Na última reunião do G-20, realizada mês passado em Londres, o presidente norte-americano Barack Obama deixou claro que os Estados Unidos não mais seriam a máquina de absorver os excedentes produzidos em quase todos os demais países do mundo. Reflexos desta nova situação já foram sentidos no Brasil, quando o superávit de US$ 448 milhões que o País obteve com os EUA no primeiro trimestre de 2008 se transformou em um déficit de US$ 1,8 bilhão em igual intervalo deste ano. No mesmo período, o Brasil reduziu de US$ 2 bilhões para US$ 220 milhões seu déficit com a China.
Com a crise atingindo em cheio sua economia, os EUA estão importando menos têm mais excedente de produção com menos consumo interno, e isso faz com que eles sejam mais agressivos em suas exportações, avalia Roberto Gianetti da Fonseca, diretor do departamento de Relações Internacionais e Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "É um ajuste da balança comercial dos EUA, não só com o Brasil, mas com o resto mundo. A economia norte-americana precisa deste ajuste para reduzir seu déficits fiscal e comercial, que eram insustentáveis", afirma.
Para André Sacconato, da Tendências Consultoria Integrada, esse movimento de redução do déficit comercial já está claro. Antes da crise, argumenta, o Estados Unidos financiavam o seu rombo em contas externas por meio da venda de títulos públicos. "Isso deve mudar, diminuir a magnitude. E eles serão obrigados a fazer o ajuste na balança comercial, pois já não tem como financiar o déficit com lado de capitais", diz.
A origem do primeiro superávit dos EUA com o Brasil em quase uma década está no fato de que as exportações norte-americanas caem em um ritmo menos acelerado do que as importações, lembra Gianetti. O economista destaca que essa mudança é normal dentro das condições atuais, e que o saldo a favor dos Estados Unidos é uma "tendência, e talvez permaneça nos próximos dois ou três anos".
Sacconato afirma que é possível que o Brasil encerre o ano com déficit com os Estados Unidos, dado que o PIB brasileiro deve crescer 0,3% em 2009 em um cenário de retração. Para ele, no entanto, o País voltará a registrar superávits passada a crise mundial. "É só uma conjuntura da crise", avalia.
"Não acredito que seja definitivo [o superávit dos EUA com o Brasil]", afirmou o secretário executivo do ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), Ivan Ramalho. A queda principal das exportações brasileiras foi de produtos industriais, "e é por isso que em março a China foi o primeiro destino comercial das exportações brasileiras, porque eles compram mais produtos agrícolas, e estes não registraram quedas expressivas", salientou.
Avanço da China
Em março a China ultrapassou pela primeira vez os EUA como o principal destino das vendas externas brasileiras, adquirindo um total de US$ 1,73 bilhão, enquanto os Estados Unidos compraram US$ 1,27 bilhão das exportações do País. Segundo Hsieh Yuan, diretor do China Desk da KPMG no Brasil, "tudo indica que a China vai ser o grande parceiro comercial do Brasil, quem sabe até neste ano, ou no próximo." A complementaridade nas pautas comerciais dos dois países seria um dos principais motivos para que a China assuma este posto. O gigante asiático tem uma necessidade muito grande "de commodities e proteínas, que é suprida pelo Brasil, ao mesmo tempo em que precisamos de componentes e maquinário que a China fabrica", explica Yuan.
"A tendência é a China se tornar um parceiro mais importante do que Estados Unidos em termos de superávit", completa Sacconato. Enquanto durar a crise, o déficit com o país asiático continuará em queda. "Batemos recorde em volume de exportações de minério para a China, que está com um pacote de infraestrutura e aproveitando o preço baixo das commodities", disse, acrescentando que, por outro lado, esse aumento de demanda tende a pressionar as cotações para cima.
Entretanto, uma invasão de produtos chineses no Brasil foi descartada por Yuan. Ele considera que o próprio mercado chinês já está se autorregulando em relação ao nível de atendimento adequado ao novo patamar de demanda externa. "Não consigo ver essa invasão. As importações brasileiras, mesmo de setores como calçados e vestuário não têm crescido tanto em relação aos anos anteriores, nada que possa caracterizar uma invasão."
Já José Ricardo Bernardo, da Guedes & Pinheiro, tem outra visão. "O que me preocupa é a China não conseguir vender para Estados Unidos e Europa e focar no Brasil." Por enquanto, os chineses não entraram com força, ou seja com preços reduzidos, em mercados como o de chapas de aço, mas isso pode estar em curso neste trimestre, avalia. "A partir do segundo trimestre isso vai ficar mais claro. Como a indústria nacional já está sendo prejudicada com a menor demanda interna, o cenário irá piorar. A indústria tem que se proteger."
Veículo: Gazeta Mercantil