O processo de ajustes de estoques na indústria segue a duras penas. Com a retração simultânea na demanda interna e na externa, as empresas têm dificuldades para desová-los, o que é um fator fundamental para explicar o resultado pífio da produção industrial nos últimos meses. Em março, 17,9% das companhias ouvidas na Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) reclamaram de inventários excessivos, um percentual inferior aos 21,8% de janeiro, mas acima dos 17,5% de fevereiro, na série livre de influências sazonais. Em setembro de 2008, esse número era de apenas 3,5%. O ajuste é mais lento em alguns setores que produzem bens intermediários e na indústria mecânica, ao passo que está muito adiantado no setor de material de transporte, que inclui a indústria automobilística.
A situação na indústria metalúrgica é emblemática do lento ajuste de estoques na economia. Em março, 17,1% das empresas do segmento, onde se encontram as siderúrgicas, relataram níveis indesejados de estoques. O percentual é inferior aos 30,5% de dezembro do ano passado, mas está muito acima dos 3,6% de setembro de 2008.
O presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), Carlos Loureiro, diz que os inventários da rede de distribuição terminaram março equivalendo a algo como 3,2 meses de vendas, ainda acima do nível normal, de 2,6 meses. "Acredito que em junho eles estarão em patamares adequados", afirma Loureiro, lembrando que, em dezembro, os estoques chegaram a 6,2 meses.
Ele observa que os inventários de alguns produtos já estão normalizados, como os de aços laminados a frio e zincados, enquanto os de chapa grossa e laminados a quente continuam excessivos. Em março, 5,1% das empresas de metalurgia informaram ter estoques insuficientes - em janeiro, o percentual era zero. Segundo Loureiro, montadoras e empresas de autopeças são as principais responsáveis pela melhora das vendas no primeiro trimestre. A demanda de setores como o de máquinas e equipamentos segue muito fraca, diz ele. Loureiro estima que, de janeiro a março, a distribuição de aços planos ficou 24% abaixo do mesmo período de 2008.
A situação também é complicada na indústria mecânica, que inclui os produtores de bens de capital. Em março, 35,6% das companhias ainda reclamaram de estoques excessivos. O segmento sofre com o mergulho da demanda interna e da externa. Em janeiro e fevereiro, as exportações de bens de capital caíram 40% em relação ao mesmo período do ano passado.
O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, estima para o primeiro trimestre uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,5% na comparação com o mesmo período de 2008, dos quais 2,1 pontos percentuais devidos à contribuição negativa da variação de estoques. Montero nota que, em 2008, parte da produção se destinou à formação de inventários, ou seja, eles estimularam a economia. Neste ano, há desova de produtos acumulados em excesso, o que colabora para as empresas adiarem a retomada da produção num ritmo mais forte. Em 2008, a variação de estoques contribuiu com 0,6 ponto do crescimento do PIB de 5,4%.
Para a economista-chefe da Rosenberg & Associados, Thaís Marzola Zara, a dificuldade em ajustar estoques tem sido decisiva para o mau desempenho da produção industrial. No primeiro bimestre, houve queda de 17% sobre o mesmo período do ano passado. Thaís acredita que, mesmo quando estiver encerrado esse processo, a produção não voltará aos níveis anteriores. O ponto é que a demanda interna e a externa deverão se acomodar num patamar inferior ao de antes do agravamento da crise.
No setor de celulose e papel, muitas empresas ainda reclamam de estoques excessivos. Em março, 40,5% das companhias ouvidas pela FGV relataram inventários acima do desejado. A presidente-executiva da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Elisabeth de Carvalhaes, diz que os estoques de celulose estiveram em níveis muito altos em dezembro e janeiro, quando equivaliam a 50 dias de fornecimento. Hoje, estão na casa de 43 a 45 dias, ainda acima dos níveis normais, entre 35 e 38 dias, diz ela. Para Elisabeth, é possível que a normalização ocorra no fim de abril, com o ajuste de estoques de bens finais que usam a celulose como insumo e a demanda um pouco maior da China. Para ela, a produção do produto ficará estável neste ano, num cenário otimista. Em 2008, cresceu 6,7%.
Um setor que mostra uma situação bem mais tranquila é o de material de transporte, onde se encontra a indústria automobilística. Em dezembro, 39,3% das empresas se queixavam de estoques excessivos, percentual que caiu para 9,9% em março. No período, o número de companhias informando inventários insuficientes passou de zero para 5,6%. A redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de veículos deu fôlego às montadoras, que conseguiram desovar os estoques, apesar do tombo das exportações. Em janeiro e fevereiro, elas caíram 56,2% em relação a igual intervalo de 2008.
Veículo: Valor Econômico