A classe média brasileira tem resistido a fazer algumas mudanças em sua cesta de compras, apesar do desaquecimento do consumo no país neste ano. Essa resistência pode ser reflexo de uma tentativa de esse consumidor manter a melhor posição sócio-econômica conquistada nos últimos anos. Ele quer evitar perdas na qualidade da cesta, conforme constatou levantamento da consultoria Kantar Worldpanel realizado em 8,3 mil domicílios no país.
"Após anos de demanda reprimida, o consumidor conseguiu colocar algumas novas mercadorias no carrinho e ele não quer mais abrir mão disso", disse Christine Pereira, diretora comercial da Kantar no Brasil. "Podem trocar o tipo de arroz ou feijão para manter os ganhos que já tiveram na cesta."
O estudo apontou estabilidade no volume comprado de mercadorias consideradas básicas, mas os itens não básicos tiveram uma expansão de 6% no volume comercializado no primeiro semestre. Para efeito de comparação, os itens básicos estavam crescendo de forma vigorosa até o ano passado. Em 2010 houve alta de 10% no volume vendido e no ano anterior, de 15%. A perda de ritmo neste ano não tem relação com a base alta de comparação, afirmam os consultores. Se fosse apenas efeito estatístico, o segmento de produtos básicos teria verificado algum crescimento, o que não ocorreu.
Dados do estudo relativos ao primeiro semestre do ano confirmam a desaceleração do ritmo de crescimento em todas as classes sociais em 2011 - algo comentado nas últimas semanas por algumas varejistas e indústrias. As classes A, B e C apuraram alta tímida de 2% na quantidade comprada de janeiro a junho. As classes D e E registraram estabilidade. Nesse caso, são analisados todos os itens (básicos e não básicos) em 63 categorias de produtos. Nos últimos semestres, o índice não esteve abaixo dos 10%.
O efeito inflacionário tem forte peso nessa perda de fôlego. O reajuste médio dos produtos comprados pela nova classe média (classes C e D) foi de 7% neste ano, mostra a pesquisa. A taxa é inferior à alta média de 9% na cesta da classe A, mas a inflação da classe média afeta muito mais o bolso, visto que a renda média dessas famílias é menor. "Essa tendência [de desaceleração] só se reverte na medida que acontecer uma queda consistente da inflação e da taxa de juros", disse Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas, uma das primeiras empresas a reagir ao desaquecimento do consumo em 2011.
Segundo os números da consultoria, os setores têm reagido de forma diferente à desaceleração. Produtos que não são considerados de consumo vital, como itens de beleza, tiveram pequena alta de 3% no volume vendido neste ano - em 2010, o aumento era de 7%. Já itens para limpeza da casa apuraram alta de 6%, versus expansão de 8% no ano passado - uma diferença menor, de dois pontos percentuais.
"Em períodos com perda de ritmo de crescimento, o segmento de limpeza sente menos a retração. É uma compra prioritária e o que pode acontecer é migração do consumidor para marcas mais baratas", diz o presidente da Bombril, Marco Aurélio de Souza, que anunciou ontem sua saída da companhia. "Mas não há sinais de que essa migração para marca mais barata esteja acontecendo agora."
Ao se abrir os dados dos segmentos por produto vendido, o levantamento mostra que algumas mercadorias - que passaram a fazer parte da cesta de compra do brasileiro há poucos anos - mantém ganhos de mercado. Os produtos nessa situação são o detergente líquido para roupa, leite aromatizado, inseticida, cereal e sorvete. São itens que passaram a ter consumo frequente na lista de compras da classe média nos últimos anos, e não sentiram efeitos do desaquecimento.
"Nós imaginamos que, no caso do detergente para a roupa, possa existir uma transferência [da imagem de marca de status] do produto em pó para o líquido", diz Paula Lopes, gerente de Omo, da Unilever. "Se ele entende que Omo é uma marca forte e vê valor naquilo, não vai querer perder o que conseguiu e mantém a compra".
Veículo: Valor Econômico