Pão de Açúcar tem 50% do mercado de grandes marcas

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Com a compra das Casas Bahia, grupo aumenta poder de negociação com fabricantes de eletrodomésticos

 

A união das redes varejistas Ponto Frio, Casas Bahia e Extra Eletro vai dificultar a vida dos fabricantes de geladeiras, máquinas de lavar e TVs, entre outros eletrodomésticos e eletrônicos. A nova gigante do varejo, que nasce com faturamento de R$ 18,5 bilhões e 1.015 lojas, além das vendas online, deverá negociar em média metade dos volumes produzidos por grandes fabricantes, como Whirlpool, Electrolux, Samsung, LG e Philips.

 

Segundo cálculos de executivos de indústrias e especialistas do mercado varejista ouvidos pelo Estado, a participação da nova gigante do varejo nas vendas da produção desses fabricantes poderá oscilar entre 40% e 60%, dependendo da empresa. O presidente do conselho do Programa de Administração de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA), Claudio Felisoni, considera esse cálculo razoável, levando-se em conta que só na cidade de São Paulo as Casas Bahia, antes da fusão, detinham 56% das vendas ao consumidor de eletrodomésticos e 61% das de eletroeletrônicos.

 

O poder que a megaloja terá nas negociações com a indústria é nítido para o presidente do Conselho de Administração da nova rede varejista, Michael Klein. "Juntos teremos um poder maior diante da indústria", afirmou na sexta-feira, durante o anúncio do negócio. Em seguida ele fez uma ponderação, acrescentando que o desconto obtido nos preços da indústria será repassado ao consumidor.

 

Na sexta-feira, a apreensão dos fabricantes, surpresos com a notícia da criação de uma empresa gigante em plena cerimônia de inauguração da Super Casas Bahia, em São Paulo, era visível. "Esse é o tipo de notícia que a gente precisa respirar fundo e morder a língua antes de falar alguma coisa", disse um executivo da indústria, presente à festa de inauguração.

 

Outro executivo da indústria abordado pelo Estado na festa disse que a notícia da união das duas empresas era notícia velha. Ele confundiu o novo negócio com a compra do Ponto Frio pelo Pão de Açúcar, fechada em junho. Mas quando entendeu que se tratava de uma nova aquisição, se mostrou perplexo.

 

"A indústria vai se ajoelhar", afirmou outro dirigente do setor, apreensivo com a nova condição dos fabricantes.

 

PREÇOS

 

O deslocamento do equilíbrio de forças nas negociações de preços da indústria para o varejo não é um movimento recente. Com a forte tendência de fusões dos últimos anos, o comércio ficou mais poderoso na hora de ir às compras, invertendo uma equação que antes era favorável ao setor produtivo.

 

No caso das Casas Bahia, a situação era ainda mais peculiar. Segundo especialistas em varejo, a empresa tem pesados custos de operação, cerca de 6% acima da média das empresas do setor.

 

Para manter a sua rentabilidade, ainda segundo os especialistas, a empresa pressionava os fornecedores para cortar preços. Com a nova companhia, que terá compras centralizadas, a perspectiva deve ser de generalização dessa prática.

 

Além dessa questão estrutural que tornava a negociação mais tensa, as Casas Bahia contavam com mais um ingrediente a seu favor. Saul Klein, filho do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, e que há dois meses vendeu a sua participação na empresa para o irmão Michael Klein, era o responsável pelas compras da rede.

 

De acordo com fontes do mercado, ele desempenhava na empresa a sua função de forma admirável. Com a saída de Saul da empresa, substituído pelo executivo Roberto Fulcherberguer, a indústria sentiu-se aliviada.

 

"É que Saul era o dono da companhia e seu poder de fogo era maior na hora de fechar negócio", disse uma fonte ligada à indústria. Ele contou que, certa vez, Saul deixou de comprar produtos de um grande fabricante durante um ano.

 

Para executivos do setor, Fulcherberguer, apesar de bom gestor, não teria a mesma autonomia do antecessor.

