A combinação entre baixo crescimento e inflação elevada afetou de forma mais pronunciada a saúde financeira das empresas do comércio no primeiro semestre, de acordo com levantamento feito pela Serasa Experian a pedido do Valor. Entre janeiro e junho, foram 150 pedidos de recuperação judicial no comércio, 27% a mais do que no primeiro semestre de 2012. No setor de serviços, esses pedidos aumentaram 14%, na mesma base de comparação, enquanto na indústria a alta foi de 12,4%.
Considerado também o setor primário, o total de pedidos de recuperação judicial no primeiro semestre do ano avançou 16% em relação a igual período de 2012, após crescimento de 65% nos primeiros seis meses do ano passado.
Já o número de falências requeridas - que indicam uma situação de insolvência mais aguda da empresa, já que o pedido parte do credor - caiu 9,23% no primeiro semestre deste ano, após avanço de 11,2% em 2012, na mesma base de comparação.
A maior retração ocorreu na indústria, setor no qual 322 empresas foram alvo de pedidos de falência, recuo de 15,5% em relação ao ano anterior. No setor de serviços, foram 5,3% pedidos a menos do que em 2012, enquanto no comércio, o número de falências requisitadas caiu 6,7% entre janeiro e junho, na mesma base de comparação.
Carlos Henrique de Almeida, assessor econômico da Serasa, afirma que essa melhora é "artificial", já que na verdade reflete uma postura mais conservadora das empresas na tomada de crédito, e não uma melhora real da solvência das empresas em função de fortalecimento do caixa.
Wermeson França, economista da LCA Consultores, também vê um cenário de demanda retraída por crédito por parte das empresas. A média diária de concessões para pessoa jurídica caiu 0,7% entre janeiro e maio, de acordo com dados do Banco Central dessazonalizados e deflacionados pela LCA. Já o saldo de empréstimos, que crescia 17% no ano passado, teve em maio avanço de 12,4% em relação ao ano passado. Um levantamento do BC com instituições financeiras realizado no primeiro trimestre também mostrou que a demanda das empresas por crédito está abaixo do que esperavam os bancos para o ano.
Para economistas, o comércio está sendo mais afetado neste cenário, porque o contexto é de fraco avanço do consumo, em função da inflação mais alta, desaceleração do crescimento da renda nominal, dificuldades de acesso ao crédito e comprometimento de renda ainda elevado.
Assim, até abril deste ano, as vendas no varejo no conceito restrito, que não considera o desempenho do comércio de material de construção e nem de automóveis, cresceram 3% até abril deste ano, dado mais recente disponível no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período de 2012, o varejo acumulou expansão de 9,2%.
Para Alcides Leite, professor da Trevisan Escola de Negócios, as empresas no comércio são de pequeno porte, e por isso mais suscetíveis às oscilações da atividade. Em um período de forte crescimento da demanda, como ocorreu nos últimos anos, as empresas enfrentaram menos dificuldades. No entanto, o professor da Trevisan avalia que o modelo de aumento do consumo baseado em crédito, aumento dos gastos públicos e elevação de renda está esgotado.
"Vamos passar por um período de baixo crescimento". A saída, diz, é investir em infraestrutura para diminuir os custos de logística do país e assim elevar a produtividade da economia As concessões de projetos de ampliação de rodovias e ferrovias são um passo nessa direção. "Mas isso tinha que ter sido feito há cinco anos. Agora, é possível que os resultados ainda não apareçam no próximo ano", afirma Leite.
Para os economistas, a indústria, que teve aumento de 12,4% dos pedidos de recuperação no primeiro semestre, não mostra números piores, porque continua em retomada lenta, após uma fase de transição nos últimos dois anos. Nesse período, o setor reajustou a capacidade de produção para se adaptar a um período de crescimento menor, na avaliação de Almeida, da Serasa. Para Leite, da Trevisan, a crise no setor fez com que apenas as empresas mais bem estruturadas conseguissem sobreviver.
Já o varejo ainda vai ter que se adaptar a esse novo cenário, avaliam os economistas. O resultado tende a ser aumento do desemprego, diz Almeida. O comércio e o setor de serviços têm sido responsáveis pela maior geração de vagas no período recente.
Outro desdobramento, afirma Almeida, é que as empresas estão adiando investimentos. "As empresas pararam para ver o que vai acontecer e estão tomando menos crédito para investir em novos projetos."
Veículo: Valor Econômico