No Brasil, enquanto a classe C aperta o cinto e procura comprar produtos mais baratos, os consumidores de maior renda, das classes A e B, estão confusos diante da maior crise econômica global dos últimos 80 anos. Há uma tentativa de se repensar posições e limites, de definir o que é essencial e o que é supérfluo. Mas velhos hábitos e ideias, como se sabe, são difíceis de serem abandonados.
A ganância - como princípio - é rechaçada, mas há também uma certa tolerância com a falta de ética na acumulação de riqueza. Consumir preferencialmente o que é tido como "sustentável" - desejo que já havia sido detectado até antes da crise, mas nem sempre concretizado, volta a aparecer como meta. A boa notícia é que o brasileiro de maior renda afirma que, de fato, vem pondo em prática ações que ajudam a proteger o meio ambiente: reciclam lixo e economizam energia e água, por exemplo.
O apreço por artigos da moda também não foi abandonado, embora haja uma tendência de se consumir uma moda mais clássica, atemporal.
Esse caldeirão comportamental trazido pela crise deverá ter um impacto importante nos hábitos de consumo e nas atitudes das empresas daqui pra frente.
Foi para tentar desvendar esse impacto que o Instituto Observatório de Sinais (ODES), de São Paulo, realizou a pesquisa "Consumo em Tempos de Crise", que entrevistou 614 pessoas, das classes A e B, durante os meses de fevereiro e março deste ano. Entre os principais resultados, a pesquisa apontou que, de modo geral, há uma desafeição pelo consumo no ar. "Capitalismo sim, consumo moderado pode ser, ganância, não", afirma o sociólogo Dario Caldas, diretor do ODES, que é especializado em pesquisa de tendências de consumo e de comportamento. A enquete tinha por objetivo levantar possíveis mudanças no jeito de consumir, apurar o "humor" do brasileiro em relação à crise. Os entrevistados, divididos entre mulheres (54%) e homens (46%) com idades variando de 18 a 64 anos, tem formação superior, são economicamente ativos e moradores dos estados das regiões Sul e Sudeste.
Segundo Caldas, a crise está afetando a consciência de consumo. "O recado de 72% dos pesquisados é que o momento é propício para repensar o estilo de vida consumista como um todo", afirma o sociólogo. O estudo também demonstrou que o brasileiro parece não ter internalizado o pessimismo, como fizeram os norte-americanos e os europeus. A razão talvez seja porque uma boa parcela das pessoas, principalmente as acima dos 35 anos, sempre conviveu com momentos de crise econômica no Brasil. "Eles, portanto, são ´descolados´ (procuram adaptar-se rapidamente) em crises", diz Caldas. Desta forma, os entrevistados estão encontrando maneiras de apertar o cinto para minimizar os efeitos do momento. A pesquisa mostra que 70% das pessoas fizeram alguma mudança na maneira de consumir, sendo que 30% destas estão optando por um consumo mais consciente, conservador. "Cada um está definindo o que é essencial e o que é supérfluo", diz Caldas.
Essa tendência por banir o que não é essencial também foi detectada pelo site de pesquisa de comportamento de consumo WGSN, com sede em Londres, na Inglaterra. O site vem pesquisando o comportamento de consumidores do mundo todo - e está atribuindo uma atitude mais conservadora por parte dos indivíduos como um dos efeitos da crise. "O momento é de migração da opulência para a austeridade", confirma Andréa Bisker, diretora da subsidiária brasileira do WGSN. "Diante de um menor orçamento, as pessoas estão fazendo ajustes e, entre eles, está o consumo de artigos atemporais e dos chamados clássicos", afirma Andréa.
Na pesquisa do Observatório de Sinais, as questões ecológicas surgiram como uma das preocupações essenciais. Entre os participantes, 95% relataram alguma mudança em seus hábitos pelo bem do planeta. Destes, 71% estão economizando mais água, 66% estão reciclando o lixo e 42% têm gasto menos energia elétrica. "Cerca de 30% dos indivíduos citaram as sacolas plásticas como as vilãs da poluição ambiental", diz Caldas. Para Andréa, do WGSN, essa preocupação é mais forte ainda entre os consumidores do Hemisfério Norte. "Eles estão de olho nas marcas que apostam na reciclagem e na reutilização de matéria-prima."
Quando se trata de repensar o capitalismo, a pesquisa do ODES apresenta um racha nas respostas. A afirmação "não sendo contra a lei, todo esforço vale para ganhar dinheiro", teve a concordância (total ou parcial) de 84% dos entrevistados. Diante da frase "o acúmulo contínuo de bens ao longo da vida não prejudica ninguém", 49% das pessoas ouvidas pela pesquisa disseram estar de acordo com a afirmação (total ou parcialmente). Apesar disso, 88% dos participantes identificam a ganância como causadora da crise. De acordo com Caldas, essas respostas contraditórias apontam para um caminho ainda não definido totalmente, mas que parece levar a uma rejeição ao consumismo extremo e a uma dúvida sobre o que é certo ou errado nos âmbitos pessoal e coletivo. De qualquer maneira, segundo o sociólogo, é como se o consumismo tivesse ficado fora de moda.
Falando em moda, a pesquisa "Consumo em Tempos de Crise" também apontou uma acentuação da infidelidade do consumidor. Entre os indivíduos interpelados, 80% declaram-se prontos a mudar de loja ou de grife se encontrarem na concorrência um produto similar, mas com preço inferior. No âmbito internacional, as grifes de artigos de luxo estão sentindo o baque. "Os consumidores aspiracionais, ou seja, aqueles que não possuem fortunas e que compravam ocasionalmente, sumiram das lojas", diz Andréa Bisker. Por outro lado, marcas premium que estão lançando produtos com design, porém mais acessíveis, estão em alta. "O consumidor quer ter mais, pagando menos", diz Andréa. Para a pesquisadora, é o momento das marcas pensarem no "slow fashion", em substituição ao "fast fashion". Por essa lógica, as roupas "vintage" ou com aspecto duradouro tendem a ganhar mais clientes.
A questão da sustentabilidade - que já permeava o consumo há algum tempo - parece tender a se intensificar, por conta da crise. A afirmação "vou consumir cada vez mais produtos sustentáveis", apresentada na pesquisa do ODES teve 93% de concordância. Porém, entre estes, há 34% que também querem produtos que sigam as tendências de moda. "Esses consumidores querem conciliar coisas inconciliáveis, como a sustentabilidade com a renovação permanente do consumo", afirma Caldas. De qualquer forma, segundo Caldas, produtos que sejam apenas inovadores ou "de design" estão perdendo o seu apelo, se não apresentarem um valor de uso efetivo dentro do novo contexto sociocultural. "Definitivamente, a década de 2010 confirma-se como a de transição entre duas lógicas, em direção a uma sociedade e cultura pós-consumista".
Veículo: Valor Econômico