Há sinais de que haverá novas pressões inflacionárias em diversos segmentos da área de consumo a curto prazo. Depois de a indústria de eletrodomésticos ter acertado reajustes no início do ano em torno de 2% e 3% - parte desse aumento já foi repassado ao consumidor de janeiro a abril - há negociações encaminhadas hoje entre grandes redes varejistas com fabricantes de linha marrom (TVs, aparelhos de som) e com a indústria de alimentos que fabrica produtos de alto valor agregado - como massas pré-prontas e congelados.
Esses reajustes - assim como outros aumentos já negociados este ano entre varejo e indústria de bens de consumo - ocorrem num momento nada propício. Além da desaceleração econômica e do encolhimento da demanda no varejo, o governo tem dito que acompanha "atentamente" os movimentos de repiques inflacionários no mercado. "Em termos macroeconômicos, estamos vivendo o pior cenário possível, com baixo crescimento e inflação. Quem busca reajustes nesse ambiente, faz isso porque vende algo que poucos têm, com baixa concorrência, porque sabe que a loja vai acabar aceitando. E quer ganhar no preço e não no volume vendido", diz Claudio Goldberg, professor e coordenador de varejo da FGV-RJ.
Segundo três redes de varejo consultadas pelo Valor nos últimos dias, as empresas BRF e Nestlé já pediram reajustes em um conjunto de produtos. No caso da BRF, foi apresentada a uma grande rede de hipermercados uma tabela com alta de 15% nos produtos congelados da marca Sadia, apurou o Valor. Na Nestlé, a alta atingiria, em média, 10%. A Unilever apresentou para uma rede de supermercados de médio porte um reajuste de 5% no sabão em pó - parte já foi repassado em março - e 10% do preço de sua maionese Hellmann's, líder de mercado. "Está vindo de tudo, mas as maiores altas são de produtos mais caros, de maior valor agregado, normalmente de empresas líderes no segmento em que pedem o aumento", afirma um diretor de uma rede de supermercado de médio porte.
Procurada, a Nestlé informou que o reajuste não foi no patamar médio de 10%. A BRF e a Unilever não se manisfestaram. De acordo com o IPCA, medido pelo IBGE, entre os produtos industrializados, os campeões de aumentos em 2013 foram o hambúrguer (5,32% entre janeiro e março), bolos (4,74%), massa semipreparada (4,5%) e biscoitos (4,39%). Em higiene e beleza, o campeão é o produto para barbear (5,78% no primeiro trimestre). Ao varejo, a indústria informa que tem de rever tabelas pela alta dos custos de frete, matéria-prima e salários.
Entre os eletroeletrônicos, as três maiores empresas - LG, Samsung e Sony - já acenaram neste mês com tabelas com altas de 5% a 6%, apurou o Valor. As companhias não comentaram o assunto. Uma grande rede de varejo informa que é o primeiro pedido formal de reajuste das companhias desde 2010 - o setor vinha registrando deflação em itens como TVs há alguns anos. "As matrizes têm pressionado as subsidiárias para que melhorem resultados no Brasil e o aumento de preço acabou virando um caminho mais curto", disse um diretor de rede varejista. "Essa deflação abre espaço para eles pressionarem pelos aumentos, alegando margens apertadas. Já teve empresa que disse até que vai reduzir produção e estoque para poder aumentar preço de eletroeletrônico".
As negociações avançam apesar do aumento nada propício para isso. Consultorias acreditam que, por causa do aumento da inflação, consumidores já estariam cortando determinadas categorias de produtos da lista de compras. Há perda de vigor da demanda doméstica - fevereiro foi um mês fraco para os supermercados e redes de varejo eletroeletrônico, e março foi um pouco melhor, mas não há sinais claros de retomada no consumo.
Essas pressões vão aumentar o custo da mercadoria vendida (CMV) das varejistas no primeiro e segundo trimestres de 2013. Consequentemente, essa alta deve ter efeito sobre lucro bruto e margem bruta das companhias, num período de aumento da competição entre as redes. Esse acirramento da rivalidade - mais evidente desde 2012, com a perda de vigor da economia - já havia trazido uma discussão em torno do risco de queda na rentabilidade das lojas. As novas pressões inflacionárias agora tendem a reforçar a discussão da proteção da margem de lucro nas redes.
Se não repassar os aumentos, a loja pode perder margem, mas se repassar além da conta, pode reduzir volume de venda, o que acaba comprometendo os resultados da mesma forma. Últimos relatórios de analistas do Deutsche Bank e Bank of America Merrill Lynch destacam o alto volume de promoções para atrair tráfego no varejo brasileiro e os riscos da estratégia.
Veículo: Valor Econômico