Nos EUA, marca própria tem mais espaço

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A exemplo de muitas redes de supermercados americanos, a Safeway queria aumentar a venda de seus produtos de marca própria durante o desaquecimento da economia, quando os consumidores procuram marcas com uma maior relação custo-benefício. Para isso, há três anos, atraiu a veterana profissional de marketing Diane Dietz da Procter & Gamble e a nomeou diretora de marketing.

Desde que entrou na Safeway, Diane explorou grande número de artifícios de gestão de marca da P&G. Em junho, para promover o lançamento da linha Open Nature da Safeway, de carnes isentas de antibióticos, ela instalou uma mesa de piquenique de 93 metros de comprimento (um recorde mundial do Guinness), produzida no bairro de Marina District, em San Francisco, onde o chefe de cozinha Tyler Florence, que fez fama na Food Network, serviu uma refeição a várias centenas de pessoas. O zum-zum resultante foi um dilúvio de publicidade em favor da marca Open Nature.

As marcas próprias se afastaram muito de seus tempos de imitação, quando se limitavam, principalmente, a caixas amarelas de falso cereal matinal Cheerios e latas preto e brancas com a palavra "feijão" no rótulo. Naquela época, os supermercados estavam pouco dispostos a enfurecer as Kraft Foods e as PepsiCo s da vida com uma investida muito agressiva em marcas próprias. Agora, com consumidores à cata de pechinchas e cada vez mais infiéis a marcas, as redes de supermercados americanas Safeway, Kroger e Supervalu - que respondem, juntas, por 40% das vendas do varejo de alimentos americano, segundo a analista Deborah Weiswig, do Citibank - estão cada vez mais dispostas a dedicar maior espaço de prateleira a suas próprias mercadorias. Em meados de novembro, as marcas próprias respondiam por 31,4% dos novos alimentos e bebidas lançados nos EUA este ano, segundo a empresa de pesquisa de mercado Packaged Facts, com base em dados da plataforma Product Launch Analytics da Datamonitor. Esse percentual representa o dobro da parcela registrada em 2010 e significa um salto em relação aos apenas 8,7% de 2009.

Na rede Safeway tem sido mais fácil atrair vários gerentes de marca da Procter & Gamble e da PepsiCo

Para e estimular as vendas de suas linhas próprias, as varejistas estão recrutando profissionais de marketing veteranos para inovar mais depressa e com menos risco que as fabricantes tradicionais de produtos embalados. "As varejistas estão adotando um enfoque muito mais sofisticado de inovação em marcas próprias", diz Jim Hertel, sócio-executivo da consultoria de varejo Willard Bishop. "Isso levou cinco ou seis anos, e agora estamos vendo o ápice do processo."

Na Safeway, Dietz criou cargos de gerente de marca - à moda da P&G - para a Open Nature, a O Organics e meia dúzia de outras marcas da casa. Este ano a rede de supermercados abriu também um centro de culinária de 929 metros quadrados na Califórnia guarnecido por chefs profissionais, que realizam testes de produtos todas as quintas-feiras. (Relatos dão conta de que o principal executivo, Steve Burd, costuma aparecer por lá para provar uns aperitivos de filé-mignon enrolados em bacon.)

Agora que o crescimento das vendas das marcas de loja ultrapassa o das marcas nacionais por uma margem de 3 para 1, Dietz vem tendo poucos problemas em convencer vários gerentes de marca da P&G e da PepsiCo a se juntar à sua equipe crescente. Esses diretores trazem qualificações "que não se obtêm no varejo", diz Bill Gillispie, veterano do setor de supermercados que comandou programas de marcas de loja na rede Save-A-Lot da Supervalu. "Eles entendem de embalagem. Entendem do custo dos produtos."

Linda Severin, ex-executiva da ConAgra Foods, ingressou na Kroger em 2007. Está reformulando as marcas próprias da rede e incluindo uma de pizza congelada, uma categoria que os profissionais de pesquisa de mercado consideram "uma incógnita". Embora pesquisas tenham revelado que os consumidores estão abertos a experimentar pizzas de marca própria, os clientes de faixas de renda mais alta não estavam comprando as pizzas da marca da casa. Em vista disso, Severin e sua equipe encontraram novos fornecedores de queijos, carnes e verduras mais sofisticados. Em março, Kroger lançou a linha "Private Selection" de pizzas ovais, de massa fina. As pizzas, cobertas com mussarela, tomate-cereja e queijo parmesão, custam US$ 5,99, o mesmo que as pizzas DiGiorno, da Nestlé- o que depõe a favor da marca da casa. Agora aumentou em 60% o número de clientes da Kroger de faixa de renda mais elevada que compram a pizza. "Precisamos nos concentrar em consolidar marcas, não apenas em lançar produtos", diz Severin. As marcas próprias respondem atualmente por 27% das vendas de produtos de mercearia da Kroger, em relação aos 23% de 2003.

