As melhorias na qualidade das rodovias, o crescimento da produtividade das ferrovias a partir da privatização, em 1997, e o avanço nos processos e nas instalações portuárias registrados nos últimos anos ainda não foram suficientes para superar deficiências crônicas da infraestrutura de transporte no país. As mudanças, quando considerado o tamanho dos gargalos intermitentes nos fluxos de cargas, foram aparentemente incapazes de afastar o fantasma do 'apagão logístico'. Os investimentos públicos ou privados na infraestrutura de transporte nem de longe são o bastante, segundo os especialistas, para por ordem na casa e suportar o crescimento econômico esperado não só para este ano, na faixa de 7%, como para os próximos, em faixas inferiores, em torno de 4%.
Segundo o professor Paulo Fleury, CEO do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), o Brasil tem necessidade de investir cerca de 5% do PIB em infraestrutura de transportes nos próximos cinco anos para eliminar o atual déficit de obras e manutenções. Com as provisões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), esse investimento pode chegar a, no máximo, 0,7% do PIB, calcula.
O tempo também não trabalha a favor. Fleury lembra que há promessas de aplicação de R$ 200 bilhões em obras que têm a conclusão prevista para depois de 2014. A economia avança em ritmo acelerado e as obras em ritmo oposto, avalia.
Faltam rodovias, ferrovias, hidrovias, terminais portuários e também espaço aéreo. Além disso, as reclamações de quem precisa movimentar a carga recaem também nos processos burocráticos e aduaneiros, percebidos como morosos, complicados e custosos. Pesquisa do Instituto Ilos, feita neste ano com 300 empresas-clientes de operadores logísticos, apura que a infraestrutura é avaliada como regular, com nota média de 5,2, em escala de 0 a 10. O modal aéreo tirou a maior nota (6,6) e o ferroviário, a menor (4,2).
As cargas de commodities, agrícolas especialmente, são as que mais sofrem com os problemas estruturais de transporte, pois o custo logístico não é repassado aos clientes. Para elas, a ferrovia ou a hidrovia são os modais preferenciais. A indisponibilidade de rotas, de vagões e de equipamentos, aliada ao alto custo dos fretes, têm sido os grandes entraves para a utilização dos serviços de transporte ferroviário.
A operação hidroviária ainda não chega a ser uma opção. O desenho geográfico dos rios, problemas de dragagem e até mesmo falta de controle de processos não estimulam nem mesmo o uso da pouca disponibilidade vias navegáveis. "Estamos contratando estudos junto ao Banco Mundial para traçar um Plano Estratégico Hidroviário", afirma Adalberto Takarski, superintendente substituto da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), responsável pela navegação de interiores.
Segundo Takarski, a equipe está fazendo um benchmarking junto a países como Holanda, Bélgica e Estados Unidos, para definir medidas que levem ao melhor aproveitamento do potencial brasileiro. "A descentralização da produção brasileira e a mobilidade social das regiões Norte e Nordeste exigem, mais do que nunca, o resgate das hidrovias", diz.
Os especialistas capturam a reconfiguração de produção e a ampliação geográfica das áreas de consumo em pesquisas. Projeções da GS&MD Gouvêa de Souza, consultoria em logística estratégica para o varejo, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que a média de crescimento do varejo, de 10,5% em 2010, será puxada pelas regiões Norte e Nordeste, que devem crescer 16,5% e 12,5% respectivamente. A região Centro-Oeste também está acima da média, com projeção de crescimento de 13,5%. As regiões Sul e Sudeste ficam para trás, com crescimento do varejo em um dígito, 8,5% e 9,9%, respectivamente. Para 2011, o cenário mantém a proporção. A projeção mostra crescimento entre 8,5% e 10% no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e de 6% e 7% nas regiões Sul e Sudeste.
Já faltam insumos para o transporte. A Aliança Navegação e Logística, empresa que está apostando firme na cabotagem (navegação na costa brasileira), está competindo com a Petrobras para construir quatro navios de 2500/3000 TEUs em estaleiros brasileiros, que estão com a capacidade esgotada. "As rotas do Sul/Sudeste para o Norte/Nordeste estão extremamente aquecidas, para abastecer a mobilidade das classes sociais de baixa renda verificada nos últimos anos", diz Gustavo Costa, gerente geral de cabotagem serviços do Mercosul da empresa.
