Qual o futuro que se espera de uma companhia farmacêutica com faturamento de 42,531 bilhões de francos suíços (US$ 46 bilhões)? A suíça Roche está em busca de medicamentos para tratamentos mais complexos e não pretende se render ao movimento dos genéricos. Considerando um cenário global de muitos laboratórios com poucos produtos de inovação em desenvolvimento e patentes de importantes remédios expirando, a farmacêutica suíça manterá seu foco em tratamentos personalizado e medicamentos biológicos.
O Brasil, quinto principal mercado para a Roche no mundo, terá importância estratégica ao lado de países como China e Rússia, afirmou o presidente global da companhia ao Valor, Severin Schwan. "O Brasil pode ser muito interessante em desenvolvimento de produtos. Acho que a Roche pode contribuir para isso. Estamos em conversações com o governo brasileiro para discutir transferência de tecnologia", disse o executivo.
As conversas para transferência de tecnologia estão em andamento para algumas áreas, sobretudo de oncologia. Mas, de concreto, Schwan citou o medicamento Cellcept, indicado para evitar rejeição em pacientes que fazem transplantes renais. Schwan observou, contudo, que há trâmites burocráticos que precisam ser vencidos.
O crescimento da economia dos emergentes e a queda da receita das grandes multinacionais farmacêuticas em importantes mercados, como Estados Unidos e Europa, leva as grandes companhias a olhar mais atentamente países antes marginalizados por grande parte das farmacêuticas globais.
O Brasil virou o alvo preferido de multinacionais para a exploração dos segmentos de medicamentos genéricos e OTC (produtos com forte apelo de marca vendidos atrás do balcão). A Roche vai na contramão. A empresa vendeu em 2004 sua divisão de OTC, com produtos como Redoxon, para a alemã Bayer. Schwan quer avançar em transferência de tecnologia de importantes medicamentos no Brasil e disse que o país pode ser importante base de exportação de remédios para vários países, não somente da América Latina. "No futuro, podemos fazer a transferência de tecnologia para medicamentos biológicos", disse. A companhia já tem antigos laços de parceria com o governo brasileiro. No caso da doença de Chagas, a Roche fechou acordo de transferência com a Farmanguinhos.
A decisão da Roche de focar em inovação para tratamentos de doenças complexas foi tomada em um momento delicado para o setor. Com poucos produtos inovadores lançados e patentes importantes expirando, a corrida por novas drogas eficientes tornou-se uma aposta muito cara.
As fichas da multinacional suíça agora estão nas mãos de três novos medicamentos voltados para o câncer: Zelboraf, aprovado pelo FDA, agência reguladora dos EUA, no terceiro trimestre de 2011 e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no início deste ano, para tratamento de melanoma metastático; Erivedge, recém-aprovado pelo FDA, para carcinoma de pele; e o Pertuzumab, que combinado com o Herceptin, tem maior eficiência para o tratamento de câncer de mama. Este último foi aprovado em dezembro pelo FDA e será submetido à Anvisa este mês. A área de oncologia tem importante peso para os negócios da Roche, mas não é a única área de atenção da farmacêutica. Ela está apostando em medicamentos para virologia (hepatite, sobretudo), neurociência, imunologia e metabolismo. Dos 20 produtos em estudos pelo grupo, 17 tiveram resultado positivo em 2011.
A fábrica do Brasil, instalada em Jacarepaguá (RJ), deverá aumentar sua importância para a Roche. Segundo Adriano Treve, presidente da farmacêutica no país, essa unidade exportou em 2011 cerca de US$ 70 milhões em medicamentos. Essa participação vai aumentar nos próximos anos. "O país está crescendo muito e estamos fazendo pesquisas clínicas no país", afirmou o executivo. Ao todo, são 6.037 pacientes envolvidos no momento. Fundada em 1931, a fábrica da Roche no Brasil exporta medicamento importantes, como anticoagulantes (Marcoumar). Outros produtos vão ter o mesmo destino. A unidade do Rio de Janeiro já exporta para 22 países da América Latina e dez da Europa.
O Brasil ainda é um grande mercado para medicamento maduros da Roche, sobretudo os voltados para a neurociência, observou Treve, economista de formação, há 4 anos e meio no Brasil e toda a carreira amadurecida na Roche. Produtos como Rivotril (lançado em 1973), Lexotan (1974) e Dormonid (1982) ainda têm venda garantida, apesar dos inúmeros genéricos no mercado, segundo Treve. Essa subsidiária produz Lexotan, Valium e Bactrim, entre outros.
De acordo com Schwan, a Roche já foi líder na área de neurociência, segmento no qual a companhia conta com medicamentos pioneiros como Valium (de 1963), mas não houve oportunidades de negócios nesses últimos anos. "Mas nos próximos anos, teremos novidades para tratamento de esclerose múltipla e esquizofrenia", disse.
Outra aposta da Roche será em aquisições. O Brasil, contudo, não faz parte da rota da farmacêutica. Segundo Schwan, o país tem muitos laboratórios focados em genéricos e poucos com vocação em inovação. Como está focada em medicamentos complexos e biológicos, os mercados americanos e da Europa são o principal alvo da companhia para compras, disse Schwan. Em janeiro, o grupo fez oferta hostil, no valor de US$ 5,7 bilhões, para a adquirir a americana Illumina, especializada em sequenciamento genético. A intenção da companhia é combinar a eficiência das duas divisões: farmacêutica e diagnóstico. As negociações não avançaram muito, já que o conselho de administração da Illumina mostrou resistência.
Ontem, a companhia divulgou seus resultados de 2011. A receita ficou em 42,531 bilhões de francos suíços, recuo de 10% sobre 2010. O lucro líquido encerrou o período em 9,544 bilhões de francos suíços, aumento de 7% em relação ao ano anterior. A divisão farmacêutica apresentou receita de 32,794 bilhões de francos suíços, recuo de 12% sobre 2010, e a de diagnóstico encerrou o ano em 9,737 bilhões de francos suíços.
Daniel O'Day, principal executivo operacional da Roche Diagnóstica, disse que as principais áreas de crescimento da companhia estão na Ásia Pacífico, onde o grupo é líder, e na América Latina. Essa divisão no Brasil não tem produção própria de equipamentos diagnósticos. E, por enquanto, segundo O'Day, não há planos de investimentos previstos para o país.
Veículo: Valor Econômico