Para especialistas, China estaria usando outros países para exportar seus produtos
A aplicação de um preço mínimo de US$ 13,38 (por par) fez as importações de calçados chineses pela Argentina recuarem 69% nos cinco primeiros meses de 2010. Estranhamente, porém, a medida antidumping argentina não aumentou em nada as vendas de calçados do Brasil ao país vizinho.
Em compensação, as exportações da Indonésia ao mercado argentino mais do que dobraram na comparação com o ano passado. O Vietnã está assumindo a segunda posição na lista de principais fornecedores. E a Malásia, que não havia mandado um único sapato à Argentina em 2008 e em 2009, já vendeu mais de 538 mil pares só até maio.
Os números evidenciam, na visão de especialistas em comércio exterior e da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), que a China está usando outros países do Sudeste Asiático como plataforma de exportação não apenas para chegar ao Brasil, mas também para burlar a medida antidumping adotada pelo governo argentino em março. Como fez o seu sócio no Mercosul, o Brasil também impôs uma barreira contra os calçados chineses, embora tenha optado por uma sobretaxa de US$ 13,85 por par, em vez do preço mínimo.
"As empresas chinesas têm feito convênios com fabricantes de calçados do Sudeste Asiático que servem de plataforma de exportação", diz o economista Alejandro Ovando, diretor da consultoria IES, que fez um estudo sobre o assunto.
Segundo ele, são falsas alianças comerciais, em que a China manda a seus vizinhos até 90% do produto terminado. Um terceiro país da região acrescenta o restante e fornece uma etiqueta, por exemplo, de "Made in Vietnam", embora não tenha a proporção mínima de conteúdo nacional . Com isso, promove-se uma triangulação para burlar as barreiras contra os calçados chineses e entrar na Argentina sem a aplicação do antidumping.
O presidente da Abicalçados, Milton Cardoso, afirma que há casos ainda mais grosseiros de irregularidades. De acordo com a entidade industrial, foram detectados escritórios de comércio exterior, na Ásia, que prometem fornecer os documentos necessários para falsificar a origem do produto. Só isso explica, diz o executivo, o avanço nas importações de países como a Malásia, que tem uma produção ínfima de calçados. "Isso exige medidas de combate aos fraudadores."
A maior preocupação da Abicalçados é com o mercado doméstico, já que a concorrência do produto chinês não diminuiu após a aplicação do antidumping. Mas há frustração também com o que vem ocorrendo na Argentina, mercado tradicional para os calçadistas brasileiros, já que se esperava recuperar boa parte das vendas perdidas para a China ao longo dos últimos anos.
No entanto, as exportações brasileiras para a Argentina ficaram estagnadas em 3,3 milhões de pares. Em relação a 2008, as vendas caíram quase 30%. Por isso, Cardoso pede que o governo brasileiro coloque o assunto em discussão com as autoridades argentinas, na próxima reunião do comitê de monitoramento do comércio bilateral, ainda sem data definida.
Ele lembra que os fabricantes brasileiros aceitaram, voluntariamente, estabelecer um limite anual de 15 milhões de pares às exportações de calçados para o país vizinho e se comprometeram com investimentos na Argentina. "Mas um dos princípios basilares é que não haja desvio de comércio", ressalta Cardoso.
Veículo: Valor Econômico