Abram Szajman vê o comércio forte e crescimento contínuo com a classe C

Leia em 11min

Abram Szajman comanda desde 1985 a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio). O empresário falou ao DCI e projetou um crescimento de 4,5% para o País este ano. Szajman critica os sistemas tributário, previdenciário e trabalhista e defende que a modernização desse conjunto, com a redução da burocracia, é necessária para o desenvolvimento do Brasil. O representante do varejo paulista acredita que a expansão do comércio deve ser limitada e que o câmbio no atual nível é positivo para o setor. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

 

Roberto Müller Filho- Com quais categorias comerciais a Fecomércio atua, e quantos estabelecimentos?

Abram Szajman - Envolve o comércio varejista, o atacadista, o armazenador, turismo e hospitalidade e agentes autônomos, são cinco categorias. E se você contar os agentes autônomos, 1,8 milhão. Mas estabelecimentos varejistas, com porta aberta no Estado de São Paulo, são 870 mil. Comércio e serviços são os maiores geradores de emprego da economia moderna, tanto que no Brasil esses setores representam, talvez, 33 milhões de pessoas empregadas diretamente. No Estado de São Paulo, nós temos hoje 3,3 milhões de empregados, tirando o sistema financeiro. Só em comércio tem 1,4 milhão. Quando se fala da indústria, que a indústria representa muita mão de obra, não é verdade. Na economia moderna, quando se fala de posicionamento de empresas e tecnologia avançada, você tem toda uma nova estrutura de mão de obra.

 

RMF - O setor de serviços vai crescendo cada vez mais, e o industrial...

AS - Diminuindo. Então, na verdade, nós [da Fecomércio] representamos essa mão de obra toda e somos responsáveis pelas negociações salariais entre empregados e empregadores. Nós negociamos aqui na capital, com o Sindicato dos Comerciários, e a nível estadual com a Federação dos Empregados do Comércio. Então você vê o universo que isso representa, como evoluiu a entidade, a representação, nestes últimos anos.

 

RMF - Você está há quantos anos na presidência?

AS - Eu estou há 25 anos, desde 1985. É uma presidência longa. Eu acho que nós temos um sistema sindical-patronal com uma deficiência que existe em muitas entidades, em geral, não só nas entidades de comércio. A substituição de pessoas é muito lenta, porque existe pouco interesse. Quando entrei na federação, tinha 29 anos. Hoje, o jovem quer ganhar dinheiro ontem, não amanhã. Ele só se interessa em ganhar dinheiro. Eu comecei no Secovi, a minha entidade-mãe; na época em que comecei, eu era delegado do Secovi. É difícil você encontrar gente jovem que queira se dedicar gratuitamente -não tem remuneração-, que queria se dedicar ao trabalho voluntário -é praticamente isso- e firmar suas bases, acreditando em economia de mercado e naquilo que é possível fazer com um trabalho de sustentação política.

 

RMF -Como é formada a Fecomércio?

AS - Nós temos a federação do comércio, que são os 152 sindicatos patronais, e a entidade civil, que é o Centro do Comércio do Estado de São Paulo, que tem por volta de 2 mil associados e uma diretoria premium. A Fecomércio ainda tem o direito de administrar o Sesc e o Senac, nas áreas de comércio e serviços (relacionados à atividade comercial). Então, nós administramos quatro entidades, sendo que duas são muito grandes, o Sesc e o Senac são voltados, um, para o lazer, esportes, educação e cultura; o outro, para a formação profissional do trabalhador de comércio e serviços. Entre funcionários diretos e indiretos dessas duas entidades, nós temos hoje 11 mil (diretos) e 30 mil (indiretos).

 

RMF - Como você está vendo o cenário econômico hoje, com essa desaceleração da economia, a elevação da taxa de juros, o presidente do BNDES dizendo que vai haver crescimento de 0,5% só no próximo bimestre...?

AS - Eu acho que o Brasil, nos últimos 15 anos, talvez nos últimos dez, trouxe para o mercado consumidor esses 35 milhões de brasileiros que estavam marginalizados. Ainda tem hoje mais 30 milhões de marginalizados, mas esses 35 milhões que adentraram adquiriram bens e serviços, mostram que o Brasil tem um potencial muito forte no mercado interno. O Brasil teve o privilégio de ser um produtor de minérios, matérias-primas importantes para o crescimento de outros players mundiais, como a China. E teve exportações abundantes com preços, nos últimos dois, três anos, que evoluíram de uma forma tão brutal que possibilitaram ao Brasil acumular US$ 335 bilhões em reservas. Com isso, possibilita-se ao Brasil ser um grande player internacional, tanto como exportador, um dos líderes mundiais em superávit comercial, como importador, portanto para a modernização do seu parque fabril, porque importar não é simplesmente consumir, é também modernizar o parque fabril, trazer novas matérias-primas importantes para o que se produz etc.

