveis
Os preços mais salgados de alimentos afastaram os consumidores das gôndolas dos supermercados. As vendas do setor tiveram a maior queda em nove anos e levaram à retração do comércio varejista como um todo em fevereiro.
Apesar do emprego e do rendimento ainda em expansão, as vendas de alimentos e bebidas caíram 2,1% em fevereiro na comparação com o mesmo mês de 2012.
Foi a primeira redução desde março 2009 e a mais intensa desde novembro de 2003, quando o país vivia uma crise cambial e de confiança.
Em relação a janeiro, a perda foi de 1%, segundo o IBGE.
O comércio, que matinha bons resultados graças ao dinamismo do mercado de trabalho, sentiu a corrosão do poder de compra com a forte alta dos alimentos e recuou 0,4% ante janeiro e 0,2% em relação a fevereiro de 2012 --primeiro resultado negativo desde novembro de 2003.
"Devido à subida de preços, acreditamos que haja uma freada da demanda das famílias por alimentos", diz Aleciana Gusmão, do IBGE.
FRETES MAIS CAROS
Com peso de 45% na pesquisa do IBGE, o setor de alimentos e bebidas determinou a retração do varejo. Outros ramos que recuaram foram os de combustíveis, móveis e eletrodomésticos e veículos --os dois últimos em resposta à expectativa da redução gradual do desconto do IPI, que acabou prorrogado.
Segundo Gusmão, o reajuste dos combustíveis também pesou nos alimentos. É que os fretes ficaram mais caros, e os alimentos, por serem transportados em grande quantidade e muitas vezes em longas distâncias, sentiram mais o impacto.
Os dados de fevereiro do comércio são um primeiro sinal de arrefecimento do consumo e vieram na contramão das expectativas do mercado.
Em dezembro, a queda das vendas também já havia surpreendido, mas houve uma retomada em janeiro.
Os preços de alimentos ainda em alta em março podem levar a uma nova retração do varejo de alimentos, segundo especialistas.
"É possível afirmar que a desaceleração do varejo em fevereiro é, ao menos em parte, explicada pela corrosão da inflação", diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista do banco Fator.
Para a consultoria LCA, a freada do comércio reflete a perda de ritmo das contratações formais e da remuneração --e, claro, a alta dos preços dos alimentos.
Já Aurélio Bicalho, do Itaú, não vê a queda "como uma tendência" nem crê que ela vá afetar os dados do PIB do primeiro trimestre.
Análise varejo
Queda nas vendas mostra que é preciso ampliar investimento
Dados do comércio indicam que consumo apresenta sinais de esgotamento
A desaceleração das vendas demonstra que não é prudente depender quase que exclusivamente do consumo das famílias para alavancar o PIB
Os dados da pesquisa mensal do comércio divulgados ontem pelo IBGE oferecem algumas informações relevantes para a análise da conjuntura econômica brasileira.
Inicialmente, é importante ressaltar que o comportamento das vendas do varejo continua a explicitar a importância do consumo das famílias para o crescimento da economia brasileira.
No acumulado dos últimos 12 meses que se encerraram em fevereiro, observa-se que as vendas no varejo cresceram 7,4%. Essa é uma taxa expressiva, sobretudo quando comparada com o baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 2012.
Vale lembrar que as baixas taxas de desemprego e o maior rendimento real das famílias brasileiras têm sido os principais determinantes do desempenho expressivo do comércio.
As melhores condições de acesso ao crédito e a desoneração do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) em vários segmentos também estão contribuindo para a manutenção da alta demanda por bens de consumo duráveis.
Apesar do vigor acumulado no passado recente, pode-se perceber que esse crescimento nas vendas parece dar sinais de esgotamento.
Os dados de fevereiro mostram uma retração de 0,4% na comparação com janeiro de 2013. Praticamente todos os ramos do comércio tiveram desempenho negativo nesse período, o que pode apontar uma tendência de desaceleração das vendas no comércio varejista.
IMPLICAÇÕES
Tal desaceleração tem, por sua vez, duas outras implicações para a economia brasileira e, principalmente, para a condução da política econômica por parte do governo.
Em primeiro lugar, a desaceleração da demanda pode contribuir para reduzir as pressões inflacionárias que rondam a economia brasileira. Vendas menores no varejo poderão ajudar a segurar a alta de preços nos mercados de consumo final.
Aliás, os dados do IPCA (principal índice de inflação) divulgados nesta semana já parecem apontar para essa direção.
A alta de 0,47% do índice em março mostra que houve um recuo na aceleração dos preços, em especial se os alimentos forem expurgados do cálculo do IPCA.
Em segundo lugar, a desaceleração das vendas demonstra que não é prudente continuar a depender quase que exclusivamente do consumo das famílias para alavancar a taxa de crescimento do PIB.
Sem a necessária elevação da taxa de investimento, não será possível escapar da maldição do "pibinho".
Cabe ao governo, portanto, ampliar as políticas de apoio ao investimento.
Maiores taxas de investimento permitirão alavancar o PIB de forma saudável e sustentável, isto é, de uma forma em que a futura retomada das vendas do varejo não contribua para o aumento indesejado da inflação.
Veículo: Folha de S.Paulo