Desde a quebra do Lehman Brothers em setembro, episódio que marcou a contaminação dos mercados emergentes pela crise, o Brasil perdeu US$ 1 bilhão por mês de saldo comercial por conta do "rearranjo" global dos preços dos bens comercializados no mundo, informa cálculo da Fundação Centro de Estudo do Comércio Exterior (Funcex), feito a pedido do Valor.
A crise global derrubou as cotações de commodities agrícolas e metálicas e reduziu os preços dos produtos vendidos pelo Brasil. O país deixou de ganhar US$ 12,7 bilhões com exportações entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, conforme a Funcex. Para chegar a esse resultado, a entidade manteve os preços de exportação estáveis no patamar de agosto de 2008 e considerou só a variação de volume.
No entanto, a queda das commodities também reduziu o custo das importações, apesar da concentração das compras brasileiras em manufaturados. A receita gasta pelo Brasil com importação foi US$ 6,9 bilhões menor no mesmo intervalo e utilizando a mesma metodologia de cálculo, segundo a Funcex. Considerando os dois efeitos, o saldo comercial encolheu US$ 5,8 bilhões em seis meses por causa da crise. O valor corresponde a 64% dos US$ 9,1 bilhões de saldo efetivamente apurado no período.
"É uma perda relevante de quase US$ 1 bilhão por mês, que ocorreu porque os preços de exportação caíram mais rápido. O Brasil vende muitos produtos básicos, que são mais voláteis", disse Fernando Ribeiro, economista da Funcex. Entre setembro de 2008 e fevereiro de 2009, os preços dos produtos exportados pelo país recuaram 26%, enquanto os dos importados caíram 17%. No primeiro bimestre de 2009 ante igual período de 2008, os preços de exportação caíram 5%, enquanto os preços de importação ainda subiram 1%.
Essa diferença de ritmo nos preços de exportação e importação evidencia que os "termos de troca" do país pioraram com a crise, o que no jargão econômico significa que o Brasil foi prejudicado pela "rearrumação" global. O país não sofria uma perda nos "termos de troca" desde 2003. Em 2009, os preços das commodities, em vez de trazerem o costumeiro fôlego extra para o saldo da balança comercial brasileira, devem ajudar a prejudicá-lo, avaliam os economistas.
No ano passado, o expressivo aumento de 26% nos preços foi o único fator que garantiu a alta de 23% das exportações do Brasil, já que o volume caiu 2,5%. No primeiro bimestre de 2009, o sinal já está invertido. O valor exportado pelo país caiu 25,7% no período em relação a janeiro e fevereiro de 2008, resultado de uma brutal queda de 22% no volume, mas também de um recuo de 5% nos preços, segundo a Funcex. A recessão nos principais parceiros comerciais brasileiros e a escassez de crédito reduziram significativamente a quantidade exportada neste início de ano.
Por conta do impacto da crise, o Brasil mais do que devolveu os "lucros" com a mais recente bolha de commodities, provocada pela inflação dos alimentos e pela alta do petróleo. Entre janeiro de 2007 e agosto de 2008, o país "ganhou" um saldo comercial adicional de US$ 4,5 bilhões. O cálculo da Funcex aponta que os altos preços de produtos como soja e minério de ferro garantiram ao Brasil US$ 32,5 bilhões adicionais nas exportações, mas também custaram US$ 28 bilhões a mais em importações. Vale ressaltar, no entanto, que os preços das commodities estavam em alta consistente desde 2003.
Um cenário desvantajoso de termos de troca na balança comercial é preocupante e vai "murchar" o saldo, mas não será capaz de zerá-lo ou até provocar déficit como ocorria na década de 90. "Não será tão dramático como antigamente", disse Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores. Ele explica que a desaceleração da economia brasileira deve colaborar para manter o saldo em um terreno positivo, porque vai reduzir as importações. As estimativas apontam que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que cresceu 5,1% em 2008, deve ficar próximo de zero em 2009.
Também deve colaborar para manter a balança superavitária o fato de que as commodities exportadas pelo Brasil, como a soja, estão sofrendo menos, por conta de um quadro ajustado de oferta e demanda. Enquanto o índice de commodities CRB deve cair 43% este ano, os preços dos produtos básicos vendidos pelos exportadores brasileiros devem cair 32%, diz a RC Consultores.
No último relatório de inflação divulgado esta semana, o Banco Central incluiu um destaque sobre os "termos de troca" do Brasil no cenário pós-crise. Ao contrário da maioria dos economistas, o BC acredita que a queda dos preços das commodities exportadas e dos "termos de troca" não vai prejudicar o saldo da balança brasileira, mas ajudá-lo a se sustentar em um patamar significativo apesar da turbulência.
A autoridade monetária admite que a queda dos preços das commodities prejudica diretamente as exportações brasileiras, mas defende que a maioria dos economistas menospreza o impacto sobre as importações. No texto, o BC defende que um teste empírico nos dados da balança comercial demonstra que o efeito é dominante no canal da importação. O governo brasileiro argumenta que a queda nos "termos de troca" provoca uma desvalorização da moeda brasileira, o que reduz a demanda por produtos importados.
As instituições ouvidas pelo boletim Focus estimam, em média, que o saldo da balança comercial deve ficar em US$ 14 bilhões em 2009, uma queda de 43% em relação aos US$ 24,7 bilhões de 2008. A RC aposta em US$ 10 bilhões, a Funcex chega em US$ 16 bilhões. O BC é o mais otimista com US$ 17 bilhões.
Veículo: Valor Econômico