O aumento acelerado dos preços, em especial dos alimentos, preocupa cada vez mais o cidadão – o dono do restaurante, o consumidor – e o próprio governo. O controle da inflação está nas mãos do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), que se reúne amanhã e quarta-feira para decidir se mantém ou aumenta a taxa básica de juros (Selic) – um instrumento tradicional contra a alta dos preços.
Neste início de ano, os vilões das prateleiras foram os hortifrutigranjeiros. Em março, os alimentos contribuíram com 0,28 ponto percentual (p.p.) dos 0,47% de inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Economistas lembram que o aumento de legumes e verduras é recorrente nesta época do ano, por causa de efeitos climáticos. Por isso os aumentos costumam ser grandes e passageiros. É o que aconteceu com o tomate, que subiu 20,17% em fevereiro. Em março, a alta foi menor, de 6,14%. Nos primeiros três meses do ano o aumento foi de 60,9%.
Ao consumidor resta fazer a sua parte para que os aumentos de preços não estourem o orçamento. "O aumento dos preços no último mês indica maior disseminação das altas. E o alimento pesa mais – ou cerca de 30% – no orçamento de famílias de menor poder aquisitivo, que tem renda familiar de quatro a oito salários", explica o presidente do conselho do Programa de Administração do Varejo (Provar), do Instituto Brasileiro de Executivos do Varejo (Ibevar), Claudio Felisoni de Ângelo. Segundo ele, a pesquisa de preços é importante, mas o consumidor deve sempre olhar o custo total da compra, que inclui o deslocamento. "É preciso atenção porque certos ofertas são iscas para o consumidor levar mais", diz.
Pesquisa online
A internet tem sido cada vez mais uma aliada na "jornada" das compras. A dica de economistas e consumidores não é novidade: antes de consumir é preciso pesquisar bem os preços dos produtos no sacolão, supermercados, feiras, mercadinhos e no atacarejo (estabelecimentos que vendem atacado e varejo).
E como ir a tantos lugares toma muito tempo, podendo gerar mais gasto com combustível, a internet é um bom caminho. "Alguns supermercados divulgam as ofertas de produtos nos sites semanalmente", diz o professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV), Samy Dana.
As informações de preços na internet ou em impressos têm sido aliadas para a bancária Renata Leal, de 34 anos, encarregada das compras da casa, onde vive com o marido e a mãe. "Toda semana pesquiso os folhetos online de mercados pequenos para comparar os preços", afirma a bancária, que monitora ao menos sete mercados.
Além disso, no trajeto diário que faz do trabalho, em Santa Cecília (região central), para casa, no Butantã (zona oeste), ela costuma parar em supermercados para pegar os folhetos. Em alguns casos, até compra itens que estão mais em conta. "Uso os folhetos quando vou aos supermercados que prometem, na propaganda, cobrir a diferença do preço da concorrência. Assim, já consegui pagar R$ 30 a menos em uma peça de carne", conta. Renata assume ser fã de supermercados e conhece muitos, dos pequenos que ficam no seu bairro, aos maiores. E, por ser um hobby, ela vai com prazer e com a certeza de que não gasta mais gasolina. "Folheio os encartes como se fossem revistas", brinca.
Recentemente, ela descobriu o atacarejo como uma alternativa para economizar em alguns itens. Hoje, de 25% a 30% da renda mensal – considerando salário e mais benefícios – fica na conta dos alimentos. "Transferi o valor do tíquete refeição para o cartão alimentação, que é aceito em supermercados. Utilizo todo o valor, em várias compras ao longo do mês. Só na feira não dá para usar." Para a bancária, frutas, legumes e verduras não podem faltar e, a despeito do preço do tomate, ela continuou consumindo o produto. "Não substituo produto e sim marcas. O que percebo é que quando pago mais por uma fruta, outro legume teve o preço reduzido. Acaba dando na mesma", diz.
Estoque e economia
O prazer de comprar – a preços menores – também faz Renata formar alguns estoques de itens não perecíveis uma vez ao ano. "Faço isso quando recebo um bônus no cartão de alimentação. Olho sempre a validade e não perco nada." Mas o estoque de alimentos pode ser uma medida exagerada, na opinião da economista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) Ione Amorim. "O correto mesmo é pesquisar e nunca comprar sem olhar antes os preços da concorrência", diz a economista.
Além de pesquisar, outra velha dica é fazer a lista do supermercado antes de sair para não comprar mais do que o planejado. "Recomendamos que o consumidor substitua produtos e marcas, mas com atenção à qualidade do produto e aos valores nutricionais. A mesma atenção deve ser dada aos produtos importados, que por causa das variações cambiais podem estar com preço menor nas gôndolas. É preciso ver se eles atendem às normas sanitárias", explica.
Para a economista, o aumento nos preços de alimentos afeta vários setores. A preocupação com a inflação no supermercado hoje é uma continuação do sentimento que havia em 2011, ano em que o IPCA fechou em 6,5%, no teto da meta. A diferença é que nos 12 meses anteriores a março de 2011 o IPCA foi de 6,30%. No último mês de março, a inflação acumulada em 12 meses foi de 6,59%. Para se ter uma ideia da variação do comportamento dos alimentos neste período, só este grupo teve uma variação de 0,75% em março de 2011 contra 1,14% no mesmo mês deste ano. "É um processo cíclico. Num ano há produção excessiva de alguns produtos da agricultura e, no ano seguinte, o produtor reduz o plantio, vem fatores climáticos e os preços disparam", diz Ione. A verdade é que todo ano tem um "vilão".
O problema, alerta a economista, é a inércia, movimento no qual o preço não retorna ao patamar em que estava antes de um aumento. A diferença deste ano e de 2011, na opinião de Ione, é que a inflação naquela época era resultado de uma economia aquecida, que crescia mesmo com a crise lá fora. Neste ano, por outro lado, o crescimento e o investimento interno são baixos, enquanto o consumo continua crescendo. "A desoneração de produtos da cesta básica ajuda, mas com o passar do tempo o efeito nos preços tende a desaparecer. A indústria não está produzindo na intensidade de antes", avalia.
Enquanto o dragão não é domado, o consumidor tem de recorrer a substituições, comparações e manter uma postura de não aceitar, facilmente, uma alta excessiva de preços. E a não-aceitação já parece ter surtido efeito nos supermercados, que registraram queda nas vendas de 2,1% em fevereiro sobre o mesmo mês do ano passado, segundo o IBGE. É a inflação, que já mexe nos hábitos do consumidor.
Veículo: Diário do Comércio - SP