Rumores são reforçados por um escândalo que envolve brigas familiares, doações políticas e sonegação pela bilionária Liliane Bettancourt
Andrei Netto, correspondente em Paris - O Estado de S.Paulo Uma crise política capaz de balançar o Palácio do Eliseu, e outra familiar, ambas em curso na França, podem ter implicações diretas na relação entre duas multinacionais europeias líderes em seus setores: Nestlé e L"Oréal. O pivô dos conflitos é o mesmo: a bilionária Liliane Bettencourt, 87 anos, a mulher mais rica do país, herdeira da gigante francesa de cosméticos e sócia do grupo suíço.
Por trás de intrigas pessoais e denúncias políticas, há um impasse que envolve as ações da L"Oréal ainda nas mãos da herdeira, que impede que a Nestlé assuma o controle da empresa.
A disputa entre a holding da família Bettencourt e a Nestlé vem crescendo ao longo da década. De um lado, está a herdeira de Eugène Schueller, fundador da L"Oréal, ainda detentora de 31% das ações da companhia. De outro, está a Nestlé, que em 1974 adquiriu 29,8% da empresa.
O atrito entre os dois maiores acionistas da número 1 mundial de cosméticos se intensifica porque em 2014 chega ao fim o Pacto de Acionistas assinado com os Bettencourt, que impede a venda de ações da família para os suíços. O fim do acordo abriria as portas à Nestlé, que tenta nos bastidores assumir o controle da L"Oréal - uma mina de ouro que emprega 65 mil pessoas, tem um valor de mercado de 47 bilhões e tem registrado crescimento ininterrupto nos últimos 15 anos.
Crise familiar. Esse conflito entre a família e o grupo suíço estaria na origem das duas crises que hoje balançam a França. A primeira delas é familiar. Entre 2001 e 2009, Liliane Bettencourt doou ao fotógrafo François-Marie Banier, seu amigo, cerca de ? 1 bilhão. As transferências levaram a filha, Françoise Bettencourt-Meyers, a pedir à Justiça a interdição da mãe, sob o argumento de que a bilionária estaria sob influência e seria, em consequência, "passível de exploração".
Para subsidiar o processo, Françoise Bettencourt teria encomendado escutas telefônicas clandestinas das linhas telefônicas da mãe. Apesar de o pedido não ter obtido sucesso na Justiça, o caso acabou dando origem ao escândalo político (leia abaixo), o maior do governo do presidente Nicolas Sarkozy.
Preocupada com a amplitude da crise política, Liliane Bettencourt veio à público e na última semana e comentou as denúncias na rede de TV TF1. "Tudo isso é muito exagerado", sustentou, naquela que foi sua segunda entrevista nos últimos 40 anos. "Eu compreendo que a opinião pública esteja chocada, mas é preciso contar cada euro que se doa? Não."
Já para responder às acusações da filha, Liliane usou de veneno. "Eu compreendo muito bem que uma filha tenha ciúmes de sua mãe. Eu também tinha ciúmes de meu pai quando o via com mulheres ao seu redor", atacou a matriarca.
Por trás das disputas familiares e políticas, suspeitam intelectuais, políticos e empresários franceses, estaria a mesma motivação: a luta pelo poder na L"Oréal entre a holding de Bettencourt e a Nestlé.
Em 2004, a matriarca cedeu suas ações aos seus herdeiros, mas preservou sua "reserva de usufruto" - ou seja, mantendo seus direitos de voto e seus dividendos. Decorreriam daí as duas frentes de pressão para afastar a bilionária de seus negócios: a primeira é a judicial, que pode resultar na interdição de Liliane - e, por consequência, na transferência dos direitos de voto a seus herdeiros; a segunda é midiática, e decorre de seu envolvimento com o poder.
Veículo: O Estado de S.Paulo