Brasil em situação frágil para enfrentar crise

Leia em 3min 40s

                             Recessão, quadro fiscal, inflação e juros altos podem ampliar impacto no país da piora do cenário global



O choque externo causado pelos desarranjos na China atinge o Brasil num momento desconfortável — no qual a economia está em recessão, inflação e juros se mantêm altos, e a área fiscal se mostra fragilizada. E as consequências, afirmam especialistas consultados pelo GLOBO, podem ser uma desvalorização ainda maior do real, além de uma saída de investidores internacionais, mais avessos a ativos de países emergentes. Outra ameaça vem da hipótese de uma queda maior nas exportações de commodities — justamente quando a balança comercial começou a ganhar força. Mas, o ponto forte para enfrentar a turbulência são as reservas internacionais, US$ 379 bilhões, que podem ser usadas para evitar uma desvalorização cambial mais forte se a crise chinesa se amplificar.

— Sofrer um choque externo num momento de recessão e com uma situação fiscal ruim, justamente de seu maior parceiro comercial, é uma situação muito desconfortável. O ponto positivo são as reservas cambiais, que dão uma margem boa para acomodar esse novo choque — diz o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências.

A balança comercial vinha dando sinais de recuperação. Até a terceira semana de agosto, o saldo estava positivo em US$ 6,7 bilhões — frente a um déficit de US$ 600 milhões no mesmo período do ano passado. Mas a crise chinesa pode afetar esse ritmo de recuperação, uma vez que o Brasil exporta principalmente commodities para a China. Segundo o professor Roberto Dumas Damas, especialista em economia chinesa do Insper, as exportações de minério de ferro para a China já caíram 58% entre o primeiro semestre de 2015 e o mesmo período de 2014, em termos de volume. Em valores, esse recuo foi de 7,5%.

— O mercado reage negativamente porque precificou os ativos como se a China fosse crescer 7% ou 8% nos próximos anos. Se crescer entre 5%e 5,% está ótimo — diz o especialista, lembrando que a queda de exportações do Brasil para a China já era esperada.

DIFERENTE DA CRISE DE 2008

Para o professor de Economia Rodrigo Zeidan, da Fundação Dom Cabral, o Brasil tem a vantagem de possuir uma economia diversificada e pode aumentar as exportações em outras frentes, como máquinas e têxteis, se as com

modities recuarem. Seria um efeito positivo do ajuste cambial, capaz de servir, ainda, como um atrativo para investidores que procuram ativos baratos para investimento direto. Ele lembra que o investimento estrangeiro direto ainda se mantém num patamar elevado, embora tenha recuado um pouco nos últimos 12 meses. Foram US$ 45,9 bilhões no primeiro semestre de 2015 frente aos US$ 30,9 bilhões no primeiro semestre deste ano.

— O governo precisa dar sinais positivos para mudar as expectativas negativas em relação ao Brasil. Mas, hoje, temos um quadro em que o fator político impede estes sinais. Quanto mais isso se arrastar, menos investimento teremos — explica Zeidan.

O quadro fiscal também ajuda a reforçar essa percepção ruim dos investidores estrangeiros em relação ao Brasil. O economista Thiago Biscuola, da RC Consultores, nota que dívida bruta do setor público está em alta e passou de 55% do PIB, em junho de 2014, para 63% do PIB, em junho passado. O resultado nominal do setor público, nos últimos 12 meses, também piorou. O déficit era de 3,4% do PIB em junho de 2014 e saltou para 8,12% em junho passado. Para ele, quanto mais demorar o processo de ajuste fiscal, mais custoso será para o país:

— Esse cenário cria um comportamento de aversão nos investidores internacionais, que tendem a sair dos ativos e moedas de emergentes e correm para se proteger no dólar e para os títulos do tesouro americano. E o dólar mais forte pesa sobre a inflação e adia a queda dos juros por aqui.

Biscuola pontua que é difícil saber até onde a crise chinesa pode chegar. Mas, como trata-se de um mercado sobre o qual o governo chinês tem total controle, os riscos são mitigados.

— É uma crise mais isolada, diferente da crise de 2008 que se espalhou pelo mundo — observa Biscuola, afirmando que, mesmo assim, o problema chinês não deixa de trazer incerteza e insegurança ao cenário global.




Veículo: Jornal O Globo


Veja também

Exportações brasileiras para países do Brics caem puxadas pela China

                    ...

Veja mais
Alívio em tributo de setores como petróleo e máquinas pode acabar

BRASÍLIA- O governo vai rever regimes especiais de tributação criados nos últimos anos para ...

Veja mais
Consumidores esperam inflação de 10% em 12 meses a partir de agosto, diz FGV

                    ...

Veja mais
Empresas recorrem à gestão interina para enfrentar crise

O empresário Christian Bennecke, seu pai e avô já driblaram diferentes crises econômicas para ...

Veja mais
Nível de estoques é o maior em SP desde 2011

Depois de uma sinalização positiva de ajuste de estoques em julho, a proporção de empres&aac...

Veja mais
Estados pretendem alinhar as alíquotas do ICMS no diesel

O secretário de Fazenda do Mato Grosso (MS), Paulo Ricardo Brustolin, informou que os estados, que se reuniram on...

Veja mais
Demandas do setor produtivo são as mesmas há 20 anos

As demandas atuais da indústria mineira e nacional, que basicamente objetivam maior competitividade para o setor,...

Veja mais
Sartori apresenta à Assembleia projeto de aumento de impostos

                    ...

Veja mais
Mais 662 mil saem à procura de trabalho, e desemprego vai a 7,5%

Os que buscaram ocupação sem sucesso em julho foram 1,8 milhão, 9,4% acima dos de junho.Pesquisa fe...

Veja mais