O maior negócio do varejo brasileiro está sob análise. E o sinal amarelo não foi aceso pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Há cerca de uma semana, a família Klein, dona da Casas Bahia, contratou o escritório Pinheiro Neto Advogados para fazer a revisão do acordo de fusão entre a varejista e o Grupo Pão de Açúcar, firmado no início de dezembro. Segundo fontes próximas às empresas, a família Klein acredita que tudo o que havia sido combinado com Abílio Diniz, controlador do Pão de Açúcar, não foi para o contrato redigido pelo escritório Tozzini Freire Advogados, que na época assessorou as companhias. Agora, a Casas Bahia se sente em desvantagem e pede revisão. Procuradas pelo Valor, as empresas não quiseram se pronunciar.
Um dos principais pontos que incomodam a Casas Bahia é o prazo existente no acordo para que os Klein possam vender a sua participação na nova empresa, criada com a fusão dos ativos das varejistas. Pelo acordo de acionistas, a Casas Bahia fica impedida de vender as ações da nova empresa pelo período de um ano. Dentro de 12 a 48 meses, eles poderão vender 29% dos papéis que possuem. Entre 49 e 72 meses, a fatia disponível sobe para 49% e apenas a partir do 73º mês - ou seja, a partir de 2016 - todos os papéis ficam desbloqueados. A questão é que a Casas Bahia quer se desfazer de uma parcela maior das ações num prazo mais curto de tempo.
"Eles começaram a achar que levariam muitos anos para que pudessem embolsar sua participação no negócio", disse ao Valor uma fonte próxima às negociações. Pelo acordo assinado, o Pão de Açúcar estaria livre para negociar os papéis sob seu controle a partir do terceiro ano de operação da nova empresa. Mas, ao contrário da Casas Bahia, não há uma porcentagem pré-definida para isso.
A insatisfação por parte de Michael Klein e Samuel Klein, presidente e fundador da Casas Bahia, respectivamente, começou a ser ouvida pelos corredores da varejista, com sede em São Caetano (SP), no começo do ano. Em janeiro, a revisão do acordo começou a ser tratada como uma questão de urgência. No contrato assinado, as redes tinham 120 dias (até o início deste mês) para se pronunciarem em relação a qualquer aspecto antes da assinatura final do acordo.
Segundo o Valor apurou, pouco antes desse prazo terminar, a Casas Bahia decidiu interromper as conversas com o Pão de Açúcar e buscar apoio jurídico. Contratou, então, o Pinheiro Neto. No acordo, a Casas Bahia tem 49% das ações ordinárias da nova empresa (a Globex ampliada com Ponto Frio e Casas Bahia) e o Pão de Açúcar, 51%.
Outro ponto que pode ser passível de mudanças é o valor nos ativos definido na primeira fase de negociação, em 2009. Pelo acordado, os ativos da Casas Bahia precisam ser aportados dentro da nova empresa e devem corresponder a um aluguel mensal aos Klein. O problema é que a Casas Bahia tem batido na tecla de que os ativos foram subavaliados. Por causa disso, o aluguel das lojas ficaria abaixo dos R$ 130 milhões ao ano, calculados em conjunto pelas duas empresas no início das negociações. Além disso, o processo de "due diligence" nos ativos da Casas Bahia ainda não teria terminado dada a complexidade da operação.
Fontes no mercado começaram a questionar pontos do acordo já no período de anúncio da parceria. No fechamento do contrato, os dois lados usaram um único escritório, o Tozzini Freire, e um só assessor financeiro, a Estáter, o que tornou a negociação mais rápida e, talvez por isso, menos criteriosa. O Tozzini atendeu as duas empresas porque já havia atuado na venda das ações de Saul Klein, filho do fundador da Casas Bahia, que deixou a empresa na metade de 2009, e também por ser o escritório da francesa Casino, sócia do Pão de Açúcar. A Estáter, de Pérsio de Souza, o homem de confiança de Abilio Diniz, foi a responsável por desenhar os detalhes do contrato.
A indústria já começou a sentir a pressão vinda da união entre as duas maiores empresas de varejo de eletroeletrônicos e móveis do país. Em janeiro, as empresas chegaram a anunciar aos fornecedores que as compras para as redes Casas Bahia, Ponto Frio e Extra seriam unificadas, sob o cadastro nacional de pessoa jurídica (CNPJ) da Casas Bahia. O Cade, no entanto, afirmou em fevereiro que a fusão poderia prosseguir desde que, entre outros itens, a estrutura comercial das redes se mantivesse independente. Teve início, então, o acirramento da queda de braço entre as varejistas e os fabricantes.
"Eles queriam nivelar os preços por baixo, usando sempre o menor preço praticado pela indústria com alguma das três redes", diz o executivo de uma fabricante de eletrodomésticos. A indústria bateu o pé: enquanto as varejistas atuarem em separado, as negociações seriam separadas. "Mas sabemos que o Raphael Klein [presidente da empresa resultante da união] tem o preço das três redes na sua mesa".
No que se refere à linha branca, ainda há dois ou três meses de fôlego, diz o executivo. "Houve uma grande compra no início do ano, por conta do fim da redução do IPI, uma vez que os varejistas contavam também com o período posterior, de queima de estoque", afirma. Assim, os contratos de compra no primeiro trimestre se mantiveram independentes. "Agora, estamos no meio da negociação para os próximos meses e isso pode se estender durante algum tempo".
O executivo afirma que esse expediente, de comprar pelo menor preço, já começou a ser usado por Ponto Frio e Extra. (Colaborou Vanessa Adachi, de São Paulo)
Veículo: Valor Econômico