Todos os números da produção industrial de dezembro - divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - foram assustadores pela magnitude e pela disseminação das más notícias. O mais emblemático, contudo, é a queda de 22% na produção de bens de capital de dezembro na comparação com o mesmo mês de 2007. Essa retração brutal é a confirmação de que a crise financeira realmente interrompeu o melhor e maior ciclo de investimentos do país nos últimos anos, talvez desde o milagre dos anos 70.
O dado de dezembro confirma que não estamos apenas diante de um forte ajuste de estoques. A megaqueda da produção industrial em dezembro embute a decisão do setor privado de adiar (ou até suspender) os investimentos que estavam permitindo ao país sonhar com um crescimento futuro maior que os 5% que têm sido a barreira do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ao longo desta década. Dentro do corte de 22% na produção de bens de capital, a demanda da indústria por novas máquinas e equipamentos foi a mais brutal e caiu 31,5%.
Com a forte retração do investimento, a economia brasileira perdeu um dos motores do seu crescimento, todo sustentado pela demanda interna desde meados de 2007. Nas contas da Rosenberg & Associados, dentro da queda de 14% na produção da indústria de transformação de dezembro em relação à igual mês de 2007, 12,2 pontos percentuais foram dados pelo tombo da demanda interna, enquanto a retração das exportações brasileiras (a demanda externa) representou o restante da perda de 1,8 ponto percentual.
Desde o terceiro trimestre de 2007 (também pelas contas da Rosenberg), o peso da demanda interna no crescimento da indústria de transformação rondou entre sete e oito pontos, enquanto a demanda externa reduzia nosso potencial de crescer. No último trimestre de 2008, pela primeira vez desde 2004, o sinal interno foi negativo. Não crescemos, porque produzimos menos máquinas para nossas indústrias e também menos carros, calçados, camisas e até alimentos para nossos consumidores. A crise externa instalou-se definitivamente no país.
A disseminação de acordos coletivos que reduzem jornada e salários e também o forte aumento das demissões em praticamente todos os setores vão afetar ainda mais nosso consumo interno e, consequentemente, a demanda doméstica. Alguns dados de janeiro podem até sugerir recuperação e em alguns meses poderemos olhar para dezembro e ter clareza que ele foi o fundo do poço. Mas o fundo do poço ainda pode estar no futuro. É cedo para sabermos.
Os acordos de jornada e de banco de horas e as dispensas sugerem que a indústria vai ajustar a produção em algum ponto abaixo do pico de setembro de 2008 e do tenebroso dezembro. Afinal, um número cada vez maior de operários passa a contar com renda mensal entre 12% e 20% menor. E não por um mês, mas por três meses na melhor das hipóteses... Para um orçamento que já não permitia poupança na maioria dos casos, é muita renda que vai parar de irrigar a economia. Um pouco de alento virá do recente aumento do salário mínimo (que injetará R$ 22 bilhões na economia se todos os remunerados pelo mínimo continuarem empregados) e dos recursos adicionais do Bolsa Família.
Se a demanda das famílias vai ficar contida nos próximos meses pela ausência real de renda (que exigirá corte nos orçamentos domésticos e influenciará negativamente uma cadeia de serviços e bens consumidos pelas famílias) e também pelo desemprego efetivo ou medo deste, a decisão das empresas em cortar investimentos vai marcar o Brasil além de 2008. Muitas ampliações de capacidade instalada e construção de novas plantas olhavam, ao mesmo tempo, o mercado consumidor brasileiro e o mercado externo, onde avolumam-se informações de recessão.
O governo tem dito que vai ampliar os investimentos públicos e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Nos últimos anos, contudo, o investimento público representou menos de 1% do PIB, percentual que pode até ter crescido para algo entre 1,5% e 2% em 2008. Mas mesmo se esse investimento dobrar (o que os dados de execução do PAC indicam ser uma tarefa mais que árdua), o setor publico não tem fôlego para substituir o dinamismo privado.
Temos, também, os R$ 100 bilhões extras que o governo garantiu ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O dinheiro, contudo, só terá efeito prático se a principal razão para a queda de 22% na produção de bens de capital tiver sido a falta de crédito para pagar máquinas encomendadas. Não parece ser o caso. As encomendas sumiram por causa da incerteza de demanda futura que paralisa o investidor. A prova está na queda de produção de 70% dos 755 produtos e setores investigados pelo IBGE - queda recorde neste índice de difusão.
Veículo: Valor Econômico