Meus temperos: Avanço da gastronomia favorece marcas tradicionais e abre novos nichos de mercado.
Os brasileiros não costumam entrar num supermercado pensando em comprar temperos. A crença é de Nelusko Linguanotto Jr., da Bombay, cuja família tem mais de 30 anos de experiência na produção de especiarias. Ao que tudo indica, no entanto, esse hábito está mudando. É a única maneira de explicar o mercado crescente e aquecido, no qual marcas novas, embaladas com sofisticação, ganham espaço cada vez maior.
Basta um passeio pelo corredor de temperos dos supermercados para perceber que o reino das especiarias está em plena efervescência. Resultado evidente do crescimento do mercado gastronômico como um todo. Entre as novidades há produtos nacionais e importados, de diversas procedências.
Uma das marcas que chama mais atenção pelas embalagens é a sul-africana NoMU, que está há um ano e meio aqui e acaba de lançar os "fonds" - líquidos concentrados que servem como base de caldos. A criadora da marca, Tracy Foulkes, uma branca bem-nascida da Cidade do Cabo, decidiu desenvolver uma linha de temperos gourmet, sem corantes ou conservantes, que possibilitasse o preparo de pratos típicos de vários países. Surgiram, então, os "rubs", mistura de temperos indianos, marroquinos, mexicanos.
A NoMU - que também está no Chile - desembarcou aqui por intermédio da Latinex Internacional, de Curitiba, empresa de Eduardo Moraes. A resposta do público tem sido boa o suficiente para que os lançamentos continuem. "A verdade é que ainda temos pouca oferta além dos temperos que nossas avós usavam", diz Moraes.
Até o fim do ano, a Latinex vai importar mais quatro temperos da NoMU e produtos premium de outras marcas. Uma linha de vinagres de champanhe e vinho e azeites de oliva prensados com frutas cítricas da Califórnia. E mais: favas de baunilha com denominação de origem de Madagascar, Taiti, México, Nova Guiné e Uganda.
"Escolhemos o nicho do nicho, um público muito seleto, que viaja, tem contato com outras culturas e quer novidades", diz Moraes. Animado pelo que define como "resposta fantástica do mercado", ele projeta aumento de 30% a 40% no faturamento neste ano, impulsionado pelas novas marcas e produtos e pela expansão de vendas para o Nordeste e Centro-Oeste.
A época também é de comemorações para o ex-estudante de gastronomia da Le Cordon Bleu, Filipe Baccarin. Decidido a provar que temperos secos também podem ter sabor - a opinião generalizada é que os frescos são incomparáveis -, ele montou, no fim de 2009, uma linha de especiarias orgânicas e ecológicas em Piracaia (SP). A partir deste mês, os produtos serão vendidos nas lojas top do Pão de Açúcar em várias capitais do país.
A parceria entre o Pão de Açúcar e a marca "Filipe Baccarin - art et gastronomie" representa um aumento na produção de 10 para 25 quilos semanais. "Agora preciso pensar em escala", diz ele, ao ressaltar a diferença de seus temperos. "Uso apenas as folhas e descarto as hastes. E levo sete dias para secar as ervas, enquanto o habitual é reduzir o processo a oito horas, o que retira parte do sabor".
O orégano da Baccarin, de fato, tem pouca semelhança com o que costuma ser vendido como tal. Aromático e saboroso, é um dos produtos de maior sucesso da linha. Mas se os temperos secos suprem os problemas sazonais, também mantêm limitações estruturais. Se você tem folhas frescas de manjericão à disposição, porque iria substituí-las pela versão seca no molho de tomate?
Há quem não pense assim. Do manjericão aos temperos mais exóticos, a demanda por especiarias de fácil conservação é cada vez maior. O que constata o veterano Nelusko Linguanotto, sem se intimidar com as novas marcas. "Esses concorrentes têm qualidade, são pessoas que estão agregando valor ao segmento", afirma. É fato que ele também não tem do que reclamar, com um crescimento médio de 25% nos últimos cinco anos.
O forte da Bombay, cuja linha soma 170 especiarias e 40 pimentas, é o mercado de hotéis e restaurantes, o chamado "food service", do qual a empresa é uma das líderes. Até pouco tempo, a marca tinha apenas uma loja no bairro dos Jardins, em São Paulo, voltada para o varejo. Em fevereiro, abriu um quiosque no Morumbi Shopping e já planeja mais três nos próximos meses, todos em shoppings: Higienópolis, Anália Franco e Iguatemi de Campinas. Em cada quiosque há dois funcionários para explicar o uso adequado das especiarias.
Fiel à tese de que ninguém entra no supermercado para comprar temperos, Linguanotto vai abrir, em breve, a franquia dos quiosques - um modelo de negócio que, segundo ele, tem sido procurado por gente de todo o país. "Eu sempre disse que o problema do consumo de especiarias era a falta de informação do público e de disponibilidade dos produtos. Aos poucos, estamos caminhando para melhor".
Veículo: Valor Econômico