Estrangeiros cobiçam os laboratórios nacionais

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Mercado: Economia em expansão atrai investidores internacionais


Perto de fazer 40 anos, o laboratório Cristália passou a se sentir "a menina bonita da vez" com a quantidade de cantadas que vem recebendo em Itapira, interior de São Paulo. Não menos assediado, o paulistano Biolab, de apenas 13 anos, já ouviu promessas que levariam muita empresa às alturas, como a de lhe pagarem "vinte vezes a sua geração de caixa". E, no Rio, o veterano Daudt, de 128 anos, resiste pelo menos uma vez por semestre aos artifícios de algum sedutor.


Cada vez mais comuns, histórias como essas mostram que, para um numeroso grupo de laboratórios estrangeiros, adquirir ativos no Brasil tornou-se quase uma obsessão. O presidente da Biolab, Cleiton de Castro Marques, estima haver neste momento entre 30 e 50 empresas de outros países farejando oportunidades no mercado brasileiro. Com o caixa forrado e ilesas depois da crise, elas são movidas, entre outros fatores, pela perspectiva de quebra de 40% das patentes mundiais nos próximos dois anos, o que as obriga a uma rápida renovação do portfólio.


Além disso, a economia em expansão e uma das maiores populações do mundo em processo de envelhecimento fazem do Brasil um dos mercados mais promissores na área de medicamentos. Segundo Marques, nos próximos anos um grupo de seis países emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e Coreia) deve crescer, em termos de valores, mais do que Estados Unidos e Europa juntos. Em 2009, a indústria farmacêutica brasileira faturou R$ 30,2 bilhões.


É nesse cenário movimentado que as empresas de capital nacional terão o desafio de manter a trajetória de avanços que, nos últimos cinco anos, levou-as a ampliar de 37% para 45% a participação nas vendas de medicamentos no país, segundo a consultoria IMS Health. Boa parte desse salto deve-se ao sucesso dos genéricos, segmento em que atuam grandes players brasileiros, como a EMS, e que em 2009 respondeu por quase 20% dos remédios vendidos no país, de acordo com a Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pro-Genéricos).


Muito além de uma postura defensiva, algumas empresas mostraram que querem crescer por meio de aquisições, como a Hypermarcas, que no ano passado desbancou a americana Pfizer na disputa pela Neo Química.


"Eu também sou comprador. Estou procurando, mas não consigo. Mercadoria boa está rara", comenta Marques, mencionando a escalada no valor de mercado das empresas.


Com faturamento de R$ 540 milhões em 2009, a Biolab anunciou uma joint-venture com a alemã Merz para atuar na área de produtos estéticos, mas diz que não faz parte de seus planos abrir mão do controle. "A gente continua acreditando no Brasil. Temos nosso negócio, nossos filhos estão trabalhando... Queremos mostrar que é viável ter uma indústria de pesquisa no país", diz Marques.


As também empresas familiares Cristália e Daudt dificilmente mudarão de dono, se depender de seus presidentes, Ogari Pacheco e Ricardo Daudt. "Existe a possibilidade de crescimento orgânico ou por aquisições. Nós analisamos as duas", afirma Pacheco, acrescentando, sem entrar em detalhes, que a companhia está analisando negócios. "Pode ser que saia, pode ser que não saia". Em 2009, o faturamento do Cristália atingiu R$ 600 milhões, aumento de 5% em relação a 2008. Para 2010, a previsão é de 15% de crescimento.


Com receita de R$ 31 milhões em 2009, o Daudt foi cortejado por companhias nacionais, fundos de investimento e empresas estrangeiras querendo iniciar operações no Brasil. Mas, apegado à centenária história do laboratório, o atual dono e presidente não parece disposto a ceder o lugar ocupado por seu bisavô, em 1882, e que um dia pode caber a seu filho, o atual gerente de marketing, de 28 anos.


Mas os planos dessas e outras empresas nacionais que atuam no setor farmacêutico - cerca de 500, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - nem sempre encontram as melhores condições para ir adiante. Excesso de tributação, ineficiências regulatórias e incentivo insuficiente por parte do governo estão entre as queixas mais frequentes de empresários e representantes da indústria.


Segundo eles, a remoção desses entraves é fundamental para o país superar deficiências como o déficit da balança comercial e a falta de inovação. Para se ter uma ideia, os investimentos em P&D na indústria farmacêutica brasileira representam, em média, apenas 0,7% da receita líquida das empresas, enquanto nas líderes mundiais oscila entre 15% e 20%.


