Com os países de toda a Europa cortando seus orçamentos para enfrentar a crise da dívida soberana, os cidadãos europeus também estão controlando seus gastos. Estão mudando para supermercados mais baratos, comprando menos produtos caros e pesquisando mais ofertas on-line.
"De repente, estamos mais cautelosos, mais contidos", disse Rose-Marie Hall, de 38 anos, cuja família de quatro pessoas da zona leste de Paris está esperando para trocar seu carro de 11 anos e este ano não fez suas costumeiras viagens à Disneylândia de Paris. "Quando a gente ouve contar que há pessoas que perderam o emprego e estão sem nada, a gente diz: 'Isso poderia acontecer comigo'".
E não é só ela. À medida que o desemprego na zona do euro atinge níveis recordes e a recessão assola grande parte da região, os consumidores tornam-se cada vez mais econômicos.
O resultado é uma mudança nos hábitos de consumo que pode ter um impacto duradouro sobre coisas como o crescimento econômico e a lucratividade empresarial, já que a redução dos gastos do consumidor está atingindo muitas empresas já abaladas pela desaceleração econômica.
Os indicadores negativos estão se acumulando. Os consumidores franceses gastaram menos 0,2% no segundo trimestre do que no primeiro, comprando menos produtos manufaturados, informou a agência de estatísticas do governo. Em julho, a confiança do consumidor em todo o bloco de 17 países do euro caiu para seu nível mais baixo desde 2009, segundo a Comissão Europeia. Em 2012, espera-se que os gastos com o consumo de bens e serviços na Europa Ocidental, ajustados pela inflação e pelo câmbio, caiam 0,9% contra um aumento de 1,9% previsto para os Estados Unidos, segundo a firma de pesquisas Euromonitor International.
A indisposição do consumidor para gastar está afetando diversos setores. Das cerca de 180 empresas listadas nas bolsas europeias que integram o índice Stoxx 600 e que divulgaram seus resultados trimestrais até o fim da semana passada, o lucro caiu 12% ante um ano atrás, segundo dados novos compilados pela Thomson Reuters. As coisas não devem melhorar em breve: nos últimos 30 dias, os analistas baixaram em 6,2% suas estimativas do lucro dessas empresas no terceiro trimestre, informou a Thomson Reuters na sexta-feira.
Uma das maiores mudanças é nos produtos básicos. Os consumidores estão passando para supermercados barateiros, que oferecem muito menos produtos, geralmente de marcas próprias, a preços mais baixos.
Os europeus também estão evitando comprar produtos caros como carros. No primeiro semestre, o total de registros de carros novos caiu 6,8% em relação a um ano antes, segundo a Associação Europeia dos Fabricantes de Automóveis, sendo que as maiores quedas ocorreram na França, Itália e Espanha. Isso vem se somar a um declínio de cerca de 25% nas vendas de carros novos nos últimos cinco anos.
Há bolsões de resistência. A economia alemã, por exemplo, continua relativamente forte, sustentada em parte por boas exportações. Embora os gastos do consumidor alemão tenham caído 0,1% em junho, o montante foi 2,9% maior que um ano atrás, segundo dados do governo.
Além disso, as compras on-line continuam crescendo, alavancadas em parte pelos caçadores de ofertas. O varejo on-line deverá crescer cerca de 12% ao ano nos países da União Europeia nos próximos cinco anos, segundo a Forrester Research. Na França, no primeiro dia das liquidações de verão, quando as lojas de roupas dão descontos de até 50% ou mais, o site francês da Amazon.com Inc. registrou aumento de 44% no tráfego contra um ano atrás, informou a empresa.
"As pessoas veem as compras on-line como uma forma de reduzir seu custo de vida", disse Joshua Bamfield, diretor do Centro de Pesquisas do Varejo, uma firma do Reino Unido.
Algumas empresas estão reagindo às mudanças nos hábitos de consumo importando técnicas que desenvolveram em países como o Brasil e a Índia. A Unilever NV está mudando a embalagem de alguns produtos como o detergente Surf, colocando-os em pacotes menores vendidos por um euro ou uma libra esterlina.
A Danone SA, que viu suas vendas totais na Europa caírem 1% no segundo trimestre numa base comparável, está optando por uma estratégia diferente. A gigante dos laticínios está lançando um potinho plástico de iogurte com curvas arredondadas, substituindo um modelo inalterado há décadas. O objetivo é que o produto se destaque nas prateleiras dos supermercados, cada vez mais competitivos.
"A preocupação com o dinheiro está corroendo a lealdade dos consumidores às marcas", disse Daphne Kasriel, analista de consumo da Euromonitor. "Essa mentalidade de economia chegou para ficar."
Veículo: Valor Econômico