Orgânico? Convencional? Tanto faz

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Um morango orgânico tem mais vitamina C que um convencional? Talvez sim, talvez não. Cientistas da Universidade de Stanford passaram a ficar do lado "talvez não" do debate depois de um exame extensivo de quatro décadas de pesquisas comparando alimentos convencionais e orgânicos.
 
Eles concluíram que as frutas e vegetais rotulados como orgânicos não eram, em média, mais nutritivos do que os congêneres convencionais, que tendem a ser mais baratos. Nem estavam menos sujeitos à contaminação pela perigosa bactéria E. coli.
 
Os pesquisadores também não encontraram nenhuma vantagem óbvia à saúde com a ingestão de carne orgânica.
 
De acordo com os cientistas, as frutas e os legumes convencionais tinham mais resíduos de pesticidas, mas os níveis estavam quase sempre abaixo dos limites de segurança permitidos. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos afirma estabelecer limites em níveis que não fazem mal a humanos.
 
"Quando começamos este projeto, pensamos que encontraríamos dados comprovando a superioridade dos alimentos orgânicos sobre os convencionais", disse Dena Bravata, pesquisadora do Centro de Saúde Pública de Stanford e principal autora do estudo, publicado recentemente no periódico Annals of Internal Medicine. "Creio que ficamos surpresos de verdade."
 
As conclusões certamente vão aquecer o debate em relação ao fato de o alimento orgânico ser uma escolha inteligente para uma vida mais saudável ou uma ferramenta de marketing que engana as pessoas ao fazê-las pagar mais caro. O mercado de produtos agrícolas orgânicos tem crescido em taxas de até 12% chegando a US$ 12,4 bilhões, no ano passado, de acordo com a Associação de Comércio Orgânico (OTA, na sigla em inglês). A carne orgânica tem uma fatia menor do mercado, tendo movimentado US$ 538 milhões em 2011. A produção de alimentos orgânicos é controlada por uma série de regras que, em geral, proíbem o uso de pesticidas sintéticos, hormônios e aditivos.
 
Pesticidas – As conclusões não devem afastar muitos fãs da comida orgânica. Defensores da produção orgânica afirmaram que os pesquisadores de Stanford não conseguiram avaliar as diferenças encontradas nos dois tipos de alimentos – diferenças que ratificam os motivos geralmente citados pelas pessoas ao adquirirem um alimento orgânico. Como esperado, o produto orgânico apresentava uma probabilidade muito menor de reter traços de pesticidas. Porcos e frangos orgânicos tinham uma probabilidade menor de estarem contaminados por bactérias resistentes a antibióticos.
 
"Esses são os grandes motivadores para o consumo orgânico", disse Christine Bushway, diretora executiva da OTA. O estudo constatou que o leite orgânico continha mais ácidos graxos com ômega 3, considerados benéficos ao coração.
 
"Nós acreditamos que o alimento orgânico cumpre o que promete", disse Sonya Lunder, analista do Environmental Working Group, que publica listas destacando as frutas e legumes com as menores e maiores quantidades de resíduos de pesticidas.
 
Os pesquisadores de Stanford disseram que, ao fornecerem uma revisão objetiva da pesquisa atual sobre alimentos orgânicos, seu objetivo era permitir que as pessoas fizessem escolhas fundamentadas.
 
No estudo – conhecido como meta-análise, na qual descobertas anteriores são agregadas sem a realização de novos trabalhos laboratoriais –, os pesquisadores juntaram dados de 237 avaliações, examinando uma ampla variedade de frutas, legumes e carnes. Durante quatro anos, eles executaram análises estatísticas em busca de sinais de benefícios à saúde pela adição de alimentos orgânicos à dieta.
 
Os pesquisadores não utilizaram fontes externas de financiamento. "Eu queria muito que não passássemos uma impressão de parcialidade", disse Dena Bravata.
 
Fósforo e fenóis – Uma constatação do estudo é que o produto agrícola orgânico, em geral, continha um nível mais elevado de fósforo  que o convencional. Porém,  como quase a maioria das pessoas obtém uma quantidade adequada de fósforo de uma ampla gama de alimentos, o nível elevado no produto orgânico tem pouca chance de conferir algum benefício à saúde.
 
