Empresas e consumidor já cortam gastos nos EUA

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O colapso do mercado nesta semana está confirmando o que muitos empresários e consumidores já pensavam: que a economia americana se inclina a voltar para a recessão e, portanto, eles precisam se agarrar a cada centavo.

 

O perigo agora é uma nova espiral de queda, em que empresas e consumidores começam a cortar ainda mais agressivamente os seus gastos enquanto esperam para ver o desenrolar da crise.

 

Mas empresas como a Terex, fabricante de equipamentos pesados, entraram num ritmo de aperto de cintos antes mesmo que os mercados entrassem em parafuso.

 

Ron DeFeo, diretor-presidente da Terex, há várias semanas ordenou a diretores de várias unidades, que estão crescendo, para encontrar maneiras de reduzir o pessoal.
"A forma como os mercados estão agindo reflete a maneira como muitos líderes empresariais vinham se sentindo" muito antes da volatilidade do mercado, disse ele.

 

Para uma economia já à beira de uma crise, tal precaução pode muito bem ser a diferença entre crescimento e recessão. O Produto Interno Bruto (a soma total de bens e serviços produzidos no país e a medida mais ampla do crescimento econômico) cresceu a uma taxa anualizada de menos de 1% nos primeiros seis meses de 2011. Umas poucas decisões de atrasar gastos poderiam empurrar a taxa de volta ao território negativo.
"Os consumidores vão decidir se teremos um segundo semestre melhor ou não", disse Dean Maki, economista-chefe para os EUA do Barclays Capital, em Nova York.

 

Rick DeToto, advogado de 39 anos do Texas, diz que não está surpreso com a onda de pânico em Wall Street. "É o que todo mundo que conheço vinha sentindo", diz. "Não acho que havia ninguém muito confiante sobre a economia." DeToto tem reduzido seus gastos cortando, por exemplo, os passeios de US$ 150 ao aquário local que seus dois filhos adoram.

 

À medida que os consumidores gastam menos, as empresas reagem com suas próprias medidas. George Carey, proprietário do Finz, um restaurante de mariscos em Massachusetts, diz que seus clientes vão reagir à queda das bolsas e que, por isso, ele também vai. Quando fizer o pedido semanal de vinhos, na segunda-feira, diz, vai comprar menos das garrafas sofisticadas e caras, na expectativa de que seus clientes farão o mesmo.
"Meu padrão de compra vai mudar esta semana", diz Carey. "Agora, se meus clientes comprarem vinho, vão comprar as garrafas de US$ 25 a US$ 30 em vez de US$ 45."

 

Carey disse que seu restaurante à beira-mar esteve movimentado nesta temporada de verão nos EUA, mas ele não pôde aumentar os preços apesar da alta nos custos dos alimentos. A reviravolta dos últimos dias só reforça a necessidade de cautela. Carey diz que planejava gastar cerca de US$ 50 mil em reformas, mas agora vai esperar até o próximo ano e reavaliar.

 

Nicholas Bloom, professor de economia na Universidade Stanford que estudou como a incerteza econômica afeta o ciclo de negócios, diz que tal sentimento pode ser uma profecia autorrealizável. À medida que os consumidores e empresas recuam em meio a uma fraca recuperação econômica, suas preocupações sobre um novo mergulho na recessão poderiam levá-los a cortar ainda mais os gastos - e provocar a recessão que eles próprios temem.

 

Bloom estudou mais de seis choques de incerteza, desde o assassinato do presidente John F. Kennedy até escândalos contábeis que derrubaram empresas como a Enron e a WorldCom no início dos anos 2000, e concluiu que cada choque é geralmente seguido por uma forte, mas breve, recessão. Os setores mais afetados são os chamados bens duráveis, produtos mais caros como carros e computadores que são produzidos para durar mais de três anos e cuja aquisição pode geralmente ser adiada por alguns meses.
"Se todos adiarem planos para investir em novos produtos, teremos uma recessão curta e acentuada", afirmou Bloom.

 

Os governos, que ainda têm de recuperar o pico de arrecadação fiscal de 2008 e cujo reduzido ritmo de gastos afeta o crescimento no curto prazo, já tinham apertado os cintos quando a recente volatilidade do mercado começou.

 

Na segunda-feira, o diretor de orçamento do Estado de Washington, no noroeste dos EUA, Marty Brown, enviou um memorando dizendo que todos os diretores de agências estaduais precisavam preparar 10% em cortes adicionais, que poderiam ter de ser efetivados se a economia não se aquecer.