 

RMF - Você está satisfeito com os índices de crescimento, com o esforço do governo?

AS - Olha, eu acho que nós temos um problema, ainda não resolvido, de reformas estruturais na vida brasileira. Acho que nós passamos da conta já de ter feito uma repactuação no sistema de tributos no Brasil, nos estados e municípios... essa divisão do bolo, do jeito que é feita. O sistema de custos da mão de obra é extremamente elevado e incompatível com a modernidade, o que dificulta a relação entre capital e trabalho. A legislação é muito extensa e burocratizada. Eu acho que já passamos do tempo. E pelo jeito, ainda vamos passar mais do tempo de fazermos essas necessárias alterações tributárias, previdenciárias, trabalhistas, que desburocratizariam e possibilitariam que o Brasil realmente se modernizasse. O governo brasileiro é um gastador, não um poupador. O setor privado poupa, mas poupa pouco - nós temos hoje, talvez, 20% de poupança em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Para crescer mais de 4%, 4,5%, nós precisamos poupar cerca de 22%, 23%; para crescer mais de 5%, são 25% de poupança. Com esse sistema tributário, essa previdência, toda essa burocracia, que já vem de longo tempo e não se altera, eu vejo com dificuldade o futuro de crescer bem mais 4% ou 5%.

 

RMF - Você acha que cresce quanto este ano?

AS - Eu acho que a gente pode crescer uns 4,5%.

 

RMF - O comércio vai sofrer com isso?

AS - Olha, na medida em que você impõe restrições de crédito... E a taxa de juros - o sistema financeiro promove aumentos; a taxa básica não tem nada que ver com o que é operado na ponta, que para nós é o que interessa. Então, por causa de toda essa celeuma que começa a ser criada, o consumidor fica mais preocupado, vamos dizer. Tanto os índices de confiança que a gente mede no comércio de São Paulo começam a mostrar tendência de desaceleração, quer dizer, as pessoas talvez estejam sentindo que as próximas negociações salariais (químicos, têxteis, bancários, nós, do comércio...), em função da inflação, que no mês de julho, talvez, deve chegar ao pico, em relação ao ano passado -quando estava em 0,1%, 0,2%, bem baixa-, deverá chegar a 7%, 7,2%. As negociações vão ser difíceis, mas a possibilidade de recompor salários, com taxa de inflação passada para pensar no futuro com taxas descendentes, vai ser uma dificuldade do trabalhador recompor o seu salário. Começa a ter certa perda do poder de compra.

 

RMF - A redução do consumo já é sentida no comércio?

AS - Não, a redução do consumo estava prevista, em função de que no ano passado o consumo foi extremamente alto. Em 2010, no Brasil, chegamos a 11%; aqui em São Paulo, a 6%. Nossa previsão este ano é chegar aos 4%, por aí. Não dá para sonhar que venderemos como antes ao consumidor, que está mais difícil de ser assediado. Também porque muita gente já comprou, ninguém compra em seguida dois automóveis, duas geladeiras. Esse pessoal que adentrou o mercado já comprou. É uma situação de baixa, e há algumas restrições, como à expansão do crédito.

 

RMF - E como é que você explica os outros países, como o Peru e a Índia, sem falar na China, que crescem a uma taxa tão alta, enquanto o Brasil faz força para crescer menos?

AS - Porque o poder de investimento desses países é grande. Eles investem e têm poupança, em relação ao PIB. A nossa poupança é muito baixa. Acontece que a culpa é do sistema como um todo, o tributário, o de gastos, a falta de poder de guardar. É como na casa da gente, não se pode gastar mais do que se ganha. Todos os meses o governo bate recordes de tributos - nos meses de abril e maio, ficaram surpresos com o que arrecadaram. Arrecada-se muito, há um excesso, mas se gasta muito e mal. Então você vê: estradas esburacadas, sistema de energia com dificuldades de investimento, dificuldades em investir em rodovias, ferrovias... A China tem 50% do PIB em investimento, é um país que guarda muito, gasta pouco e tem poupança. Então você tem que desburocratizar o sistema tributário, previdenciário e trabalhista, para modernizar tudo e conseguir mais poupança para fazer investimento. Eu não tenho dúvida: nós vamos crescer, está bom, 4 % ou 4,5%, mas enquanto não melhorar a área de educação, a qualificação das pessoas. As pessoas são mal formadas. Não há estrutura para acompanhar a modernização, as novas tecnologias que estão sendo lançadas.

