Negociação é troca de ativos, mais R$ 200 mi pagos pelo Marfrig à BR Foods. Acordo saiu antes do esperado, diz Marcos Molina
Acabou o mistério. Boa parte dos ativos da BR Foods, que o Cade mandou vender sob pena de reprovar a fusão entre Sadia e Perdigão, passam ao controle de Marcos Molina, dono do frigorífico Marfrig. Pelo acordo, o Marfrig vai adquirir oito centros de distribuição da BR Foods, além da subsidiária Excelsior Alimentos. O Marfrig fica também com uma unidade de produção de suínos no Paraná, enquanto a BR Foods fica com direitos sobre a marca Paty, fabricante de hambúrgueres e processados na Argentina, além de receber R$ 200 milhões. Adicionalmente, a BR Foods ficará com granjas de suínos e propriedades rurais localizadas no Mato Grosso.
“Fechamos o acordo nesta madrugada. Nem esperava mais que saísse esse ano”, disse Marcos Molina, em entrevista ao Brasil Econômico. Segundo o empresário, a negociação fortalecerá a divisão Seara, de processados de aves e suínos, no mercado interno. A Seara sairá de uma participação de 8,7% para 21% no mercado brasileiro.
Segundo os termos estabelecidos na negociação, a BRF vai transferir à Marfrig marcas e direitos a algumas unidades produtivas, bens e direitos de oito centros de distribuição, capacidade produtiva da planta de suínos em Carambeí (PR) e 64,57% da Excelsior Alimentos, que eram detidos pela Sadia.
Marcas de combate
Nessa negociação, a BRF também irá repassar doze marcas chamadas “de combate”, que são mais baratas e concorrem por preço. São elas Rezende, Wilson, Patitas, Tekitos, Texas, Escolha Saudável, Light Elegant, Fiesta, Freski e Confiança. Molina ainda não detalha qual será a estratégia utilizada para essas marcas e se continuarão destinadas ao mesmo público alvo. “A depender da estratégia escolhida, talvez a empresa tenha que investir muito em marketing, pelo perfil das marcas”, avalia Cauê Pinheiro, analista da corretora SLW.
De acordo com informações do relatório da Votorantim Corretora, com o acordo, a Marfrig receberia ativos com capacidade instalada de 456 mil toneladas por ano, dos quais 75% de alimentos processados. Os ativos geraram uma receita líquida próxima a R$ 1,7 bilhão em 2010, o que representa cerca de 8%da receita Marfrig espera para 2011.
Segundo Pinheiro, o mercado esperava que o Marfrig assumisse o negócio porque era o concorrente que teria condições de fazer frente à BRF. “É a companhia mais forte no segmento de aves e suínos depois da BRF no mercado interno”, diz. “A disposição dos ativos, geograficamente e em relação à linha de produtos, foi feita de forma que ficasse similar à da BRF, com o objetivo de formar um concorrente competitivo”, avalia o analista.
Além de reforçar a presença da divisão Seara nesses segmentos, a companhia também entra em novo nicho ao adquirir as marcas Doriana e Delicata.
O outro lado
Em troca, a BRF receberá do Marfrig e da Quickfood, sua subsidiária na Argentina, ativos da marca Paty. A marca é líder no mercado de hambúrguer naquele país.Oacordo inclui suas unidades de processamento, todas as marcas e patentes, as granjas de suínos e propriedade rural, além das operações da marca no Uruguai e Chile. Entram no pacote as submarcas Barny e Estancia Del Sur. A movimentação de fábricas e marcas vai de encontro à estratégia desenhada pela BR Foods, de fortalecer presença no mercado externo, visto que, para realizar a fusão, precisaria se desfazer de ativos.
“O planejamento da companhia ruma na direção da internacionalização. E o cenário de desaceleração global não deve trazer um impacto monstruoso para os nossos negócios porque a proteína de frango é uma das mais baratas”, disse José Antonio Fay, presidente da BRF ao BRASIL ECONÔMICO na noite desta quarta-feira durante o prêmio “Líderes do Brasil”, evento do Grupo Lide (leia entrevista ao lado) As ações da BRF tiveram queda nesta quinta-feira, enquanto os papéis da Marfrig fecharam em alta. Na visão de Pinheiro, da SLW, se a BRF tivesse vendido os ativos estaria mais capitalizada (veja desempenho das ações abaixo).
Mercado dá tratamento diferente às companhias
Papéis da Marfrig fecham em alta, enquanto os da Brasil Foods encerram com queda de 2,03%
Marfrig e Brasil Foods encerraram o pregão de ontem na BM& FBovespa com sinais invertidos. A Marfrig fechou o dia cotada a R$ 8,49, com alta de 3,16%, o melhor desempenho da bolsa. Já a ação da BR Foods caiu 2,03%, para R$ 37,08.
Pelos indicadores, o mercado sinaliza que aprovou a operação pelo lado da Marfrig. Com a troca de ativos, a empresa de Marcos Molina fortalece a divisão Seara e completa o portfólio de produtos com marcas reconhecidas do mercado consumidor, como a Doriana. A marca de margarina estava praticamente adormecida desde que Sadia e Perdigão anunciaram a fusão, em 2009, para criar a BR Foods.
Além disso, a notícia da operação pode ter ajudado a recuperar o fôlego da ação da Marfrig, que caiu significativamente na bolsa depois da divulgação de umrelatório da gestora de recursos Empiricus, questionando os números apresentados pelo frigorífico no terceiro trimestre. Na "Carta aberta por uma Marfrig mais aberta", a Empiricus colocou em dúvidas os métodos contábeis e o nível de transparência da empresa .
