A falta de chuvas está prejudicando a safra de mel no nordeste. A estiagem no semiárido está impedindo as floradas da região, o que provoca a debandada dos enxames de abelhas. No Piauí, estado que produziu seis mil toneladas do alimento (um recorde) no ano passado, a quebra deve ser de 70%, de acordo com o Sebrae-PI.
"Ainda não consegui produzir nada", lamenta o apicultor Edmilson Nunes, de Trigos (PI) - a essa altura, ele já deveria ter extraído metade do volume com que costuma trabalhar (sete toneladas por ano). Apenas 150 de suas 400 colmeias estão ocupadas por abelhas. "A gente nunca completa todas, mas, sem períodos de chuva, elas ficaram mais vazias do que nunca", diz.
Nunes e dois colegas partem nesta semana para Maranhãozinho (MA), a 800 quilômetros de distância, em busca das floradas. Pretendem ficar por lá até setembro e produzir três toneladas de mel, "aproveitando o que dá": uma produtividade calculada em vinte quilos por colmeia - posto que o rendimento normal é de 25 quilos por unidade.
A mesma situação se espalha por todas as áreas produtoras de mel do Piauí, segundo a Casa Apis - instituição que congrega oito cooperativas (sete do estado e uma do Ceará) e tem 990 apicultores registrados. Se no ano passado os cooperados tiveram motivo para comemorar, com produção recorde de 700 toneladas de mel, neste ano o resultado da safra pode ser desastroso. Estima-se quebra de 94% - ou extração de apenas 42 toneladas.
"Se não chove, não há florada. E sem flor não tem mel", observa o consultor de mercado Maurílio Oliveira, do Sebrae-PI.
Um empreendimento familiar
Para o presidente da Casa Apis, Antônio Leopoldino, "já que é impossível escapar das estiagens na caatinga, seria prudente investir em tecnologia, no reflorestamento da caatinga e na diversificação da apicultura". "Estamos na região semiárida, com os mais baixos níveis de IDH e escolaridade. É preciso investir em tecnologia! A apicultura é de um potencial enorme para o desenvolvimento da região", declara.
Uma criação de abelhas voltada à produção de mel pode ser iniciada com R$ 5 mil, segundo Leopoldino. O rendimento médio é de cinco salários mínimos.
O representante, que se refere à Casa Apis como "um empreendimento da agricultura familiar", explica que a formação de um "pasto apícola de subsistência" pode ser feita no semiárido, a partir do adensamento da caatinga - tipo de vegetação semidesértica. De tal forma que os plantéis de abelha seriam mais bem preservados: todo ano, há uma perda de 60% a 80% dos enxames criados no Piauí, em função das épocas sem florada (geralmente entre agosto e dezembro) e das secas.
Outra forma de se valorizar a apicultura da região - ainda de acordo com Leopoldino - seria agregar valor aos produtos da abelha, produzindo própolis, geleia real e apitoxina (o veneno do inseto, de importância medicinal), cujos preços de mercado superam os do mel.
Mercados
Mas nada disso adianta se não houver uma boa relação com o mercado externo, segundo o apicultor. Cerca de 90% do que a Casa Apis produz - e a média pode ser replicada à produção do Piauí e mesmo do País - são exportados, principalmente aos Estados Unidos. Isso porque "somos um dos povos que menos consomem mel no planeta - a nível da África", explica Leopoldino.
"O brasileiro consome pouco mel e tem pouco conhecimento sobre suas propriedades nutricionais", afirma. O consumo per capita de mel, no Brasil, é de 103 gramas por ano, concentrado na Região Sul. Na Europa, esse índice chega a 1,4 quilo. Oliveira, do Sebrae-PI, calcula que o Piauí movimentou US$ 20 milhões com os embarques de mel no ano passado, quando o produto estava cotado a US$ 3,2 por quilo.
Hoje, a Região Nordeste responde por 43% das exportações de todo o mel brasileiro. Há vinte anos, não correspondia a 5%. "O semiárido é o polo de mel que mais cresce no Brasil. O mel sempre foi produzido no sul - por causa da cultura dos colonos europeus -, mas, com o desenvolvimento da cadeia produtiva no nordeste, o semiárido hoje já compete com o sul", diz Oliveira.
O crescimento da cultura em estados como o Piauí tem sido acelerado, e isso se deve ao apoio do poder público, com projetos visando ao incremento de renda na região, segundo o consultor. "No sul, a iniciativa é totalmente privada", afirma.
O próprio Sebrae-PI está trabalhando em um projeto novo, de acordo com Oliveira. Sem entrar em detalhes, o consultor diz que a ideia é dar apoio logístico à migração anual dos apicultores, um movimento que carece de organização, mas faz parte do negócio.
Veículo: DCI