Estimuladas pelo sucesso no setor de comida congelada e de massas, os supermercados estão ingressando em categorias (como salgadinhos, cerveja, rações para animais de estimação) que evitavam anteriormente, pelo fato de as grandes marcas estarem muito arraigadas. Mas isso mudou e grandes marcas como a Frito-Lay, da PepsiCo, que movimenta US$ 30 bilhões, corre risco de perder clientes. A vantagem de preço ajuda: um saquinho de 283,5 gramas de batata frita Snack Artist custa US$ 2,29. Uma embalagem do mesmo tamanho da Lay sai por US$ 4,79.

A Kroger mudou as embalagens de sua marca Pet Pride, com base em pesquisas que revelaram que, enquanto donos de cachorros gostam de ver gente e cachorros brincando na parte da frente da embalagem, donos de gatos querem apenas ver um felino satisfeito. Kroger diz que pesquisas mostram que a "intenção de compra" subiu 22% com a nova embalagem.

As marcas tradicionais não podem ignorar essas mudanças, e um dos motivos para isso é que a migração de um único ponto percentual das vendas de alimentos e bebidas de produtos de marcas tradicionais para linhas de produtos de marcas da casa se traduz num aumento de US$ 5,5 bilhões nas vendas dos supermercados, diz David Sprinkle, dono da Packaged Facts. Em vista disso, analistas dizem que empresas como a Kellogg e a Campbell Soup se empenharam em reabastecer suas linhas de produtos em 2011 a fim de neutralizar os efeitos do insignificante grau de inovação dos anos anteriores.

Mesmo assim, a analista Alexia Howard, da Sanford C. Bernstein, prevê que as marcas próprias vão abocanhar fatia de mercado de marcas tradicionais mais uma vez em 2012. Os consumidores estão mais receptivos do que nunca às marcas próprias: a McKinsey diz que três em cada quatro consumidores que mudaram para produtos de marcas próprias desde o início da recessão não têm planos de voltar às marcas anteriores quando a situação melhorar. E consultores da Deloitte dizem que os consumidores americanos são fiéis a apenas cerca de um terço das marcas nacionais que compram. (Tradução de Rachel Warszawski)


Tendência vai além do supermercado no Brasil



No Brasil, além dos supermercados, outros setores percebem que podem ganhar dinheiro com marca própria. A rede de drogarias Brazil Pharma estuda a criação de uma marca da rede para os próximos meses, apurou o Valor. A varejista de moda Renner, por sua vez, decidiu dar vida própria à sua grife de roupas Blue Steel: neste ano, abriu três pontos de venda com esse nome e deve manter o plano de crescimento da nova cadeia.

O negócio de marca própria no país teve um começo sem brilho, em parte, por erros cometidos pelo próprio varejo. Apenas quando o comércio brasileiro decidiu levar a sério o negócio, o que só aconteceu nos últimos 15 anos, o consumidor passou a dar o benefício da dúvida às lojas e testar os produtos.

No início dos anos 90, a marca própria do supermercado acabava em algum lugar, entre a penúltima e a última gôndola, sem nenhuma estratégia de marketing à vista. Foi preciso investir mais e mudar conceitos estabelecidos nesse período, basicamente em relação à qualidade discutível do produto, para que a venda acontecesse. A situação atual é outra. De janeiro a abril, 4,6% das vendas em supermercados no país foram dessa linha. Houve uma alta de 21% no valor gasto em 2010.

O número de 4,6% é menor do que o verificado em mercados maduros (está em 17% nos EUA), mas há um processo de amadurecimento: o brasileiro já aceita testar itens de marca própria de valores mais altos. O volume comprado está estável (varia de 4,5% a 5%), mas o valor desembolsado com a linha sobe aos poucos, atestou a Nielsen em levantamento em 2010. "É um sinal de evolução, mas sabemos que essa taxa média de 5% pode crescer mais", diz Coriolano Marques, sócio da RetailConsulting.

Maior rede de varejo do mundo, o Walmart apurou um crescimento de 25% nas vendas desses itens de janeiro a outubro no Brasil. Para o Natal, prevê crescimento de 30% nas vendas de produto marca própria no país. O Grupo Pão de Açúcar deve lançar cerca de 400 itens de suas linhas em 2011.


Veículo: Valor Econômico


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