Escravos do tomate

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Apesar dos preços altos, "ninguém abre mão do tomate", diz economista; chefs passam a acrescentar nas receitas a versão italiana enlatada em detrimento da brasileira


O volume de vendas da laranja é maior, mas nenhum produto supera o tomate quando o assunto é dinheiro. É o que acontece na Ceagesp, em São Paulo, o maior entreposto de legumes, frutas e hortaliças da América Latina.

Nos primeiros seis meses de 2012, a movimentação financeira em torno do tomate atingiu R$ 253 milhões,

valor 80% maior que o do segundo colocado, a laranja, com R$ 140 milhões.

Os líderes do ranking deste primeiro semestre são os mesmos do ano passado.

Os brasileiros não vivem sem tomate, o que ajuda a explicar tantos cifrões. A "pomo d'oro" (maçã de ouro, em italiano) incrementa de saladas a canapés; pode ser feita ao forno, compor bebidas e tantas outras receitas.

Para o economista André Braz, da FGV, "isso dá a ele grande importância no orçamento das famílias. Ninguém abre mão do tomate".

Sim, somos "escravos do tomate", como diz Juscelino Pereira, do restaurante Piselli. Sim, aconteceram oscilações climáticas. Mas outro fator contribuiu para a subida dos preços.

De um ano pra cá, as áreas de cultivo foram reduzidas em torno de 5%, segundo a Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq). Menos plantações, menor a oferta, maior o preço.

Mas resta alguma esperança. A tendência é de queda do preço até o final deste mês. Isso porque a safra da hortaliça é curta -cerca de 90 dias- e pode se recuperar com velocidade, na medida em que as condições climáticas se estabilizarem, dizem agrônomos e economistas.

NOSSO TOMATE É BOM?

"O mais importante é o equilíbrio entre acidez e doçura", diz o especialista Paulo César Tavares de Melo, único delegado brasileiro do conselho mundial dessa indústria. Caso contrário, "fica insípido ou muito ácido".

O tomate cultivado no Brasil vive um ano ruim no que diz respeito ao sabor. Mas, considerando um período maior de tempo, é possível afirmar que a qualidade tem nível médio -muita semente e água e pouca firmeza.

Nos EUA (segundo maior produtor mundial, depois da China), os tomates costumam ser bonitos, mas pouco saborosos.

Ambos -brasileiro e norte-americano- estão aquém do italiano, de vermelho vibrante, carnudo e suculento.

A Comunidade Europeia protege algumas variedades de tomate, como o San Marzano. Além disso, o movimento Slow Food lançou campanha para preservar tomates em risco de extinção na Itália, segundo Andrea Sinigaglia, da Alma, importante escola de cozinha do país.

Para o chef Gualtiero Marchesi, um dos principais nomes da moderna gastronomia italiana, é inviável pensar na cozinha de seu país sem ícones como a salada caprese. "O tomate é um recurso importante para um chef por causa da acidez agradável que dá aos pratos."

No Brasil, embora tenha importância semelhante nos pratos, a hortaliça não recebe tratamento tão nobre no cultivo. Para o chef do Friccò, Sauro Scarabotta, nascido na Itália e radicado no Brasil desde 1994, o tomate daqui "pinga mais que uma laranja quando cortado e faz uso abusivo de agrotóxico".

No último relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, de 2010, 16,3% da amostra de tomates tinham presença de ingredientes não autorizados ou resíduos acima do permitido pelo órgão.

"Às vezes, infelizmente, são detectados resíduos de agrotóxicos. Mas não se pode dizer que seja algo generalizado na maioria das áreas de produção de tomate ou de qualquer outra hortaliça", diz o agrônomo Roberto de Albuquerque Melo, da Associação Brasileira de Horticultura.

Outros fatores explicam a superioridade do italiano diante do brasileiro, como regularidade do clima e maior respeito à sazonalidade.

TRUQUES

A baixa qualidade do tomate nos últimos meses exige jogo de cintura dos chefs. Juscelino Pereira mescla o nacional fresco com o pelado italiano, comprado em lata. "Não podemos correr o risco de fazer um molho aguado."

Scarabotta usa o mesmo truque no preparo do molho. Com a alta de preço, porém, teve de mudar a proporção: antes eram 60% de tomate brasileiro e 40% do pelado italiano enlatado. Agora, é o inverso.



Veículo: Folha de S.Paulo


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