Apesar da crise, o comportamento do investimento no Brasil tenderá a se manter num patamar não distante dos 19% do Produto Interno Bruto (PIB) registrados em 2008. A taxa, historicamente, é considerada alta para o País, mas tímida para padrões internacionais. A China, por exemplo, cresce com um investimento equivalente a 45% do seu PIB.
Especialistas divergem sobre qual será o impacto da crise sobre o investimento que, já no quarto trimestre de 2008, acusou uma queda brusca. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos três meses do ano houve uma redução de 9,8% na formação bruta de capital fixo em relação ao terceiro trimestre. A boa notícia é que a natureza do investimento no País nos últimos trimestres que antecederam a crise, e que atingiram os 20,4% do PIB no trimestre imediatamente anterior à turbulência financeira global, em boa parte foi destinada a grandes projetos de infraestrutura. Ou seja, são de longo prazo e se estenderão para 2009.
No Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a previsão para a taxa do investimento é que ela se mantenha entre 19,6% ou 19,7% este ano, afirma Ernani Torres, superintendente da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico da casa. À frente de recursos que somam R$ 160 bilhões, dos quais R$ 120 bilhões deverão ser desembolsados em 2009, a instituição trabalha com previsões consideradas "extremamente otimistas" pelo mercado.
Para Torres, o investimento, que crescia próximo dos 20% em 2008, deve manter a sua expansão em 2009, mas a um ritmo bem menor, de 3% no ano. Mesmo com o forte recuo, a pequena expansão será suficiente para garantir uma formação bruta de capital fixo em relação ao PIB de 20,9% em 2010, defende o economista. "Obviamente a crise afetou o investimento", diz Torres. "Mas, em pleno cenário de desaceleração, a sua expansão deverá ser maior que o crescimento do PIB de 2009, que estimamos em 2,5%", afirma.
O superintendente do BNDES calcula que o investimento nos primeiros meses do ano situe-se em 19,5% do PIB, podendo fechar o período de doze meses em 19,7%. Ele credita a manutenção dessa taxa a projetos de infraestrutura em curso no momento. "A Petrobras está muito ativa, assim como a siderurgia. O complexo do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) está mantido, assim como estão em curso as usinas hidrelétricas do rio Madeira – Santo Antônio e Jirau", explica. Torres lembra, ainda, do compromisso que as empresas de telecomunicações têm de investir para manterem suas licenças de concessão para atuar com a tecnologia 3G. "Nesses casos, as empresas envolvidas já colocaram muito dinheiro nos projetos e não querem perder o que já investiram", diz. Ou seja, as obras em cursos deverão garantir que recursos continuem fluindo em 2009.
Segundo Torres, há diferenças importantes entre esta crise e as demais vividas pelo País. "No passado, o grosso do investimento brasileiro era pulverizado em compra de máquinas, pois o crescimento da economia que precedia os momentos de crise era de curta duração - algo entre 12 a 18 meses de expansão", ressalta. "E quando a crise chegava, rapidamente esse investimento era suspenso", acrescenta. Mas, segundo o especialista, o momento atual foi precedido de 12 trimestres consecutivos de expansão do PIB. "Portanto, o investimento em curso vai muito além da compra de máquinas: as indústrias estão abrindo novas plantas, há hidrelétricas sendo construídas e as teles estão comprometidas a cumprir metas dos projetos de 3G e esses investimentos não serão descontinuados", acrescenta.
O economista do BNDES também lembra que "desta vez, o governo tem capacidade creditícia, o que ajuda a reduzir o impacto negativo da crise", acrescenta. Para Torres, além dos R$ 100 bilhões destinados pelo governo para garantir - via empréstimos do BNDES - a capacidade de investimento do setor privado, o programa de habitação, a ser anunciado pelo governo federal, o qual terá como meta a construção de um milhão de casas populares, terá um importante papel na mobilização do investimento das construtoras privadas e das famílias brasileiras. "Poderemos ver o impacto disso já no início do próximo semestre", aposta.
Freio do setor privado
Paulo Sandroni, professor da Fundação Getúlio Vargas e autor de vários livros como o Dicionário de Economia do século XXI, acredita que, de fato, haverá em 2009 a continuidade de muitos investimentos que se iniciaram em anos anteriores. E, há, ainda, o fator da disputa eleitoral que se avizinha em 2010. Sandroni lembra, ainda, a disputa entre estados para apresentarem suas obras em final de mandato. "Mas tudo somado, não é suficiente para compensar a queda do investimento privado a partir da crise internacional", comenta.
Segundo Sandroni, mesmo computando o pacotão da habitação a ser anunciado pelo governo, é provável uma retração do investimento no país nos próximos dois anos. "O tão esperado programa da habitação popular talvez não chegue a tempo para fechar o buraco do setor privado", afirma.
O otimismo que vigora no BNDES, tampouco é partilhado pelo ex-ministro da Economia, Fazenda e Planejamento do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso, Marcílio Marques Moreira. Ele lembra que os dados que detém sobre a indústria de bens e equipamentos apontam para um quadro inverso ao defendido por Torres, caracterizando um forte recuo do investimento. Para Moreira, ao se avaliar o investimento é crucial ter-se em mente as fontes de recursos. "E, no caso brasileiro, há uma grande inflexibilidade tanto no que diz respeito à poupança interna, quanto externa", dispara.
O ex-ministro ressalta que a poupança no País - próxima aos 20% do PIB - ainda é muito baixa. Moreira chama a atenção para a retração do fluxo de recursos do exterior para o Brasil. "Segundo o BIS (banco de compensações internacionais da Basiléia, espécie de banco central dos banco centrais) os riscos de bancos europeus no Brasil depois da crise caiu para US$ 200 bilhões", acrescenta.
Especialista em questões relativas à indústria, o consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), Julio Sergio Gomes de Almeida, lembra que sempre que há uma fase adversa na economia, o indicador de investimento tende a cair. "Ter uma crise sem baixar a taxa de investimento seria uma novidade no Brasil", opina.
Almeida trabalha com uma estimativa de taxa de investimento de 18% do PIB este ano, ou um ponto percentual menor que a taxa de 2008. "O que, aliás, não é nenhum desastre parecido com o que já ocorreu neste país em outros momentos", finaliza.
Veículo: Gazeta Mercantil