Demanda interna e câmbio reduzem fatia que indústria exporta

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A fatia da produção industrial destinada às exportações encolheu na primeira metade do ano, atingindo 12,7%, abaixo dos 13,1% registrados em todo o ano de 2008. A tendência de queda se iniciou em 2006, depois de ter alcançado um percentual de 14,4% em 2005, segundo estudo da LCA Consultores. A combinação de forte queda da demanda externa por produtos manufaturados e o desempenho razoável do mercado interno explica a perda de importância das vendas externas neste ano, um movimento também influenciado pela valorização do câmbio, ainda que em menor medida, dizem analistas.

 

Os recuos mais significativos ocorreram em setores que produzem manufaturados, observa o economista Douglas Uemura, da LCA. No caso dos fabricantes de veículos automotores, as exportações abocanharam apenas 9,4% da produção no primeiro semestre deste ano, abaixo dos 13,9% de 2008 e menos da metade dos 19,3% de 2005. O tombo também foi forte no setor de máquinas e equipamentos: na primeira metade de 2009, a parcela exportada da produção foi de 11,3%, menos que os 13,6% de 2008 e os 16,9% de 2005. A história é diferente no caso dos produtores de commodities. Na indústria extrativa mineral - que inclui o setor de minério de ferro -, a fatia da fabricação destinada ao mercado externo pulou de 48,5% em 2008 para 53,1% no primeiro semestre deste ano.

 

Para Uemura, o diferencial de crescimento do Brasil e do resto do mundo é o principal fator que explica o encolhimento da fatia da produção destinada ao exterior de manufaturados neste ano. "O câmbio valorizado aparece nesse período como algo secundário para essa tendência." O mais relevante é que o mercado interno mantém um desempenho ainda positivo, ao mesmo tempo em que a demanda externa despenca, diz ele.

 

Os números da Ford corroboram a avaliação do economista da LCA. De janeiro a julho, as vendas no mercado interno cresceram 12,3%, enquanto as exportações caíram 45,7%. O diretor de relações governamentais para a América do Sul da Ford, Rogelio Golfarb, diz que o mercado interno foi muito melhor que o de grandes compradores do Brasil, como os principais países da América Latina. No primeiro semestre, as vendas caíram 30% no México, 31,2% na Argentina, 48% no Chile e 47,5% na Venezuela, diz ele. "O desempenho do mercado interno, porém, não foi suficiente para compensar totalmente a queda das exportações", destaca Golfarb. Nos primeiros sete meses do ano, a produção da Ford foi 7,5% inferior ao do mesmo período de 2008.

 

Com uma retração tão violenta da demanda externa, a fatia da produção da Ford destinada às exportações ficou em 14% de janeiro a julho, bem menos que os 26% do ano passado. Para Golfarb, o movimento neste ano e nos últimos três meses de 2008 não teve influência do dólar barato - o tombo foi obra do mergulho do mercado externo. O câmbio valorizado provocou estragos em anos anteriores, avalia ele. A parcela exportada da produção da Ford ficou em 42% em 2005, caiu um pouco em 2006, para 41%, e recuou com força em 2007, para 33%.

 

O economista Edgard Pereira, professor da Unicamp e sócio da Edgard Pereira & Associados, diz que a valorização do câmbio se aprofundou exatamente a partir de 2006, reduzindo a rentabilidade das exportações de manufaturados. "Foi um erro ter permitido a intensificação da queda do dólar nesse período", diz ele, preocupado com as perspectivas da indústria manufatureira num ambiente de câmbio apreciado, não apenas pelo impacto sobre as exportações, como pelo risco de que um eventual aumento das importações roube espaço da produção doméstica.

 

A tendência de valorização e forte oscilação do câmbio nos últimos anos levou a Movelar a desistir do mercado externo. Em 2004, a companhia destinava de 7% a 8% de seus produtos para o exterior. Na época, a ideia era aumentar esse percentual para 20% em 2008 ou 2009, conta Domingos Rigoni, presidente da fábrica de móveis. O vaivém do dólar, contudo, fez a empresa desistir do projeto e focar apenas no mercado interno.

 

"Eu fiquei 20 anos exportando, mas perdi o encanto. Neste ano, não estamos vendendo praticamente nada para o exterior", diz Rigoni, que desistiu de promover os seus produtos lá fora, depois de já ter vendido para 40 países. Em 2004, a Movelar participou de cinco feiras no exterior. "Para quem agrega valor, não dá para competir com o dólar abaixo de R$ 2."

 

A moeda americana cotada a menos de R$ 2 também incomoda a Morganite Brasil, afirma o diretor administrativo financeiro da empresa, Antonio Sergio de Almeida. Ainda assim, o que mais atrapalhou as exportações neste ano foi a queda da demanda dos clientes nos EUA, um dos principais mercados da empresa de cerâmica térmica e carbono, fornecedora de insumos para o setor industrial. Com o menor apetite do mercado americano, dez de cada cem produtos da Morganite foram para o exterior neste ano, menos que os 12% alcançados em em todo o ano passado, diz Almeida.

 

No começo da década, a empresa chegou a exportar cerca de 20% da produção, mas o encolhimento de alguns mercados e o impacto do câmbio valorizado ao longo dos últimos anos derrubaram esse percentual. Mesmo com esses contratempos, Almeida diz que o mercado externo continua fundamental para a empresa, que não quer ficar limitada aos clientes brasileiros. "As exportações continuam estratégicas para o nosso crescimento."

 

Como o Brasil deve continuar a crescer mais do que o resto do mundo no segundo semestre deste ano e também em 2010, Uemura acredita que a fatia exportada da produção industrial brasileira seguirá em queda no que resta deste ano e no ano que vem. A LCA estima que o Brasil vai crescer 4,6% em 2010, um ritmo bem mais forte que os 2,5% esperados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia global. "Toda vez que o mercado interno cresce mais que o externo, há uma tendência de redução do destino das vendas para o exterior", concorda Pereira.

 

A perspectiva de que o câmbio siga valorizado também aponta para essa direção. Os setores mais atingidos deverão ser os produtores de manufaturados, especialmente os que têm a maior parte dos custos em reais. É o caso do segmento de calçados e artigos de couro, que já vem sofrendo nos últimos anos. Em 2006, ele exportava 26,1% da produção, percentual que caiu para 20,5% no primeiro semestre deste ano.

 

Para os produtores de commodities, a situação tem sido diferente. Com a demanda forte da China, especialmente a partir do segundo trimestre, houve setores em que a parcela exportada da produção subiu. Foi o o que ocorreu na já citada indústria extrativa mineral e no setor de celulose, papel e produtos de papel. Nesse segmento, a fatia vendida no exterior passou de 21,1% em 2008 para 23,5% no primeiro semestre deste ano.
 


Veículo: Valor Econômico


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