 

Brown observou que, depois de cortar o orçamento nos últimos três anos, isso não é nada de novo.
"Apesar de difícil, não estamos começando esta análise a partir do zero", escreveu no memorando, notando que os diretores de agências já tinham preparado uma longa lista de cortes antes do orçamento 2011-2013, que entrou em vigor em julho.

 

Da mesma forma que os gastos do governo diminuem, as empresas terão de tomar providências. Mas as recentes turbulências tornam menos provável que elas vão fazê-lo.

 

John Clemenzi, que administra um parque industrial em Beverly, Massachusetts, disse ter visto alguma melhora no final de 2010 e início de 2011, à medida que empresas começaram a assinar contratos para espaços no parque.

 

Mas esse impulso acabou, e Clemenzi disse que estava adiando ainda mais projetos de manutenção que já estão atrasados. Ele também está adiando planos de contratar pessoal.
"Vamos só para preservar os ativos que temos, todo o dinheiro que temos", disse. "Preciso de uma equipe, mas não estou contratando ninguém. Na verdade, estou estudando novos cortes, porque não sei que direção isso vai tomar."

 


Europeus também gastam menos e fazem varejo ampliar ofertas

 

A forte queda nos preços das ações na Europa pode ter reduzido o valor de ativos de famílias em cerca de € 900 bilhões (US$ 1,275 trilhão) em alguns dias. E isso vai se traduzir em menos demanda de consumidores, dizem analistas.

 

Para produtores de carros, TVs, refrigerantes e outros bens, a perspectiva está se tornando mais difícil com a retração do consumidor no segundo semestre, num cenário de já elevado desemprego.

 

Entre 19 de julho e 9 de agosto, a bolsa alemã caiu 18%, o DJ Eurostoxx, índice das bolsas da zona do euro, caiu 13,7%, o índice para emergentes MSCI, outros 14%. Analistas concordam que, após uma queda dessa dimensão, a recuperação toma vários meses no cenário neutro.

 

A estimativa da Capital Consulting, de Londres, sobre a perda das famílias europeias se baseia na forte relação entre confiança do consumidor e preço das ações. Estudos mostram que normalmente uma queda de US$ 100 nas ações leva o consumidor a cortar gastos em até € 5 nos países da zona do euro.

 

O impacto direto agora pode ser menor, pois as famílias já vinham gastando menos. E outros movimentos podem dar fôlego às famílias. O preço de commodities, como petróleo e agrícolas, caiu 10% em relação ao pico mais recente, e a inflação pode baixar fortemente nos próximos meses na Europa.

 

Paul Bulcker, presidente-executivo da Nestlé, líder mundial do setor alimentar, previu ontem que os próximos meses serão dificultados por ''instabilidade politica e econômica, a volatilidade dos custos das matérias-primas e baixo nível de confiança dos consumidores nos países desenvolvidos''.

 

Produtores de carros como Honda, no Japão, e General Motors, nos EUA, também preveem uma redução do consumo no rastro da queda nas bolsas.

 

Na Europa, o comércio varejista está reagindo com promoções que sugerem uma guerra de preços, para encorajar o consumidor a gastar. O grupo suíço Migros colocou cupons nas primeiras páginas de jornais com desconto de 10% para quem comprar acima de 50 francos em seus supermercados. Na Reino Unido, a rede de supermercados Tesco primeiro ofereceu cupons de 5 libras para compras a partir de 50 libras, e já elevou para 9 libras nas compras de 60 libras.

 

A Evolution Securities, de Londres, nota que o consumidor está mais sensível aos preços ou não quer gastar, muda com frequência de lojas, não se deixa enganar por propagandas "espertas" e aproveita a transparência nos preços.

 

No Reino Unido, 51% dos consumidores consultados dizem agora que checam os preços na internet, comparando ofertas entre as lojas. O varejo tenta combater essas novas técnicas, mas até agora usando velhos remédios como os cupons.

 

Para Heiner Flassbeck, economista-chefe da Agência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), a economia desenvolvida ruma para a estagnação. No Relatório sobre Comércio e Desenvolvimento, que será lançado em setembro, a mensagem é que os salários não estão aumentando nessas economias, e precisam crescer, porque do contrário a demanda interna não cresce.
"Estamos cada vez mais numa era de expectativas diminuídas, em que as pessoas no mundo industrializado não esperam mais que o salário e a renda aumentem. E, se essa é a expectativa, ela realmente acontece porque as pessoas consomem menos e a estagnação se propaga", repete Flassbeck.

 

Veículo: Valor Econômico


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