A volatilidade, de certa forma, também pode estar associada ao rápido crescimento da Marfrig em pouco tempo. A companhia saiu de um faturamento de R$ 3 bilhões em 2006 para mais de R$ 15 bilhões atualmente. "Sem dúvida, a leitura do mercado foi mais positiva do que negativa, mas ainda é difícil avaliar os efeitos reais", diz André Gordon, sócio da GTI Administração de Recursos.
No caso da BR Foods, a queda estaria relacionada à alienação de R$ 1,7 bilhão de receita líquida e por deixar de usar, por até cinco anos, linhas de produtos das marcas Batavo e Perdigão, que somam outros R$ 1,2 bilhão. "A BR Foods foi penalizada na bolsa porque está fazendo a consolidação aos moldes da determinação pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Ao vender alguns ativos, a empresa pode perder algo na sinergia", diz Gordon.
Para o analista Cauê Pinheiro, da corretora SLW, a percepção mais negativa em relação à BR Foods se deve ao fato da empresa não ter vendido todos os ativos.
Na avaliação dele, a venda ajuda a companhia a se capitalizar, “Estar mais capitalizada em um momento de cenário externo em desaceleração seria mais positivo”, diz Pinheiro.
Fusão realizada há dois anos criou gigante de alimentos
Há cinco anos, Sadia fez oferta hostil para ficar com Perdigão; em 2009, fusão foi realizada
A troca de ativos entre a BR Foods e o Marfrig, anunciada ontem ao mercado, é mais uma etapa do processo de consolidação das operações da Sadia e Perdigão. O gatilho dessa transação foi disparado em julho de 2006, quando a Sadia - então controlada pelas famílias Furlan e Fontana - fez uma oferta hostil pelo controle da Perdigão para unificar as operações das duas empresas. A oferta é considerada hostil quando uma companhia quer adquirir o controle de outra mediante a compra de ações em bolsa, sem consulta e independentemente da vontade dos acionistas controladores.
Na ocasião, a Sadia propôs pagar cerca de R$ 27 por ação da Perdigão. A proposta foi fortemente rechaçada pela maioria dos acionistas da Perdigão, encabeçados por fundos de pensão, como a Previ. Em resposta, a Sadia aumentou o preço, para R$ 29 - recusada no mesmo dia. Até que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu comunicado informando a suspensão dos efeitos da oferta, visto que a Sadia e a Perdigão não mudaram suas intenções.
“Naquele momento, criou-se uma rusga entre os dois principais rivais do mercado de alimentos”, diz André Gordon, sócio da GTI Administração de Recursos. Para ele, a Sadia desconsiderou uma cláusula do estatuto da Perdigão que previa que uma oferta de aquisição de ações (OPA) só podia ser feita por um acionista detentor de uma participação acionária mínima da empresa. “Além disso, os acionistas acharam que a Sadia se aproveitou de um momento frágil do setor, que enfrentava a crise da gripe suína, para oferecer uma proposta menor”, avalia Gordon.
A unificação voltou à cena em 2008, quando a Sadia registrou o primeiro prejuízo de sua história - de R$ 2,5 bilhões. O resultado foi o efeito direto das perdas com as operações de derivativos, de mais de R$ 4 bilhões. Foi um baque para a empresa, que faturava mais de R$ 13 bilhões por ano. “Por causa das perdas com as operações de derivativos, a Sadia perdeu o equivalente a três anos de faturamento em apenas um mês”, compara Gordon. Com tamanho prejuízo, estavam dadas as condições para que a Perdigão anunciasse a fusão com a Sadia. A união foi anunciada em abril de 2009, sendo formalizada um mês depois. O negócio criou a maior exportadora de carne processada do mundo, com faturamento de R$ 15 bilhões.
TRÊS PERGUNTAS A JOSÉ ANTONIO FAY (Presidente da BRF Brasil Foods)
O cenário global preocupa?
Tenho um pouco de preocupação com o mercado externo em função de todas essas turbulências. É um cenário de difícil de análise nós temos uma parte importante de nossos negócios na Europa. Inicia-se um período de crise que não deve ser curto, mas, apesar disso, não devemos esperar um impacto monstruoso para os nossos negócios. Nossas categorias de produtos, mesmo processados, são a base de frango e muito acessíveis, em geral. Há uma demanda forte por esses produtos mesmo em cenário de crise. Até porque, a proteína a base de frango é a proteína mais barata.
O cenário altera os planos para a fábrica do Oriente Médio?
O planejamento da companhia segue na direção de internacionalizar a operação. Comercialmente, a empresa é bem internacional, temos muitos escritórios comerciais em vários países. Inclusive na região de Abu Dhabi, onde ficará a fábrica de processados. Começamos agora a construção dessa unidade e esse projeto deve levar um pouco mais de um ano, quer dizer que ela começa a operar no primeiro semestre de 2013. Já temos lá um negócio muito forte de distribuição. A vantagem em produzir no local é a de atender o cliente de forma mais direcionada. É possível fazer empanado com tempero árabe, que não é possível de encontrar no Brasil, por exemplo. Já temos equipes que desenvolvem produtos para a região e agora elas trabalharão nisso de forma mais acelerada.
Qual é a sua expectativa em relação ao dólar?
Para começar, o dólar para nós é importante, 40% dos nossos negócios são fora do Brasil. Acho que o dólar começa alto e volta a ceder. O que a gente acha é que o Brasil vai continuar recebendo um fluxo importante, e que, num cenário um pouco mais calmo no mundo, a tendência é o real voltar a apreciar e voltar a operar mais próximo de R$ 1,70.
Veículo: Brasil Econômico