O produto orgânico também possuía mais substâncias conhecidas como fenóis, as quais ajudariam a prevenir o câncer, do que o convencional. Embora a diferença fosse estatisticamente importante, o tamanho da diferença variava amplamente de estudo para estudo, e os dados foram baseados no exame de pequenas porções de amostras.
 
Outras variáveis, como o grau de maturação, apresentavam uma influência maior no conteúdo nutritivo. Assim, um pêssego suculento cultivado com o emprego de pesticidas poderia facilmente conter mais vitaminas do que um orgânico verde.
 
As conclusões do estudo em relação aos pesticidas parecem propensas a agradar os consumidores de orgânicos. De modo geral, os pesquisadores de Stanford chegaram à conclusão de que 38% dos produtos convencionais examinados nos estudos continham resíduos detectáveis, comparados a 7% dos orgânicos (produtos cultivados de forma orgânica podem ser contaminados por pesticidas trazidos pelo vento de um campo próximo ou durante o processamento e o transporte). Eles também mencionaram levantamentos mostrando que crianças que comiam orgânicos tinham menos traços de pesticidas na urina.
 
Os cientistas não quiseram debater se os limites atuais de pesticidas são altos demais.
 
"Alguns dos meus pacientes ficaram reconfortados ao saber que os níveis dos pesticidas estão abaixo dos limites de segurança", disse Bravata. "Outros questionaram se os padrões são suficientemente rigorosos".
De forma similar, a carne orgânica continha níveis consideravelmente mais baixos de bactérias resistentes a antibióticos do que a de animais criados de forma convencional, mas as bactérias, resistentes ou não a antibióticos, seriam mortas durante o processo de cozimento.
 
Dena Bravata concordou que as pessoas compram alimentos orgânicos por uma série de motivos – preocupações em relação aos efeitos dos pesticidas em crianças pequenas, impacto ambiental da agricultura convencional de larga escala e a ameaça potencial à saúde pública se os genes das bactérias resistentes a antibióticos passassem a patógenos humanos. "São temores perfeitamente válidos", comentou.
 
Nutrição e Q.I. – A análise não levou em consideração fatores como sabor. Mas se a escolha fosse baseada principalmente na esperança de que o alimento orgânico fornecesse mais nutrientes, "eu diria que inexistem indícios robustos para escolher entre um e outro", disse Sonya Lunder. O argumento de que o produto agrícola é mais nutritivo "nunca foi o principal motivador" para explicar por que as pessoas escolhem pagar mais, acrescentou a analista do Environmental Working Group.
 
Ao contrário, a motivação é reduzir a exposição a pesticidas, principalmente no caso de mulheres grávidas e crianças pequenas. Os defensores do alimento orgânico apontam, por exemplo, três estudos publicados no ano passado, de autoria de cientistas da Universidade de Colúmbia, Universidade da Califórnia (campus de Berkeley) e do Hospital Monte Sinai, de Nova York. Eles identificaram mulheres grávidas expostas a quantidades maiores de pesticidas conhecidos como organofosfatos, depois acompanharam seus filhos durante anos. Na escola primária, tais crianças tinham, em média, um Q.I. vários pontos abaixo do de seus colegas.
 
Os críticos ao estudo de Stanford também argumentam que amontoar todos os alimentos orgânicos numa análise acaba desconsiderando os maiores benefícios de alguns deles. Por exemplo, um estudo de 2010, de autoria de cientistas da Universidade Estadual de Washington, constatou que morangos orgânicos continham, sim, mais vitamina C do que o convencional.
 
Crystal Smith-Spangler, outra integrante da equipe de Stanford, afirmou que o estudo com o morango foi erroneamente deixado de lado, mas disse duvidar que ele tivesse mudado as conclusões ao ser combinado com outras 31 avaliações que também mensuraram a vitamina C.



Veículo: Diário do Comércio - SP


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