Crise eleva barreiras contra produtos do Brasil

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Com a crise global atingindo os diversos parceiros comerciais do Brasil, começam a pipocar medidas protecionistas contra as exportações. Segundo relatos do setor privado, os países elevaram tarifas de importação, modificaram cotas e aumentaram subsídios nos últimos meses. Além desses mecanismos tradicionais para fechar o mercado, também surgiram novas exigências técnicas, que aumentam a burocracia. 

 

O Valor consultou 10 setores exportadores: soja, carne suína, leite, açúcar, têxtil, calçadista, eletroeletrônico, máquinas, aço e automotivo. Apenas dois - automotivo e açúcar - não relataram o surgimento de novas barreiras à exportação depois de setembro de 2008, quando a quebra do Lehman Brothers marcou o início da crise. 

 

As barreiras ainda são pontuais e com efeitos limitados, mas evidenciam o clima defensivo que tomou conta do comércio internacional. Nesse contexto, a gritaria do empresariado nacional ainda não é grande, pois alguns setores estão mais preocupados em defender o mercado interno. Na semana passada, o Brasil adotou licenças de importação, mas desistiu. 

 

As medidas protecionistas que prejudicam as vendas de produtos brasileiros estão concentradas nos países emergentes. Na agricultura, surgem reclamações contra Índia e Rússia. Na indústria, as principais dificuldades estão na vizinhança, principalmente Argentina, Equador e Venezuela. Nos países ricos, o temor do exportador brasileiro é o aumento dos subsídios. 

 

Terceiro maior comprador do óleo de soja brasileiro, a Índia aplicou tarifa de 20% para o produto em novembro. Segundo Fábio Trigueirinho, secretário-geral da Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove), o problema é que foi mantida a isenção para óleos de palma, girassol e outros, o que prejudicou o Brasil. A entidade enviou uma carta ao embaixador do Brasil em Nova Déli pedindo ajuda. 

 

Esse tipo de cobrança não é novidade na Índia, um mercado tradicionalmente fechado. Em 2007, a tarifa de importação estava em 45% para óleos vegetais, mas, em abril do ano passado, o país retirou a taxa para se proteger da inflação. Com a crise e a queda dos preços das commodities, a Índia retomou parcialmente a tarifa - mas, dessa vez, só para o óleo de soja. 

 

Outro gigante que prejudicou as exportações brasileiras foi a Rússia. Em dezembro, os russos elevaram a tarifa extra-cota da carne suína de 40% para 65% e realocaram 50 mil toneladas da cota destinada a outros países (utilizada pelo Brasil) para os Estados Unidos. "Podemos ter perdido 100 mil toneladas em exportação. A justificativa da Rússia é o efeito da crise", disse Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportação de Carne Suína (Abipecs). 

 

À medida que a crise se aprofunda, os subsídios para a agricultura aumentam nos países ricos, prejudicando as exportações brasileiras em terceiros mercados. A União Europeia anunciou em janeiro que decidiu voltar a subsidiar às exportações de lácteos, para compensar os produtores locais. Para o leite em pó, a UE vai dar subsídios de até 200 euros por tonelada. 

 

Nos manufaturados, a Argentina é a principal preocupação, por conta da relevância do volume exportado e da longa lista de produtos prejudicados. Fernando Pimentel, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), disse que a Argentina ampliou, em dezembro, a lista de produtos sujeitos à licença não-automática. Maria Tereza Bustamante, coordenadora de comércio exterior da Associação Nacional dos Fabricantes Eletroeletrônicos (Eletros), contou que as autorizações para importação de geladeira, fogão, lava-roupa e TV saem a conta-gotas desde outubro. 

 

Segundo a executiva, também aumentou a burocracia e agora o importador argentino é obrigado a peregrinar por quatro repartições em dois ministérios. Maria Tereza conta que os rumores em Buenos Aires são que o país pode reduzir as compras de eletroeletrônicos brasileiros em até 40% este ano. "Dá a impressão que os argentinos estão com o freio de mão bem puxado na importação", disse. 

 

O setor de máquinas e equipamentos só começou a ter problemas para vender para a Argentina depois do início da crise. Em novembro, o país começou a exigir certificado para importação de produtos metalúrgicos, que, na prática, significa licença de importação, que demora até 60 dias "É uma situação esdrúxula", disse Mário Mugnaini, diretor de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). "Os argentinos deveriam ter excluído o Mercosul e focado nos chineses". O setor de máquinas também reclama que a liberação de divisas para a compra de máquinas da Venezuela está cada vez mais devagar. 

 

No Equador, o problema para os brasileiros não é tanto o pequeno volume embarcado, mas a amplitude das barreiras e o impacto "psicológico" na região. Para alguns empresários, a situação é mais grave do que na Argentina. O Equador cancelou os benefícios previstos nos acordos de redução tarifária parcial, impôs taxas específicas e cotas de importação. É uma tentativa drástica de colocar ordem nas suas contas externas, que foram seriamente abaladas pela queda do petróleo. 

 

Segundo Mário Branco, gerente de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), o Equador elevou a tarifa de importação do setor de 15% para 35% - o máximo que o país consolidou na Organização Mundial de Comércio (OMC). O Brasil foi ainda mais prejudicado porque gozava de um benefício que reduzia a tarifa para 5%. Ele calcula que a exportação de pelo menos um milhão de celulares brasileiros para o país possa estar comprometida. 

 

O Equador também aplicou direitos específicos bastante alto para têxteis e calçados. Segundo Heitor Klein, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Calçadista (Abicalçados), o Equador está cobrando US$ 10 de taxa por par, valor mais alto que os US$ 8,70 do preço médio do sapato brasileiro. No têxtil, a barreira específica equivale a taxa de 130%. 

 

No setor siderúrgico, Turquia, Índia e Rússia elevaram as tarifas para a importação de aço. Segundo Marco Polo de Mello Lopes, a situação não preocupa, porque as exportações para esses mercados são marginais. Ele está atento ao programa dos EUA, que prevê a compra de aço americano nas obras do pacote de estímulo fiscal, mas não criticou diretamente o objetivo da medida. As siderúrgicas brasileiras está mais preocupadas em defender o mercado interno . 

 

Para Welber Barral, secretário de Comércio Exterior, o protecionismo "sempre" cresce na crise, mas por enquanto as barreiras são pontuais. Ele alertou que o principal problema não é o aumento de tarifas de importação, mas os entraves burocráticas e os subsídios concedidos pelos países para combater a crise. Apesar da desastrada medida das licenças prévias na semana passada, ele insistiu que a hora é de prudência, inclusive para o Brasil. "Tem país só esperando uma desculpa para adotar retaliação contra nós", disse. 


 

Veículo: Valor Econômico


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