Finanças públicas: Receita Federal suspeita que haja atraso intencional no recolhimento de impostos
A queda na arrecadação da Receita Federal surpreendeu o governo e, segundo avalia um graduado integrante da equipe econômica, é um indício de que vem crescendo o chamado "financiamento tributário": empresas ainda com dificuldade de caixa preferem atrasar o pagamento de impostos a buscar dinheiro emprestado para fechar as contas do mês. No Ministério da Fazenda, havia a expectativa de que já no trimestre passado a arrecadação começaria a se recuperar. Agora, espera-se que a receita do governo comece a aumentar nos próximos meses.
No fim de 2008, entre as medidas de redução de impostos, o governo suspendeu a exigência de certidão negativa de débitos com a Receita para concessão de empréstimos dos bancos públicos às empresas. Esse fato pode ter incentivado firmas em dificuldades a usar o atraso de impostos como fonte de financiamento, e essa suspeita, no governo se baseia no fato de que continua subindo a arrecadação da Previdência. A exigência de certidão negativa de débitos com a Previdência não foi suspensa no pacote do ano passado.
Entre janeiro e agosto, a arrecadação administrada pela Receita Federal, excluindo as contribuições previdenciárias, caiu quase 6% em comparação ao mesmo período de 2008. As receitas da Previdência Social, porém, cresceram quase 11%.
Também contribuíram para a queda na arrecadação as medidas de desoneração tributária decididas pelo governo, especialmente a mudança na tabela do Imposto de Renda, que deve reduzir em até R$ 5 bilhões a receita do governo, em relação ao ano passado. O Ministério da Fazenda não considera que a redução no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) seja um fator importante de perda de arrecadação, porque, sem ela, provavelmente as vendas que geraram o imposto nem teriam acontecido.
O crescimento da economia além das expectativas deveria, na avaliação do governo, ter reflexo positivo sobre a receita já no terceiro trimestre, o que não aconteceu, pelo contrário. Esse comportamento esfriou a disposição da equipe econômica para conceder qualquer nova redução de impostos, ou mesmo prorrogar as concessões existentes, como a redução do IPI para eletrodomésticos da linha branca, que tiveram estendido até 1º de novembro o prazo para as alíquotas rebaixadas.
A extensão do prazo de redução do IPI, pelo menos até o fim do ano, vem sendo reivindicada pelas empresas do setor como forma de aliviar a pressão do varejo, que começou neste mês a fazer os estoques para as vendas de Natal. A reivindicação foi assumida pelo ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, que a levou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a frustração das receitas do governo faz com que só uma decisão política do presidente possa mudar a disposição do Ministério da Fazenda de rejeitar qualquer nova medida de desoneração de tributos.
O governo vem revendo repetidamente a previsão de receita para este ano, assim como estabeleceu normas para garantir folgas na meta de superavit. Os R$ 522 bilhões previstos no Orçamento submetido ao Congresso foram reduzidos por decreto presidencial, em maio, a R$ 473 bilhões, e em junho a Secretaria da Receita anunciou uma revisão, para pouco mais de R$ 466 bilhões. O governo garante que cumprirá a meta de superavit equivalente a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, mas em setembro fez aprovar no Congresso a ampliação, de 0,5% para 0,94% do PIB dos descontos que poderá aplicar sobre essa meta, para cumprir programas de investimento público.
Apesar de recorrer a artifícios como o atraso na devolução do Imposto de Renda retido em excesso na fonte, o Ministério da Fazenda mantém o discurso otimista em relação à recuperação das receitas e ao cumprimento das metas de superavit nas contas federais. Não há, também, nenhuma medida em estudo para desencorajar as empresas a usarem o "financiamento tributário". O Congresso Nacional prorrogou para até o fim deste ano a suspensão da exigência da Certidão Negativa de Débitos.
Veículo: Valor Econômico