O trigo brasileiro, que nos últimos dois anos conquistou um espaço atípico no mercado internacional, não deve repetir nesta safra, em fase de colheita, o mesmo feito. As regiões produtoras do cereal da Rússia e de outros países do Leste Europeu recuperaram-se da forte seca do último biênio e estão com uma estratégia agressiva de preços para retomar a venda aos seus antigos mercados, sobretudo na África.
É justamente o continente africano que mais comprou trigo do Brasil nos últimos dois anos. Entre janeiro e setembro deste ano, o Brasil embarcou a todos os destinos - a maior parte com subsídio do governo - 3,072 milhões de toneladas de trigo (mais de metade da safra nacional), das quais 1,69 milhão de toneladas para a África (excluindo a África subsariana e o Oriente Médio), de acordo com informações do Sistema Alice (MDIC).
Também em 2010, apesar de menor, o volume foi expressivo e chegou a 1,37 milhão de toneladas nos nove meses do ano, sendo 149,127 mil toneladas para a África, segundo o Sistema Alice.
Antes de 2010, as exportações de trigo do Brasil eram pouco expressivas - com exceção de 2004, quando foram superiores a 1,3 milhão de toneladas. Para se ter uma ideia, a soma do volume embarcado em três anos (2007, 2008 e 2009) chegou a pouco mais de 1,1 milhão de toneladas.
Um dos maiores importadores de trigo do mundo, o Brasil, que consome 11 milhões de toneladas por ano e produz apenas 5 milhões de toneladas, voltou a exportar volumes expressivos - acima de 1 milhão de toneladas - no ano passado. A qualidade da safra nacional estava baixa e o governo entrou com instrumentos de política agrícola para ajudar a escoar a produção.
A maior parte foi embarcada para uso como ração animal. Nesta mesma época em 2010, explica o presidente do Moinho Pacífico, Lawrence Pih, a Rússia e as ex-repúblicas soviéticas tinham tido a maior seca em décadas e amargavam quebra de produção de trigo da ordem de 30%.
Agora, no entanto, esses países, mais a Austrália, que também sofreu com estiagem na temporada passada, estão colhendo uma grande safra, retomando os níveis elevados de oferta de 2008 e 2009. A previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) é de que a produção mundial cresça 5% em 2011/12, para 681,2 milhões de toneladas. Somente nos 12 países que formam a região das antigas repúblicas soviéticas, o avanço é estimado em 35%, para 110,45 milhões de toneladas.
A estratégia vem sendo agressiva, diz Pih. A Rússia vem colocando trigo na África a valores próximos de US$ 240 a tonelada. "O Brasil não consegue pôr o cereal no continente africano por menos de US$ 300 a tonelada", compara o empresário, proprietário de um dos maiores moinhos de trigo da América Latina.
Essa forte concorrência também está afetando os embarques dos Estados Unidos e da Europa, diz Pih. Um trader que preferiu não se identificar afirmou que a disputa está difícil até para a Argentina, que tem um dos custos de produção de trigo mais baixos do mundo. "Mas o preço do cereal russo é imbatível. O que pode amenizar a concorrência é que agora no fim do ano a logística para embarcar o produto pelo Mar Negro fica complicada por causa do inverno rigoroso, que segue até março", diz Pih.
O fato é que para o Brasil conseguir exportar um volume significativo de trigo, segundo Pih, será preciso que o governo eleve o subsídio à comercialização do cereal para torná-lo competitivo. Novamente, o empresário avalia que uma boa parte da safra do Paraná, maior produtor nacional, está com qualidade aquém da necessidade das indústrias.
Segundo o Departamento de Agricultura do Paraná (Deral/Seab), 69% da safra do Estado tinha sido colhida até 17 de outubro. Em torno de 2% do volume total foi tirado do campo com qualidade ruim, 16% com níveis médios e 82% com boa qualidade, de acordo com o departamento da Secretaria da Agricultura.
O governo intervém nessa cultura desde a safra 2000/01, com uma "pausa" em 2006/07. De lá para cá, a Conab já apoiou o escoamento de 11,8 milhões de toneladas do cereal. Na temporada 2009/10, foram 2,237 milhões de toneladas, quase 40% da produção de 5,8 milhões de toneladas. Em 2010/11, as compras chegaram a 30% do total.
Para esta safra, o governo federal sinalizou a liberação de R$ 150 milhões para apoiar a comercialização de trigo. O Paraná pede que a ajuda envolva 1 milhão de toneladas, 43% da produção do Estado, que nesta temporada será de 2,3 milhões de toneladas, 1 milhão de toneladas menor do que no ciclo passado.
"A venda está lenta. Felizmente, a safra está menor e o produtor, mais capitalizado com outras culturas", diz Robson Mafiolletti, assessor técnico da Organização das Cooperativas do Paraná.
Veículo: Valor Econômico