Em entrevista ao Estado, presidente da Brasil Foods muda o discurso e não rejeita sequer discutir a venda das marcas Sadia e Perdigão
O presidente da Brasil Foods (BRF), José Antônio do Prado Fay, corre contra o tempo. Ele tem cerca de 50 dias para virar o jogo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e aprovar a união da Sadia com a Perdigão, que deu origem à BRF. O processo, que se arrasta há dois anos, tornou-se muito desfavorável para a empresa depois que o conselheiro Carlos Ragazzo, relator do caso, reprovou a fusão na quarta feira.
Fay afirma que vai trabalhar para mudar a imagem de inflexível que pode ter deixado no órgão antitruste e está "aberto à negociação" para chegar a um acordo com o Cade. É uma mudança e tanto no discurso do executivo. Até o baque com o voto de Ragazzo, ele não admitia nem conversar sobre a hipótese de vender as marcas Sadia ou Perdigão. Ontem, ao ouvir a pergunta novamente na entrevista ao Estado, não disse sim nem não, desconversou. "Não estou afirmando que descarto ou não descarto. O que estou dizendo é: eu não quero", afirmou.
O presidente da BRF diz que vai participar do corpo a corpo com os conselheiros, até agora entregue aos advogados e executivos da empresa. O julgamento foi interrompido na quarta-feira depois que o conselheiro Ricardo Ruiz pediu vista do processo, mas deve ser retomado em breve. O trabalho de convencimento começa segunda-feira, com encontro com o próprio Ruiz.
Fay acha que precisa explicar melhor ao Cade o dia a dia do negócio, na tentativa de fugir da discussão em torno de modelos matemáticos usados para inferir cenários de aumento de preços e concentração de mercado. "Não quero mais esse diálogo econometrista. Estou falando o ponto de vista de alguém que trabalha no setor há 30 anos."
O relator afirmou, por exemplo, que a concentração de mercado liberaria a empresa para esfolar a clientela, com aumentos de até 40% nos preços de alguns produtos. Fay precisa convencer os colegas de Ragazzo que o perigo não existe. "Aumento de 40% não existe. Se fizer isso, o consumidor não compra mais meu produto. Nem a Petrobrás, que é monopolista, consegue impor uma coisa dessas."
Ele estava em Brasília na quarta-feira, mas não ficou na cidade para acompanhar o início do julgamento no Cade. Saíra de um encontro com o relator, no dia anterior, já sabendo que as coisas seriam difíceis. Ontem, dizendo-se cansado, Fay, um sujeito normalmente tranquilo, estava inquieto e chegou a ficar com a voz embargada e os olhos marejados quando afirmou que "a Brasil Foods é boa para o Brasil" e que "não vai maltratar os consumidores".
A tarefa do presidente da Brasil Foods não será fácil. Advogados especializados em defesa da concorrência dizem que apenas uma proposta de acordo surpreendente, envolvendo o descarte das marcas Sadia ou Perdigão poderá demover o Cade de reprovar a fusão.
Vetado em 2004, Nestlé/Garoto está na Justiça
A possibilidade de veto à união de Sadia e Perdigão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) faz o caso se aproximar cada vez mais do processo de fusão entre Nestlé e Garoto, que foi reprovado em 2004 pelo órgão antitruste. Inconformada com a decisão da autarquia, a defesa dos fabricantes de chocolate tenta uma reversão, que se arrasta até hoje na Justiça.
Ainda que a BRF Brasil Foods, companhia que surgiu da união de Sadia e Perdigão, não queira já entrar na discussão dessa hipótese, ela existe.
Até porque todos os processos que foram reprovados pelo Cade acabaram em outro tribunal. "O mercado deve aguardar pela decisão final, na esperança de que não se repita o caso Nestlé/Garoto", disse o advogado Roberto De Marino Oliveira.
No negócio dos chocolates, as empresas conseguiram uma liminar que suspendia temporariamente a decisão do Cade. O caso foi para o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região. O órgão antitruste recorreu da decisão de dois juízes que julgaram necessário uma nova avaliação contra um de que o processo precisaria passar por uma nova avaliação - é obrigação de órgãos públicos tentar sempre uma instância superior.
O processo, no entanto, está parado até agora no TRF e, segundo profissionais que acompanham de perto as movimentações dessa operação, não há expectativa de julgamento no curto prazo. Os advogados da empresa podem acionar ainda o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou o Supremo Tribunal Federal (STF), de acordo com a estratégia da companhia. Como a liminar ainda não foi derrubada, as empresas até agora não são obrigadas a fazer o desinvestimento, fruto da negativa do Cade.
Veículo: O Estado de S.Paulo