A perplexidade e frustração geradas pelos resultados decepcionantes do Produto Interno Bruto (PIB) de 2011 e de 2012 têm provocado desde dezembro passado, após a divulgação dos números do terceiro trimestre do ano, o surgimento de uma série de questionamentos técnicos quanto à precisão dos cálculos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Embora no governo haja a preocupação de evitar a impressão de que ele está pressionando seu órgão oficial de estatísticas, uma nota técnica minuciosa apresentada em seminário organizado pelo Ministério da Fazenda, em março, pelo economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, reforçou a convicção de setores governamentais ou ligados a ele de que a atual metodologia do IBGE não está conseguindo captar adequadamente o crescimento do setor de serviços, responsável por 65% do PIB de 2012, provocando o pífio 0,9% de crescimento da economia após o fraco 2,7% de 2011.
A subestimação do PIB também foi um dos assuntos da recente conversa da presidente Dilma Rousseff com três economistas de fora do governo, o ex-ministro Antonio Delfim Netto, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo e o diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, Yoshiaki Nakano.
O coordenador de Contas Nacionais do IBGE, Roberto Olinto, diz que o órgão estatal reconhece a importância recente ganha pelo setor de serviços, tanto que está trabalhando desde 2011 na estruturação de uma Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) que será tornada pública este ano. Ele argumenta, porém, que o subsetor "outros serviços", o mais questionado, representa 22% dos serviços como um todo e 14% do PIB, não tendo, para ele, amplitude para alterar significativamente os números gerais.
Borges, da LCA, sustenta que no fim de 2014, quando o IBGE completar a revisão que está fazendo na metodologia de cálculo do PIB e divulgar os números definitivos do desempenho da economia dos últimos anos, "os resultados dos últimos três anos serão muito diferentes". Em dezembro do ano passado o ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes e o próprio Borges já tinham colocado em dúvida o PIB do terceiro trimestre que acabara de ser divulgado (alta de 0,6% sobre o trimestre anterior, revisto depois para 0,4%).
Entre outros pontos, argumentavam que o cálculo da intermediação financeira, feito com base na diferença entre o custo de captação do dinheiro pelos bancos e o valor pelo qual é emprestado ("spread"), estava subestimando o aumento do crédito no país. A intermediação financeira caíra 1,3% em relação ao trimestre anterior, queda depois revisada para -0,6%.
Atualmente, apenas os resultados do PIB até 2009 são definitivos, com base em pesquisas anuais e em outras fontes detalhadas, como o Imposto de Renda das empresas. Para agilizar as alterações metodológicas e a incorporação de novas recomendações internacionais, o IBGE suspendeu a divulgação das revisões que faz dois anos após divulgar o PIB provisório, calculado com base nos resultados trimestrais. Estão nessa situação os PIBs de 2010 em diante.
Embora o IBGE argumente que historicamente os números das contas trimestrais não divergem substancialmente dos dados das contas anuais no atacado, Borges mostra, por exemplo, que em 2009 o número preliminar da construção civil era uma queda de 6%, reduzida para 0,7% na versão definitiva. O principal alvo das críticas é o uso nas contas trimestrais da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), coletada em seis regiões metropolitanas, para estimar o valor agregado a serviços como publicidade, arquitetura, engenharia e serviços domésticos, entre outros, englobados na rubrica "Outros Serviços" do PIB. A PME seria hoje pouco representativa do emprego no Brasil (cerca de 30% dos ocupados).
Mesmo que o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) só inclua empregos formais, Borges conclui que seus resultados de contratações líquidas divulgados mensalmente são mais fiéis à realidade do que a PME. Sugere que o IBGE passe a utilizá-los a partir da revisão metodológica. Segundo ele, há "uma boa aderência" entre os dados do Caged e o nível de atividade dos serviços.
A partir dessa constatação, calculou que, se os dados do emprego formal fossem usados para calcular o PIB dos serviços, eles seriam, respectivamente, de 5,8%, 3,7% e 4,8% em 2010, 2011 e 2012. São números, especialmente nos dois últimos anos, muito diferentes dos apurados pelo IBGE: 5,5%, 2,7% e 1,7%, na mesma ordem. Dados os novos números dos serviços, o economista da LCA conclui que o PIB total de cada um dos últimos três anos, sempre na mesma ordem, teriam sido de 8% (7,5% pelo IBGE), 2,9% (2,7% no oficial) e novamente 2,9% (0,9% pelo IBGE).
As suspeitas de Borges sobre possível subestimação do PIB ganharam, para ele, consistência quando comparou a evolução recente do PIB com o consumo de energia elétrica. Segundo ele, após mostrar elasticidade (tendência a crescer) em padrão muito próximo ao do PIB (1,1 vez o PIB) de 2004 a 2010, o consumo de energia, centrado em comercial e residencial, descolou em 2011 e 2012, quando cresceu 4,1% e 3,5%, respectivamente, com elasticidade de 1,5 e de 3,9, cálculo feito dividindo o consumo de energia pelo PIB.
Outro economista, Fernando Garcia, da Confederação Nacional dos Serviços, também vê problemas no uso da PME para apurar parte dos serviços no PIB e diz que isso impede qualificar o emprego nas empresas de tecnologia da informação e mensurar a agregação de valor decorrente do trabalho.
Para Garcia a construção civil também está mal apurada nas contas trimestrais, por ser feita com base na produção física dos fornecedores das empresas de construção. Isso, segundo ele, deixa de captar os estoques das empresas e a influência das importações de materiais de construção. Ele sugere uma pesquisa mensal para a construção, da mesma forma que avalia que a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS), que o IBGE deve começar a tornar pública no segundo semestre, deva resolver a maior parte dos problemas.
Borges, que acha possível estar havendo submensuração também da indústria trimestral, por conta da defasagem de seu principal alimentador, a Pesquisa Industrial Mensal-Produção Física (PIM-PF), avalia que o IBGE está trabalhando para resolver os problemas, seja com a chegada da PMS, seja com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) trimestral que começa a ser divulgada ainda este ano (hoje ó existe a anual), seja com a atualização da PIM-PF.
Olinto, do IBGE, diz também que, no geral, não há divergências significativas entre o PIB preliminar (baseado nas contas trimestrais) e o definitivo (que incorpora as pesquisas anuais do IBGE e outros indicadores). Sobre a construção civil, Olinto diz que, ao computar as importações sob a ótica da demanda, o cálculo do PIB resolve o problema.
A última grande atualização dos métodos e pesquisas para o cálculo do PIB anual foi feita em 2007. Nova atualização começou a ser preparada em 2010 para ser aplicada nos dados que serão divulgados a partir do fim de 2014 e começo de 2015, inclusive o PIB definitivo dos anos que estão sendo questionados. À luz dos novos métodos e dados deverá ser republicada toda a série já conhecida até 1995.
Entre as mudanças previstas está a introdução dos dados do Censo 2010 e do Censo Agropecuário de 2006. Também serão atualizados os pesos com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008/2009. Serão atualizadas as margens dos serviços de comércio e de transportes e passarão a ser usados dados do IR Pessoa Física.
Será adotada nova classificação de produtos e atividades e, atendendo a recomendações internacionais de 2008, gastos com software, bancos de dados, pesquisa e desenvolvimento deixam de ser classificados como consumo intermediário e passam a ser contados como investimentos.
Os gastos militares passam a fazer parte da Formação Bruta de Capital Fixo. O IBGE mantém desde março um site para informações e comentários sobre as mudanças, onde já foram publicadas cinco notas metodológicas.
O acesso às notas metodológicas pode ser feito em www.ibge.gov.br
Veículo: Valor Econômico