 

RMF - O senhor sente o problema do baixo nível de educação no comércio?

AS - O comércio, as pessoas no comércio até que têm um nível educacional um pouco melhor, na relação próxima com o consumidor. Sempre o comércio teve gente melhor. Mas eu digo no geral, na vida brasileira: nós temos falhas estruturais que precisam ser corrigidas. Não é coisa para um mês, um ano ou dois anos. É coisa para se fazer a longo tempo, mas não tão longo...Claro, o Brasil melhorou, melhorou porque teve privilégios no mundo, como ter commodities, matérias-primas e alimentos que os outros países estão comprando. Senão nós estaríamos numa situação difícil. Se não tivéssemos esse superávit que tivemos para fazer reservas, como é que o Brasil iria enfrentar a crise de 2008, que foi muito forte no mundo? Passamos incólumes por ela. O Brasil tem terras para plantar, uma quantidade imensa, o Brasil é grande produtor mundial de algumas culturas, tem matéria-prima essencial...

 

RMF - Como você vê o imenso avanço tecnológico? Como é que isso impacta o comércio?

AS - Eu acho que o comércio foi o primeiro setor que se modernizou na vida empresarial brasileira. Quando começou o sistema de distribuição de supermercados, aqueles 'pegue-e-pague' e 'sirva-se' - o consumidor entra na loja, pega sozinho o que tem na prateleira e não tem um atendimento personalizado -, passou a haver a modernização do sistema supermercadista. A partir daí, a modernização com relação ao consumidor não parou nunca mais. Isso mudou o conceito de distribuição e logística, chegando aos lugares mais longínquos do Brasil. A indústria tentou num certo momento fazer a própria distribuição, mas nunca conseguiu. Sempre precisou do comércio, seja atacadista ou varejista, para fazer essa distribuição, porque o comerciante tem a criatividade, o momento certo de fazer as coisas com absoluto conhecimento do que o consumidor quer. Esse avanço tecnológico mostra que quem comanda o processo é o comércio. Nos últimos vinte anos o consumidor diz o que quer e a indústria tem que se adaptar àquilo que ele quer. É um processo que foi se invertendo ao longo dos tempos.

 

RMF - O avanço tecnológico mudou o perfil da mão de obra?

AS - Mudou completamente. O Senac tinha aula de datilografia. Logo que assumi, em 1985, eu comecei a introduzir escolas de computação. Tinha arquivistas manuais, nós começamos a mudar todo esse sistema, nos últimos 20 anos, o que foi fundamental para a evolução do comércio e do País. Os sistemas financeiro e comercial brasileiros seriam impossíveis, sendo do tamanho que são hoje, se não houvessem correspondido à evolução tecnológica. Mais do que qualquer outro setor, os de comércio e serviços tiraram um benefício surpreendente da tecnologia.

 

RMF - Você não tem medo de que o governo, para conter o crescimento, acabe introduzindo uma recessão?

AS - Não. Eu não acredito que corremos o risco de uma recessão, acho que nós passamos dessa fase. Somos grandes exportadores de matéria-prima, mas crescer 4% ou 4,5%, sim.

 

Veículo: DCI

 


Veja também

Chilenos voltam os olhos para o Carrefour

A rede chilena Cencosud, uma das maiores varejistas da América Latina, estaria negociando a compra de alguns ativ...

Veja mais
Chinesas de alimentação miram mercado brasileiro

Depois de tirar o sono de varejistas do ramo de vestuário e automotivo, por exemplo, os empresários chines...

Veja mais
Café: consumo de bebida gourmet cresce 21,3%

O consumo de café gourmet cresceu 21,3% em 2010, aponta pesquisa anual divulgada ontem pela Associaç&atild...

Veja mais
Produção de própolis verde deve subir em MG

Minas Gerais poderá ter a produção de própolis verde ampliada nos próximos anos. Al&e...

Veja mais
Presentinhos devem marcar comemoração

No ano passado, os namorados estavam inspirados pela Copa do Mundo e o crédito fácil no mercado e comprara...

Veja mais
Problemas fazem empresas repensarem logística

A chuva e a ventania que transtornaram a cidade de São Paulo na terça-feira são episódios da...

Veja mais
Fraldas Capricho investe na ampliação das linhas de produção

Consolidar a sua posição entre as maiores fabricantes do país e conquistar fatia do segmento de fra...

Veja mais
Grandes supermercadistas se unem para diminuir custos

Enquanto a competição por espaço no setor supermercadista brasileiro segue alta com possívei...

Veja mais
Relator do Cade reprova união entre Perdigão e Sadia

Conselheiro pede vistas e votação será retomada dia 15; empresa apresentará nova proposta. ...

Veja mais