Alguns ramos da indústria começam a se levantar do tombo da produção no final do ano passado. Levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para a Gazeta Mercantil mostra que metade dos ramos industriais aumentou, ainda que timidamente, o uso da capacidade instalada em janeiro. Mas os estoques continuam excessivos e a demanda vai mal para a maioria dos segmentos investigados - num triste sinal de que o setor deve demorar para compensar o corte histórico de 12,4% na produção de dezembro, informado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"A indústria chegou ao fundo do poço? Não sabemos. Talvez o setor automotivo tenha alguma recuperação, mas não sabemos em que velocidade", afirma Aloisio Campelo, responsável pelas sondagens do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV.
O segmento de material de transporte e a indústria mecânica, fortemente vulneráveis ao crédito, reduziram estoques em janeiro. São as montadoras que começam a sair do fundo do poço, com aumento do uso de capacidade instalada também. As indústrias química e de matérias plásticas melhoraram a percepção para o nível de estoques, demanda e uso das instalações segundo a pesquisa da FGV. Produtores de alimentos e celulose também estão mais otimistas do que pessimistas no que diz respeito à demanda, mas continuam desalentados com relação aos estoques.
Consumo interno
Para Campelo, a onda de demissões em segmentos afetados por escassez de crédito e esfriamento da demanda internacional pode ameaçar a retomada de outros ramos até então embalados pelo consumo interno, que demonstram mais ânimo neste começo de ano. Menos salários pagos e menos compras contaminam a cadeia produtiva. Mais dependentes de renda, ramos como o de alimentos e remédios, podem sentir nos próximos meses a crise, disse.
A Pesquisa Industrial Mensal de dezembro, divulgada ontem pelo IBGE, mostra a contaminação da crise na produção de bens não duráveis, sustentados pela demanda interna. André Macedo, um dos responsáveis pela pesquisa do IBGE, avalia que a queda na demanda por bens finais já afeta toda a cadeia da indústria. "A produção de bens finais já está afetando a de intermediários", disse. A produção de não duráveis ficou 4,2% menor em dezembro, após um corte suave de 1%.
Todos as categorias cortaram mais a produção em dezembro. Fabricantes de bens de consumo duráveis, liderados por automóveis e eletrodomésticos, que já tinham cortado em 20,4% a produção em novembro, acentuaram a queda para 34,3% em dezembro. O corte de 22,9% nos bens de capital assusta ainda mais quando detalhado: máquinas e equipamentos encomendados para a indústria, houve queda da ordem de 31%. Em bens intermediários segundo o IBGE, o resultado de dezembro foi o menor desde os -13,5% de maio de 1995 e o quinto recuo consecutivo, com perda de 20,6% entre julho e dezembro.
A indústria cresceu 3,1% em 2008, metade da taxa anterior à crise, de 6,4%. A redução de 12,4% entre novembro e dezembro foi a maior de todo o período apurado pelo IBGE, iniciado em 1991. A produção voltou ao nível de quase cinco anos atrás. O resultado reflete o reduções na produção de 25 dos 27 ramos pesquisados. Somente papel e celulose (0,4%) e outros equipamentos de transporte (6,7%) escaparam dos cortes. O desempenho da indústria de veículos automotores, com queda de 39,7%, foi o principal impacto negativo no índice global, seguido por máquinas e equipamentos (-19,2%), material eletrônico e equipamentos de comunicações (-48,8%), metalurgia básica (-18,3%), borracha e plástico (-20,1%), indústria extrativa (-11,8%) e outros produtos químicos (-9,0%). "Esse quadro de queda generalizada foi especialmente marcado pelo movimento de setores mais sensíveis à restrição de crédito e a queda das exportações de commodities", assinala a pesquisa do IBGE.
Aeronaves e energia
Também só escapam da redução de investimentos a fabricação de aeronaves (da Embraer) e de material para energia elétrica. O IBGE registrou recuo na produção de máquinas e equipamentos para agricultura, para construção civil e para material de comunicação e informática, que refletem queda nas compras de celulares.
A pesquisa do IBGE mostra como o comportamento da indústria brasileira mudou abruptamente nos últimos meses. O quarto trimestre de 2008 frente ao trimestre anterior, com recuo de 9,4%, interrompe sequência de doze trimestres consecutivos de crescimento, período que o setor industrial acumulou 16,5%, apontando para uma reversão em curto tempo.
Veículo: Gazeta Mercantil