Fiscalização e crescimento tiram camelôs da rua em SP

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Sob o olhar atento da Polícia Militar, cerca de 70 ambulantes dos arredores da rua 25 de Março, no centro de São Paulo, se esforçam para sustentar as vendas que, segundo eles, despencaram nos últimos dois anos. A região, famosa por seu agitado comércio popular, apresentava uma calma incomum para uma tarde ensolarada de segunda-feira na capital paulista.

"Agora é sempre assim. Depois que aumentou a fiscalização, os camelôs foram embora e os clientes sumiram", conta Claudomiro Apolinário Rocha, mais conhecido por seu Miro, que há sete anos mantém uma banca de carteiras e porta-crachás na esquina das ruas 25 de Março e Carlos de Souza Nazareth. Segurando a licença que lhe garante o direito de vender no local, seu Miro se recusa a deixar o trabalho que cultiva desde 1992. "Não quero mudar de serviço porque acredito que aqui tenho mais chances de subir na vida", diz. "Mas, com a ação da polícia e a queda nas vendas, muitos colegas decidiram arrumar emprego em firmas."

O esvaziamento do comércio dos camelôs vem sendo captado pelos levantamentos feitos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e pela Fundação Seade. Entre 2010 e 2011, o número de ambulantes nas ruas da região metropolitana de São Paulo diminuiu 25,6%, o que significa que 41 mil pessoas deixaram de vender de porta em porta, em barracas ou carros. Permaneceram em atividade 119 mil comerciantes de rua, o menor nível da série histórica do Dieese/Seade, iniciada em 1999.

O nível também é o mais baixo já registrado se comparado com o total dos ocupados. Essa proporção recuou de 1,7% em 2010 para 1,2% no ano passado - menos da metade do percentual de 2004, quando a participação dos ambulantes na população ocupada chegou ao pico de 2,7%. Na ocasião, 206 mil comerciantes disputavam freguesia nas esquinas de São Paulo - 87 mil a mais que atualmente.

"A geração de vagas formais e o aumento da renda são um incentivo à redução no número de camelôs. Sempre há aqueles que fazem do trabalho de ambulante uma escolha de vida, mas os que partiram para isso por falta de opção agora estão encontrando oportunidades em outros setores", avalia Alexandre Loloian, coordenador da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do Dieese/Seade.

É o caso de Jéssica Karina Rodrigues, de 21 anos, que se tornou vendedora ambulante no Brás, região central de São Paulo, após perder o emprego em uma loja de roupas, onde trabalhava sem registro em carteira. Durante dois anos, Jéssica buscou sustento na Feira da Madrugada, que nas noites de segunda-feira a sábado atrai centenas de revendedores e consumidores ávidos por roupas, bolsas e acessórios. "Depois que a polícia começou a reprimir o camelôs, ficou muito difícil vender. Tinha meses que eu quase pagava para trabalhar", conta.

Essa situação a levou novamente a procurar emprego em estabelecimentos comerciais e, para sua surpresa, a contratação foi rápida. "Entrei na loja e falei que já tinha experiência em vendas. A gerente me contratou na hora - e com carteira assinada", diz, sorridente. Com um salário suficiente para garantir o pagamento de suas contas, Jéssica se diz satisfeita e não cogita voltar para o comércio de rua. "Agora posso pensar em estudar para ter um emprego melhor no futuro."

As oportunidades, segundo Loloian, não estão só em São Paulo. Ele observa que muitos nordestinos que vieram tentar a sorte nas ruas de São Paulo estão voltando para sua terra de origem, diante da melhoria de vida em outras cidades do país. A migração é evidenciada pelos números do Dieese/Seade, que mostram que nos últimos dois anos houve uma forte redução na participação de nordestinos entre os ambulantes da região metropolitana de São Paulo. A taxa caiu de 41,2% em 2009 para 32,6% em 2011. "São Paulo é uma região difícil e cara de se viver. Se há uma condição de vida melhor na cidade natal, é natural que eles voltem", observa.

Para Loloian, muitos dos que deixaram a região metropolitana de São Paulo têm baixa escolaridade, o que justifica a redução no percentual de ambulantes que não chegaram a terminar o ensino fundamental (de 51,2% em 2009 para 46,5% em 2011). Ao mesmo tempo, houve aumento na fatia dos que possuem ao menos o curso médio incompleto (de 31,4% em 2009 para 38,6% em 2011). "É grande o número de pessoas que estão procurando os cursos para educação de jovens e adultos", ressalta.

Mesmo assim, a baixa escolaridade continua sendo uma forte característica dos comerciantes de rua, fator que muitas vezes limita as oportunidades de trabalho. "As empresas exigem muito estudo", diz seu Miro, que não chegou a concluir o ensino fundamental, quando perguntado se nunca teve vontade de trabalhar com carteira assinada. "Se você consegue trabalhar para uma empresa, pode trabalhar por conta própria", conclui.

Como seu Miro, de 58 anos, muitos dos ambulantes de São Paulo já estão próximos da terceira idade. Tradicionalmente, mais da metade deles supera os 40 anos. "Quem vai querer dar emprego para velhos e doentes?", provoca a dona de uma barraca que trabalha na rua 25 de Março e pede para não ser identificada. Deficiente visual e com idade já avançada, ela não acredita em alternativas de emprego para aqueles que se encontram em situações semelhantes à sua. "Está cada vez mais difícil trabalhar aqui. Se saímos da barraca por um minuto, nem que seja para ir ao banheiro, tomamos multa", queixa-se.

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Subprefeitura da Sé, determina que todos os ambulantes autorizados deverão exercer suas atividades das 8h30 às 18h30, de segunda a sexta-feira, e das 8h30 às 17h00 aos sábados. Somente após às 13h30 é permitido que "auxiliares devidamente autorizados" tomem conta das barracas. "Aqueles que não observarem o fiel cumprimento da determinação aqui contida terão os seus equipamentos apreendidos", estabelece a Portaria 139/06.

A assessoria de imprensa da Coordenação das Subprefeituras de São Paulo argumenta que tais medidas são necessárias para evitar o comércio de licenças. Os fiscais, de acordo com a assessoria, são instruídos a aguardar alguns minutos pelos responsáveis pelas barracas antes de autuá-los pela ausência no local. A multa só é aplicada em caso de reincidência e, em todos os casos, é concedido o direto de recurso, segundo a Prefeitura.

Para os lojistas da região da 25 de Março, a redução no número de ambulantes prejudicou os negócios. "Desde que a polícia começou a expulsar os camelôs as vendas caíram pela metade. Se eles voltassem, acho que recuperaríamos o movimento", diz Maria Denise Silva Lima, gerente da loja de bijuterias America Bijoux, na 25 de Março.


Veículo: Valor Econômico


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