O grupo francês Carrefour informou ontem que os ajustes contábeis em andamento nas contas da subsidiária brasileira vão reduzir o lucro operacional da empresa no mundo. O Valor apurou que a rede poderá ter que rever créditos tributários já incorporados à operação no Brasil.
As perdas já contabilizadas devem custar à varejista uma redução de € 100 milhões (R$ 231 milhões) no lucro da rede francesa previsto para este ano. Há esse encolhimento porque a companhia precisou contabilizar no balanço € 180 milhões (R$ 415,9 milhões) como "encargos extraordinários" do grupo no Brasil. "Além dos encargos pontuais relacionados ao Brasil, resultado da auditoria em andamento, a estimativa é que tenhamos um resultado operacional de 3 bilhões em 2010", disse o presidente mundial do Carrefour, Lars Olofsson, em nota. O valor anterior era de € 3,1 bilhões, ou seja, uma redução de € 100 milhões.
Conforme o Valor informou no último dia 4 de outubro, a rede Carrefour no Brasil está sob auditoria da KPMG, a pedido da matriz, porque a empresa computou valores em sua receita, que faziam parte de uma bonificação de compra de mercadorias acertada com a indústria. Esse montante acabou não entrando em seu caixa, pelo menos, nos últimos dois anos.
A empresa informou ontem que foram identificadas no Brasil "questões adicionais específicas relacionadas a bonificações, litígios tributários e baixa contábil em estoques". Em relação aos tributos, há uma pendenga a resolver e que começa a ficar mais clara. Segundo o Valor apurou, o Carrefour teria incorporado nos resultados créditos tributários de ICMS que são obtidos em cima da entrada das bonificações das mercadorias. Essa incorporação é legal, mas a questão é que se o bônus não entra efetivamente nas contas, esse crédito precisa ser estornado.
Além da questão das bonificações, há dois outros custos que estão pesando nas contas da rede: tributário e de estoque. Quando a rede francesa fechou no Brasil as "negociações por volume", ela recebeu uma bonificação, que pode ser em dinheiro ou em mercadoria, por estar comprando volumes maiores do fornecedor. Se a bonificação acontece por meio de mercadorias, o lote comprado vai para o estoque da loja. Se vender tudo, entra como receita. Do contrário, é preciso dar baixa do valor no inventário da rede.
"Pode parecer loucura entrar nessa negociação e aumentar o custo fixo da rede com estoque maior", diz um executivo de uma rede varejista. "Mas ele ganha porque a rede combina com a indústria de pagá-la em um prazo bem longo e, enquanto isso, a receita com a venda vai inflando os resultados", diz ele. Esse é um modelo de negociação, mas há outro mais comum: bônus em dinheiro, que também explicaria o atual problema do Carrefour, segundo informações obtidas ontem pelo Valor. A rede teria computado, na conta da receita, bônus em dinheiro em acordos de compra e venda com a indústria.
"Se a rede vende mais um determinado produto, a indústria pode conceder uma espécie de bônus em dinheiro. Se a loja acredita que vai receber isso e já dá baixa no resultado, a receita vai crescendo. A questão é que se esse bônus não entrar por qualquer razão, isso precisa ser provisionado", explica um outro executivo, ligado a uma rede supermercadista.
Na França, o Carrefour não dá detalhes sobre as negociações e nega, até o momento, a evidência de má conduta na administração das contas de rede brasileira. Informa ainda que essa análise nos resultados da rede está ocorrendo porque a companhia decidiu rever o modelo de hipermercados no mundo e no Brasil. Com isso, passou a analisar mais profundamente as operações no país. No Brasil, a rede informou ontem, em nota, que a auditoria externa nas contas, feita pela KPMG, está em curso e deve terminar até o fim do ano.
Veículo: Valor Econômico