 

Fusões fazem número de ações no Cade subir

 

Em janeiro, foram 12 processos; em outubro, 32

 

A rotina de trabalho no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) é um dos sinais de como o Brasil tem seguido a tendência mundial de concentração das empresas. O julgamento dos atos de concentração, como são chamados, têm aumentado no órgão ligado ao Ministério da Justiça. Em janeiro foram 12 casos, em outubro se chegou a 32. De janeiro a outubro foram 400.

 

O alto custo do crédito, o excesso de endividamento e a queda no consumo colaboraram para aumentar a lista de empresas disponíveis para aquisição ao longo de 2009. Na outra ponta, há companhias com fôlego financeiro em busca de economia de escala para se tornar competitivas globalmente.

 

Esse cenário tem feito com que as companhias, passada a ressaca da crise, retomem os planos de aquisição.

 

O volume financeiro envolvido em fusões e aquisições no terceiro trimestre superou o do ano passado. Segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), no período, houve 55 operações de fusão/aquisição, com um movimento de R$ 102,3 bilhões, enquanto no mesmo período de 2008, foram 77 negócios, num total de R$ 79 bilhões. Com o negócio entre Pão de Açúcar e Casas Bahia os números da Anbid devem ter uma significativa mudança.

 

Foi nesse ambiente aquecido que a direção da mexicana Mabe anunciou em julho a compra da concorrente BSH (dona das marcas Continental e Bosch) e passou a ser dona de um quarto do mercado de linha branca no Brasil. O mesmo clima motivou Abílio Diniz a arrematar em junho o Ponto Frio. Também foi o caminho seguido pela Perdigão ao comprar em maio a endividada Sadia para se tornar a maior empresa de alimentos do País.

 

Em março, outro negócio de peso envolveu a Cosan, maior grupo sucroalcooleiro do Brasil, detentora da marca Da Barra, e a NovAmérica, dona da União - as duas marcas de açúcar mais consumidas no País.

 

Há um ano, o Brasil viu um negócio bilionário no setor financeiro, que alçou o Itaú Unibanco ao 20º lugar entre as instituições financeiras do mundo. Em abril de 2008, no setor de telefonia, a Oi arrematou a Brasil Telecom.

 

No escritório Demarest Advogados, um dos principais do País, há cerca de 15 operações simultâneas de fusões e aquisições. Segundo o advogado Paulo Rocha, especializado na área, aos poucos se chega ao mesmo nível do primeiro semestre de 2008. "Pode ser como no caso da Brahma e da Antarctica, em que se buscava ganhar peso para disputar o mercado mundial, ou por problemas efetivamente financeiros, como se viu com a Sadia e a Perdigão", diz.

 

Sócio do Moreau Advogados, Pierre Moreau, especialista em direito concorrencial, diz que as fusões e aquisições são um fenômeno que começou nos anos 80 com o início do movimento de livre trânsito de capitais. "Isso mudou a perspectiva do que era um mercado realmente relevante. A base de negócio passou a ser muito mais ampla. A consequência é que hoje, quando se fala em fusão e aquisição, não dá para olhar apenas para o mercado interno, mas também o internacional."

 

Quando os grandes negócios são anunciados, é costumeiro entre os empresários prometer benefícios ao consumidor. Mas nem sempre se passa do discurso à prática. Para o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, o risco da concentração pode ser amenizado com as importações, dependendo do caso, que facilitam a regulação de um mercado monopolizado. Mas ele lembra que o que se espera de grandes negócios é que a economia de escala seja repassada ao consumidor. "Ou se tira o lucro do corte de custos ou do aumento da pressão sobre fornecedores. Cabe a órgãos como o Cade fiscalizar se há abusos."

 

Uma das formas de fiscalizar é por meio dos órgãos de defesa do consumidor. Roberto Pfeiffer, diretor executivo do Procon-SP, lembra que em tese o consumidor deveria ganhar com as megacorporações, que conseguem melhores preços com fornecedores. "Mas pode acontecer de simplesmente embolsarem esse lucro ou até aumentarem os preços por falta de concorrência".

 

Antônio Carlos Borges, economista e diretor executivo da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio), é contra a concentração de mercado. "O impacto para as pequenas e médias empresas é grande e pode significar o fim de um empreendimento." Apesar do avanço das megacorporações, as PMEs ainda são responsáveis pela maior parte dos empregos criados no País.

 

Veículo: O Estado de S.Paulo


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