Embora identifique avanços nos últimos anos - principalmente a criação de uma política industrial -, o presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac), Carlos Alexandre Geyer, diz que o governo mantém parte dos comportamentos contraditórios que caracterizaram administrações anteriores. Ele dá o exemplo da carga tributária dos medicamentos, que chega a 35%. "É uma política esquizofrênica: ao mesmo tempo em que o governo quer promover o acesso, mantém uma tributação altíssima."


Alvo de críticas generalizadas no setor, a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) merece reparos de Geyer: "A Anvisa peca pelo excesso. Muitas vezes extrapola o que seria a regulação sanitária necessária e adequada e vai para o detalhe desnecessário, que não agrega nada em segurança para o mercado e em benefícios para o consumidor, mas gera problemas para a produção e para a exportação", diz..


Geyer comenta ainda que algumas decisões da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed) não consideram os investimentos em inovação feitos pelos laboratórios. Criada em 2003, a Cmed é um órgão interministerial que estabelece um preço máximo para cerca de 85% dos medicamentos vendidos no país.


Uma das apostas do governo para aumentar o patamar de inovação é o fortalecimento das empresas nacionais, com o desejo de apoiar a formação de um grande grupo com recursos do BNDES. Enquanto isso, outras iniciativas são tomadas, como a formação de parcerias público-privadas, que deram aos laboratórios oficiais - hoje com ociosidade média de 50% - um papel relevante na incorporação de novas tecnologias. "Com as parcerias, a utilização da capacidade instalada vai aumentar muito e atingir cerca de 85% nos laboratórios que firmaram acordos no ano passado", diz o presidente da Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (Alfob), Luciano Vasquez Mendez. 


Brasil se torna plataforma de abastecimento da AL


A balança comercial do setor farmacêutico segue o ritmo dos negócios no mercado doméstico. Os números indicam que as exportações brasileiras evoluíram de forma expressiva nos últimos três anos, saltaram de US$ 403 milhões em 2000 para US$ 1,5 bilhão. Já as importações no período passaram de US$ 2,8 bilhões para US$ 6,11 bilhões, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).


No que diz respeito aos embarques, Nelson Mussolini, vice-presidente executivo da Sindusfarma, acredita que o Brasil está se transformando em uma das principais plataformas de abastecimento da América Latina. As vendas são destinadas, também, aos mercados asiático, africano, europeu e ao Oriente Médio.


Das exportações de medicamentos contabilizadas no período, 80% resultaram de contratos fechados por laboratórios associados à Interfama, o presidente Antonio Brito. A entidade representa 31 companhias, das quais a maioria (71%) é de origem europeia. As demais são dos Estados Unidos e da Ásia. A tendência é de expansão do embarque, como indica o planejamento das companhias.


A brasileira Biolab Farmacêutica, por exemplo, tem planos de comercializar parte de seu portfólio no mercado africano a partir deste ano. A empresa fabrica medicamentos vendidos com prescrição médica, que inclui cardiologia, endocrinologia, ginecologia, dermatologia e pediatria. O volume de exportação é pequeno, diz Márcio Falci, diretor de PD&I. Com fábrica nos municípios paulistas de Taboão da Serra e Jandira, e uma unidade de pesquisa e desenvolvimento em Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo, a Biolab estima terminar o exercício 2010 com faturamento de aproximadamente R$ 600 milhões. No primeiro ano de operação, em 1994, a receita foi da ordem de R$ 27 milhões.


A francesa Sanofi-Aventis destina 10% de sua produção para o exterior. "Mas os planos são de ampliar as exportações", diz Heraldo Marchezini, diretor-geral. Os medicamentos genéricos fabricados na planta de Sumaré, que pertencia à Medley (comprada em 2009) se destinam à América Latina e alguns mercados asiáticos.


Já a planta de Suzano é de classe mundial e pode abastecer a Europa e os EUA. Essa unidade concentra a produção global de medicamentos para tratamento da Leshiomaniose, que tem como principal destino os países da Ásia nos quais é grande a incidência da doença. Com essas ações, a expectativa de Marchezini é de fazer do Brasil a quinta operação do grupo Sanofi-Aventis no mundo em no máximo dois anos. Atualmente, a unidade brasileira é a oitava colocada no ranking do grupo.


Segundo ele, as oportunidades no mercado externo surgem em decorrência da otimização da linha de produção. Sobre importações, ele diz que o movimento é pouco representativo para a empresa, não mais do 5%.


A Novartis quer fazer da planta de vacinas que está construindo em Pernambuco ponto de partida para o abastecimento da América Latina. Quando entrar em operação, em 2014, irá empregar 120 funcionários. Os planos são de atender, também os Estados Unidos e a Europa e, principalmente, a África.
 

Veículo: Valor Econômico


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