Começam a faltar até mesmo motoristas qualificados para o transporte rodoviário. "Nossa saída está sendo criar uma estrutura interna para treinar os profissionais em casa", conta Luiz Gustavo Silva, diretor de operações da Aqces, operadora logística que tem uma frota própria de 880 caminhões.
Diante do quadro, o grande desafio da logística é administrar as deficiências, para dar conta de movimentar o crescimento econômico. A demanda por logística e soluções criativas cresce, e operadoras brasileiras e internacionais vivenciam um mercado dinâmico e otimista, com sinais de vitalidade, apesar dos problemas.
Fusões e aquisições estão sendo cada vez mais comuns no mercado brasileiro de logística. Aumenta a disputa para ofertar soluções construídas sob medida, tanto para as cargas industriais como para as commodities. "Em resposta a essa demanda crescente e mais exigente, os operadores logísticos mais competitivos estão buscando ofertar serviços especializados e de maior valor em termos de custo benefício para seus clientes", analisa Hermeto Bermúdez, CEO da unidade brasileira da TITO Global Trade Services, empresa especializada em gestão aduaneira e logística. De acordo com ele, a concentração entre os operadores logísticos deve continuar, em busca de ganhos de escala e abrangência geográfica de mercados.
Para Bermúdez, em muitos casos, o enfrentamento dos problemas tem se dado com base em uma mistura da expertise internacional, trazida por empresas estrangeiras, com a capacidade de inovar de muitas brasileiras. "Há provedores de soluções logísticas nacionais que competem à altura com serviços de classe internacional, implantando projetos logísticos também no exterior", afirma.
Essa mudança conjuntural e de perfil de crescimento econômico brasileiro tem levado a uma nova forma de relacionamento comercial entre os agentes do mercado de logística, com reflexos positivos no planejamento dos operadores. Trata-se da queda da participação da negociação chamada de 'spot', ou contratação pontual, abrindo espaço para a demanda estruturada, por meio de contratos de médio e longo prazos.
Demanda garantida para períodos médios e longos permite planejamento de investimentos e de oferta de serviços com margem de segurança por parte de operadores de transporte, especialmente quando se fala em ferrovia, hidrovia e o modal aquaviário, incluindo portos e navegação de interior.
"Observa-se claramente a mudança das características no relacionamento comercial, com o 'spot' perdendo participação de forma acelerada", diz Luiz Gustavo da Silva, da Aqces. A operadora logística é resultado de investimentos feitos pela gestora de fundos de private equity Green Capital na aquisição das operações de inteligência e de transporte de cargas e serviços de afretamento marítimo e aéreo de empresas de logística e comércio exterior.
O relacionamento de longo prazo entre embarcador e operador de transporte e logística tinha uma participação de apenas 15% no total do mercado em 2005, e o 'spot' dominava, com 85% do total. Em apenas cinco anos, o Instituto Ilos detectou uma evolução nessa participação para 50%.
Não é o ideal. Em mercados mais maduros, o 'spot' tem uma fatia ainda menor, em torno de 15% a 30%. "Garantia de serviços de longo prazo permite o dimensionamento do investimento por parte das operadoras", esclarece o diretor da Aqces, que prevê sair de R$ 200 milhões de faturamento em 2010 para R$ 1 bilhão em 2014. A Aqces tem como estratégia atuar com as soluções dedicadas, que começam no planejamento e vão até a distribuição final, em um típico relacionamento de demanda estruturada. Segundo Luiz Gustavo, o mercado está evoluindo rapidamente. Ele acredita que até mesmo o transporte rodoviário, considerado o menos profissionalizado, sofrerá uma mudança radical, a partir do conhecimento de carga eletrônico, cujo uso deverá ser obrigatório a partir de meados de 2011.
Alexandre Cassiano Horta, sócio-diretor da GS&MD Gouvêa de Souza, também acredita em uma mudança profunda nos relacionamentos dos diferentes players, incluindo os da indústria e do comércio. "Até há pouco tempo, muitos setores industriais não se preocupavam com o que acontecia nas etapas de distribuição e varejo de seus produtos", analisa.
A pressão do varejo, no entanto, convenceu as indústrias de que a logística é uma área mais abrangente e que tem grande influência para a aceitação e consumo dos produtos fabricados. "Se o produto não estiver disponível no varejo ele não é visto e, portanto, não é comprado pelo consumidor. Essa visão sistêmica já se incorporou à indústria", ensina.
Veículo: Valor Econômico